domingo, novembro 19

Reformar o SNS

A abrir, uma prevenção:
Apenas conheço do discurso de FR, na abertura do Congresso Nacional dos Hospitais, o que se pode ler do Post de Xavier que, com critério, diligência e disponibilidade, garante a vitalidade do Saúde SA, com um nível de esforço pessoal que merece o reconhecimento e admiração de que aqui lhe deixo testemunho.
Sou avesso – e penso que todos devemos sê-lo – a fazer processos de intenção, não conhecendo na íntegra o discurso proferido, admito que a parte não transcrita possa retirar oportunidade a este Comentário. Acredito na selecção criteriosa do Xavier, mas, se for o caso, aqui ficam desculpas antecipadas. Acresce que, mesmo concordando, na generalidade, com a parte transcrita, há aspectos que me parece deverem ser relevados.

Passemos ao Comentário.

1. Este SNS tem, então, defeitos. É “pesado, pouco ágil, desarticulado, relutante em acolher a inovação, presa fácil de interesses particulares, gastador e sem controlo”. Em adjectivação, FR, (que além de economista pode ser poeta, por que não?) quase igualou a abertura de célebre Canção X, de Luís de Camões (Para os menos versados ou mais esquecidos: Junto de um seco, duro, estéril monte, Inútil e despido, calvo, informe …). Mas ainda assim, não foi exaustivo. Há outros que considero mais graves:

- reflecte uma concepção organicista, isto é, SNS são os órgãos e os serviços prestadores, por oposição a entender que SNS é o conjunto de prestações aos utentes, garantidas nos termos definidos pela Constituição e pela Lei;
- não faz adequada separação de poderes, concentrando no Estado todos os papéis: a definição, a posse e quase sempre a propriedade dos serviços e estabelecimentos, a direcção de topo e a nomeação dos administradores dos estabelecimentos, a avaliação e o controlo das actividades. Desta concentração de papéis no Governo e nos serviços que o apoiam derivam consequências importantes:
- confusão na situação da responsabilidade, com silenciosos conflitos positivos ou negativos de competência;
- desempenho insatisfatório das competências de direcção, avaliação e controlo porque “enquanto se canta não se assobia”;
- suspeição, justificada ou não, tanto interessa, sobre a forma como é feita a distribuição do financiamento; pode ser dado mais quando convém;
- suspeição na função de avaliação, porque haverá responsabilidades do avaliador e do avaliado;
- porque os serviços e estabelecimentos são do Estado, importação em bloco das virtudes, mas também dos vícios do estatuto da função publica, sobejamente conhecidos e que tão difíceis se mostram de corrigir;
- Excessiva permissividade – legal e de praxis – do regime de acumulações; a regra é serem permitidas, quando deviam ser excepcionais pois que a incompatibilidade a nível de funções de direcção, chefia, coordenação em unidades públicas e unidades privadas é claramente insuficiente. O conflito de interesses inevitável da acumulação existe também nos restantes níveis. Esta permissividade é uma peculiaridade do SNS que, por alguma razão, as empresas não permitem.

2. Claro que concordo que “este SNS deve ser reformado”. A questão estará em saber que reforma será a que nos é prometida.

Infelizmente, FR não foi muito explícito sobre o conteúdo da reforma, diria mesmo que foi muito vago: “deve ser reformado no sentido do reforço da sua competência estratégica, da sua modernização, centrado nas prioridades, diversificado nos instrumentos de acção e controlo”. Aqui pode conter-se muita coisa e coisa nenhuma que constitua uma reforma do SNS.

Mas sobre um ponto ficamos informados: as prioridades do M.S. serão “a reforma dos cuidados de saúde primários, a correcção da grave carência do SNS nos cuidados a idosos e a rigorosa gestão orçamental, enquanto factor de credibilidade do SNS”. Continua a ser muito sintético? É o que temos.

3. Não é “a opção por um modelo público de hospital em Portugal” que merece quer a minha discordância, quer a da maioria dos participantes no Saúde SA, segundo creio. E também concordamos que “as decisões políticas são muito importantes para o seu sucesso. Mas não são suficientes. Existe espaço para as decisões que devem ser assumidas ao nível da administração de cada hospital”. Até temos sustentado a necessidade de lhes ser dada real autonomia. O que receio é que, por termos muitos anos de tradição centralizadora ou por falta de coragem para fazer o que tem de ser feito, não sejam criadas as condições para que tenham êxito as decisões esperadas “ao nível da administração de cada hospital”, tanto mais quanto é certo que, relativamente aos HH a prioridade anunciada é “a rigorosa gestão orçamental, enquanto factor de credibilidade do SNS”.

4. Não quero ser pessimista. Há uma afirmação que, sem qualquer reserva, não me cansaria de aplaudir, se os meus aplausos chegassem até FR: ”… o momento actual recomenda que o equilíbrio orçamental dos hospitais se faça do lado da despesa. Todos nós sabemos que persistem grandes desperdícios que devem ser combatidos.” Apenas acrescentaria: M.S e CA dos HH e dos restantes Serviços, concentremo-nos no que vale a pena.

