Futuro da Saúde em Portugal (4)
Comentário ao "post" do Aidenós (texto Dr. Lopes Martins)
O Aidenós pdf fez uma excelente análise, o que não surpreende nem um pouco, e concluiu que as propostas do Dr. Lopes Martins (LM) - pdf: a) Esquecem os problemas graves da situação de partida do sistema de saúde (desperdício actual); b) Representam uma abordagem limitada ao financiamento. Estas 2 questões não valorizam as propostas apresentadas, como veremos de seguida.
a) Esquecer o desperdício actual
O elevado desperdício presente no sistema (no SNS, na actividade privada) explica parte importante da ineficiência macroeconómica (elevado peso das despesas de saúde/PIB) que põe em risco a sustentabilidade do SNS, pelo que esse problema a não ser atacado ampliar-se-á no futuro. Assim parece inquestionável que deve ser esse o primeiro objectivo, abrangendo todas as actividades, actos e entidades envolvidas (nas privadas também, prioritariamente as que são financiadas pelo Estado).
A omissão de referência ao desperdício pode parecer estranha em LM, reconhecido como pessoa de elevada craveira intelectual e grande experiência em saúde (ex-SES). Sabemos que essa omissão, vinda de quem vem, não significa render-se ou desistir de combater esse problema (declarar a sua inevitabilidade) e, muito menos, considerar normal que os interesses que do desperdício se alimentam ou nele prosperam (profissionais, prestadores, privados) continuem e se ampliem. Antes se tratará de subalternizar essa alternativa (reconhecida como necessária, mas que “alguém” abraçará) em favor de mudança radical do financiamento, ajustando as isenções e promovendo o pagamento dos actos em função do rendimento (posição que LM há muito defende).
Doutro modo a proposta seria pouco razoável, como bem analisa Aidenós, porque:
i) Esqueceria a responsabilidade dos privados (como do SNS) no desperdício actual;
ii) Defenderia implicitamente o seu alargamento: manter os problemas actuais (de controlo pelo SNS, de qualidade e eficácia dos actos) e obter maior financiamento por acto só pode resultar em menor eficiência macroeconómica (a eficiência técnica pode ser maior mas também o será a inapropriação, a ineficácia e a duplicação de actos).
b) Não a mais impostos, sim a co-pagamentos
A tese que LM defende pode resumir-se assim (meu comentário no parêntesis):
i) Reformular o financiamento (desperdício omitido);
ii) Não aumentar os impostos (OK, são já muito elevados para o nível de desenvolvimento do país, caso contrário podemos comprometer a competitividade);
iii) Ajustar (limitar) as isenções (OK, corrigir as indevidamente recebidas será sempre benéfico);
iv) Aumentar a contribuição das pessoas por co-pagamentos em actos (pode originar: problemas de acesso e de equidade);
v) Aumentar a concorrência, financiando (regionalmente) por acto (agora o SNS controla mal, se houver maior nº de entidades e de actos privados, será melhor?).
É verdade que “incentivos de mercado são mais eficazes do que os controlos administrativos” (LM). Porém em saúde, onde os consumidores estão em desvantagem e não sabem escolher, pode resultar apenas na multiplicação de actos, ainda que sem benefícios para a saúde pelo que, como aponta Aidenós, parece preferível o financiamento por doente. O pagamento por acto incentiva de facto, mas a: i) Quando lucrativos, produzir cada vez mais actos (mesmo que alguns sejam de duvidosa eficácia) e também a fazer alguma batota (que leve a maior produção), sobretudo se o SNS controla mal; ii) Quando não são lucrativos, seleccionar doentes e doenças e/ou diminuir a qualidade (ex. pôr AAM a fazer tratamentos de MFR e exames de imagiologia) e fazer batota (ex. upcoding). Aliás, como já vimos aqui em post recente, o pagamento igualitário por acto é uma ilusão e revela-se como não equitativo face à disparidade de responsabilidades (emergência, ensino), de doentes e actos (maior severidade e idade no SNS?) e condições em que é realizado. Também se espera concentração do prestador nos actos que remuneram, pelo que: i) A promoção da saúde e prevenção da doença será, provavelmente, esquecida; ii) Esforços de melhoria contínua de qualidade e de desenvolvimento técnico podem ser protelados.