5. Finalmente: seria imperdoável terminar este Comentário sem felicitar os membros dos CA dos HH: depois de mais de meia centena de reuniões que também serviram para “exigir responsabilidades” não me constou que alguém tivesse sido despedido.
AIDENÓS

7 Comments:

Blogger Sandra said...

Boa tarde!

Penso que seria útil a existência de uma lista de abreviaturas em algum local do blog. Para quem não está familiarizado com as abreviaturas utilizadas, torna-se complicado perceber alguns textos!

5:01 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

FR na sessão de abertura do Congresso Nacional dos Hospitais abordou duma forma muito pragmática as preocupações e os objectivos do seu Ministério em relação ao SNS .
Um SNS com muitos "espinhos" mas também com muitas "rosas" propostas umas e já em desenvolvimento outras, para o tornar mais apelativo.

Mas no meio de tantas rosas e espinhos
Ficou-me esta rosa com este espinho:
Afirma querer dar ao portugueses o garante da "defesa e o reforço de um sistema de saúde de acesso universal, sustentável no futuro e que garanta maior justiça social" e querer gerir "o equilíbrio orçamental dos hospitais pelo lado da despesa" ( o que se aplaude) mas nada é dito sobre o porquê das recém criadas taxas moderadoras e o agravamento das existentes e se isto também não é gerir pelo lado da receita/doente;

E este espinho com esta rosa:
Nada disse sobre o papel da iniciativa privada e a sua articulação com o SNS mas afirma querer o seu Ministério dar a importância devida à Rede de Cuidados Continuados, aos Cuidados Primários de Saúde com o investimento nas USF, às Vias Verdes, etc.
Antes pelo contrário, até parece que não lhe pretende dar assim tanta importância, já que é intenção "rever o modelo das parcerias público-privado" e "clarificar as ambiguidades que o anterior estatuto de SA (Sociedade Anónima) permitia sobre a eventual privatização dos hospitais".
Bem sei que falava para Administradores Hospitalares e abordava a problemática dos Hospitais Públicos mas enquanto representante de CC que não pôde estar presente (o que se estranha), ficava-lhe bem falar também sobre a importância (ou não importância) do sector privado. E não o fez...
Terá sido esquecimento ou propositado?
Fica talvez para outro Congresso...
Que nome lhe dar?
Aceitam-se propostas.

6:22 da tarde  
Blogger tonitosa said...

Apenas um parêntesis para dizer que insri no post abaixo "Debate Aceso" um texto dando continuação à minha opinião sobre o post do Semmisericórdia com o título Saude gratis? Não, obrigado.
Se o Xavier assim o entender, poderá recolocá-lo noutro contexto.
Um abraço ao Semmisericórdia e ao Xavier.

12:26 da manhã  
Blogger tonitosa said...

Não acompanhei o Congresso dos HH. Como já escrevi, estive ausente do meu local de residência e "quase" impossiblitado de aceder (dados os elevados custos) à Internet.
Os comentários que fiz desde logo aquando da criação dos HH EPE's são razão suficiente para me limitar a dizer que concordo em absoluto com este comentário do Aidenós.
Frequentemente me referi ao longo do tempo, também ao problema da "promiscuidade" entre os serviços públicos e privados, designadamente no que se refere à acumulações dirigentes em HH públicos e privados.
Também aqui estou de acordo com o Aidenós.
Eu sou dos que acredito que é absolutamente necessário atribuir aos HH (e outras intituições da saúde) maior autonomia e responsabilidade. E o caminho tem sido percorrido, ultimamente, no sentido oposto.
As famosas Cartas de Missão serviram para quê? Não pressupunham exactamente maior autonomia e responsabilização dos CA?
FR e o toda a equipa do MS não são afinal (decorrido todo o tempo) os grandes responsáveis por continuarmos a ter um SNS com os defeitos que lhe apontou?
E quais são afinal as soluções? Como diz o Aidenós muito pouco se ficou a conhecer.
Com o respeito devido por quem não ouviu as palavaras de FR, (foi o meu caso) parece ter sido um discusro de muito blá, blá, blá!...
A avaliar pelo que li.

12:52 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Ora aí está "alerta" um assunto que acho merecedor de debate...
Grandes Hospitais(GH), versus Pequenos Hospitais(PH).
GH com tecnologia de ponta, versus PH com tecnologia suficiente para dar contributo assistencial com qualidade.
Custos/doente em GH/PH.
Produtividade/rentabilidade
Humanização, etc,etc.

12:47 da manhã  
Blogger Clara said...

O semmisericórdia é que nos podia dar uma ajuda sobre esta questão da escala ideal que devem ter os nossos hospitais do SNS.

Não será que a centralizações que estão a ser feitas têm por objectivo o estragulamento das pequenas unidades?

1:29 da manhã  
Blogger xavier said...

Clara,
Na coluna da direita poderá ver nos textos da semmisericórdia a resposta para a sua questão da escala dos HHs.

12:57 da manhã  

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