Os co-pagamentos, como refere Aidenós, supõem a revisão da Constituição. Podem também induzir problemas de equidade que, com a eficiência, são um must do SNS. Aidenós faz análise segura e certa, pelo que me limito a adicionar algumas notas.
1ª A modalidade proposta (financiamento público por acto e co-pagamento) revela-se apetecível para entidades mais preocupadas em serem “fábricas de actos” (Vs produzir saúde) e para prestadores pouco escrupulosos. Daí ser necessário limitar o nº de prestadores (o que reduz os benefícios da concorrência mas também os custos da inapropriação) e em aumentar grandemente o controlo pelo SNS.
2ª Aidenós afirma que o “crescimento das despesas com co-pagamentos seria o mesmo para idêntica amplidão ou generalidade do SNS ou do Sistema” mas pode não ser assim: haveria tendência moderadora pelo efeito preço (também pode dificultar o acesso e prejudicar o tratamento) e tendência de aumento de despesa no Sistema, por maior recurso ao sector privado (se parte fosse paga pelo SNS e considerando que seria de esperar maior nº actos/doente que se fosse produção do SNS).
3ª Co-pagamentos são taxas (não impostos) porque correspondem a % do custo estimado (ex. 20 ou 30%) do serviço recebido (ou que o Estado tornou disponível para a pessoa) – impostos são contribuições sem qualquer relação com serviços públicos (oferecidos pelo Estado) e seu consumo pela pessoa.
4ª A distribuição do financiamento/contratação (bem como o seu controlo) pela Região parece-me inelutável, para promoção da eficácia e apropriação de cuidados - havendo que aumentar a sua capacidade de resposta (qualificação das pessoas, software, poderes – ex. audit e fiscalização). A reduzida dimensão de 2 regiões (Alentejo, Algarve) pode resolver-se, nas funções em que a dimensão é importante, por partilha do serviço doutra região (ARSLVT).
5ª Pôr doentes a pagar (co-pagamentos) em todos os actos levará provavelmente ao fim do SNS, que não defendo. Só com muita fé se pode defender que haverá benefícios (da concorrência, da maior responsabilidade dos doentes) que suplantarão os riscos esperados (problemas de acesso e de inapropriação, menor eficiência macroeconómica).
Semmisericórdia
O Aidenós pdf fez uma excelente análise, o que não surpreende nem um pouco, e concluiu que as propostas do Dr. Lopes Martins (LM) - pdf: a) Esquecem os problemas graves da situação de partida do sistema de saúde (desperdício actual); b) Representam uma abordagem limitada ao financiamento. Estas 2 questões não valorizam as propostas apresentadas, como veremos de seguida.
a) Esquecer o desperdício actual
O elevado desperdício presente no sistema (no SNS, na actividade privada) explica parte importante da ineficiência macroeconómica (elevado peso das despesas de saúde/PIB) que põe em risco a sustentabilidade do SNS, pelo que esse problema a não ser atacado ampliar-se-á no futuro. Assim parece inquestionável que deve ser esse o primeiro objectivo, abrangendo todas as actividades, actos e entidades envolvidas (nas privadas também, prioritariamente as que são financiadas pelo Estado).
A omissão de referência ao desperdício pode parecer estranha em LM, reconhecido como pessoa de elevada craveira intelectual e grande experiência em saúde (ex-SES). Sabemos que essa omissão, vinda de quem vem, não significa render-se ou desistir de combater esse problema (declarar a sua inevitabilidade) e, muito menos, considerar normal que os interesses que do desperdício se alimentam ou nele prosperam (profissionais, prestadores, privados) continuem e se ampliem. Antes se tratará de subalternizar essa alternativa (reconhecida como necessária, mas que “alguém” abraçará) em favor de mudança radical do financiamento, ajustando as isenções e promovendo o pagamento dos actos em função do rendimento (posição que LM há muito defende).
Doutro modo a proposta seria pouco razoável, como bem analisa Aidenós, porque:
i) Esqueceria a responsabilidade dos privados (como do SNS) no desperdício actual;
ii) Defenderia implicitamente o seu alargamento: manter os problemas actuais (de controlo pelo SNS, de qualidade e eficácia dos actos) e obter maior financiamento por acto só pode resultar em menor eficiência macroeconómica (a eficiência técnica pode ser maior mas também o será a inapropriação, a ineficácia e a duplicação de actos).
b) Não a mais impostos, sim a co-pagamentos
A tese que LM defende pode resumir-se assim (meu comentário no parêntesis):
i) Reformular o financiamento (desperdício omitido);
ii) Não aumentar os impostos (OK, são já muito elevados para o nível de desenvolvimento do país, caso contrário podemos comprometer a competitividade);
iii) Ajustar (limitar) as isenções (OK, corrigir as indevidamente recebidas será sempre benéfico);
iv) Aumentar a contribuição das pessoas por co-pagamentos em actos (pode originar: problemas de acesso e de equidade);
v) Aumentar a concorrência, financiando (regionalmente) por acto (agora o SNS controla mal, se houver maior nº de entidades e de actos privados, será melhor?).
É verdade que “incentivos de mercado são mais eficazes do que os controlos administrativos” (LM). Porém em saúde, onde os consumidores estão em desvantagem e não sabem escolher, pode resultar apenas na multiplicação de actos, ainda que sem benefícios para a saúde pelo que, como aponta Aidenós, parece preferível o financiamento por doente. O pagamento por acto incentiva de facto, mas a: i) Quando lucrativos, produzir cada vez mais actos (mesmo que alguns sejam de duvidosa eficácia) e também a fazer alguma batota (que leve a maior produção), sobretudo se o SNS controla mal; ii) Quando não são lucrativos, seleccionar doentes e doenças e/ou diminuir a qualidade (ex. pôr AAM a fazer tratamentos de MFR e exames de imagiologia) e fazer batota (ex. upcoding). Aliás, como já vimos aqui em post recente, o pagamento igualitário por acto é uma ilusão e revela-se como não equitativo face à disparidade de responsabilidades (emergência, ensino), de doentes e actos (maior severidade e idade no SNS?) e condições em que é realizado. Também se espera concentração do prestador nos actos que remuneram, pelo que: i) A promoção da saúde e prevenção da doença será, provavelmente, esquecida; ii) Esforços de melhoria contínua de qualidade e de desenvolvimento técnico podem ser protelados.
Os co-pagamentos, como refere Aidenós, supõem a revisão da Constituição. Podem também induzir problemas de equidade que, com a eficiência, são um must do SNS. Aidenós faz análise segura e certa, pelo que me limito a adicionar algumas notas.
1ª A modalidade proposta (financiamento público por acto e co-pagamento) revela-se apetecível para entidades mais preocupadas em serem “fábricas de actos” (Vs produzir saúde) e para prestadores pouco escrupulosos. Daí ser necessário limitar o nº de prestadores (o que reduz os benefícios da concorrência mas também os custos da inapropriação) e em aumentar grandemente o controlo pelo SNS.
2ª Aidenós afirma que o “crescimento das despesas com co-pagamentos seria o mesmo para idêntica amplidão ou generalidade do SNS ou do Sistema” mas pode não ser assim: haveria tendência moderadora pelo efeito preço (também pode dificultar o acesso e prejudicar o tratamento) e tendência de aumento de despesa no Sistema, por maior recurso ao sector privado (se parte fosse paga pelo SNS e considerando que seria de esperar maior nº actos/doente que se fosse produção do SNS).
3ª Co-pagamentos são taxas (não impostos) porque correspondem a % do custo estimado (ex. 20 ou 30%) do serviço recebido (ou que o Estado tornou disponível para a pessoa) – impostos são contribuições sem qualquer relação com serviços públicos (oferecidos pelo Estado) e seu consumo pela pessoa.
4ª A distribuição do financiamento/contratação (bem como o seu controlo) pela Região parece-me inelutável, para promoção da eficácia e apropriação de cuidados - havendo que aumentar a sua capacidade de resposta (qualificação das pessoas, software, poderes – ex. audit e fiscalização). A reduzida dimensão de 2 regiões (Alentejo, Algarve) pode resolver-se, nas funções em que a dimensão é importante, por partilha do serviço doutra região (ARSLVT).
5ª Pôr doentes a pagar (co-pagamentos) em todos os actos levará provavelmente ao fim do SNS, que não defendo. Só com muita fé se pode defender que haverá benefícios (da concorrência, da maior responsabilidade dos doentes) que suplantarão os riscos esperados (problemas de acesso e de inapropriação, menor eficiência macroeconómica).
Semmisericórdia
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