sábado, dezembro 9

Futuro da Saúde em Portugal e Contrato social


Gostaria de começar por cumprimentar o Aidenós pelos excelentes comentários que nos tem trazido sobre as propostas concretas contidas no “Futuro da Saúde em Portugal”.
No post em que comenta as propostas do
Dr. Albino Aroso- pdf reconheço que também o saudesa está de parabéns pelo artigo nele postado “Responsibility, Fairness and Rationing in health care”-pdf

Relativamente às propostas do Dr. Albino Aroso, um dos campeões do SNS, vou cingir-me à “necessidade imperiosa e indiscutível de tomarmos consciência da nossa responsabilidade (individual e colectiva) pela nossa saúde, através de um estilo de vida saudável”. Em minha opinião estas palavras sábias resumem bem o essencial do que é necessário fazer:

a) Repensar o SNS (e o sistema de saúde), sublinho 3 questões:
– Que serviços (nº, qualidade, repartição geográfica) queremos garantir a todos? Dos restantes quais os que serão apoiados pelo Estado? Como definir os serviços prioritários para aquela decisão?
– De que forma os serviços serão organizados (aquisição/contratação ou produção própria; centralização vs. descentralização)? Como se garantirá a coordenação de cuidados e a articulação de serviços?
– Como vamos assegurar o financiamento necessário? Como compatibilizar a solidariedade que queremos manter com a responsabilidade individual (desejável)?
b) Repensar o papel dos indivíduos e Organizações (refiro apenas 3 questões):
– Que responsabilidade individual na promoção e manutenção de saúde (comportamentos e atitudes)?
– Que papel poderão as Organizações desempenhar para melhor saúde dos seus membros?
– Que contributo para o sistema (taxas e penalizações ou função do rendimento; subscrição de seguros)?

É MESMO necessário mudar porque Portugal gasta demais (para o seu nível de rendimento/desenvolvimento), desperdiça demais (SNS e prestadores privados) e se não houver modificação substancial será todo o sistema que ficará em causa (evolução demográfica e da tecnologia, inflação “normal” em saúde). Concluímos aqui que antes de lançar no sistema mais recursos (pessoas, equipamentos, $, etc.) haverá primeiro que “tapar os buracos” do SNS: má gestão e desperdício em produtos/serviços; uso indevido, mau uso e problemas de coordenação de cuidados; deficiente controle de prestações privadas.

Na parte que se refere à alínea b) a ligação das propostas do Dr. Albino Aroso com o “contrato social” Blairiano foi bem captada pelo Aidenós, visto que a responsabilidade individual deve ser considerada em conjunto com a solidariedade/responsabilidade do Estado. A avaliação que faço porém não é coincidente.

1º- O artigo referido defende a exclusão de tratamento?
a) O artigo antevê dificuldades crescentes de priorização de cuidados caso se continue a recorrer apenas ao método actual (gravidade, benefícios do tratamento, custo-eficácia), por várias razões: i) Custo crescente dos cuidados de saúde e perspectiva futura de crescimento (falta de responsabilidade individual ainda forçará a maior crescimento); ii) Nº cada vez maior de alternativas clínicas de tratamento (para maior nº de doenças); iii) Indisponibilidade dos cidadãos para pagarem cada vez mais (impostos sentidos como elevados).
b) Estão explicitamente EXCLUÍDAS do método as doenças que: i)Não se devem (parcial ou totalmente) ao comportamento do indivíduo; ii) Colocam a vida em causa ou que limitam uso de direitos políticos ou o exercício de capacidades fundamentais; iii) Cujo custo de tratamento seja significativo (face rendimento do doente).

2º- SNS pode prestar todos os cuidados?
a) As necessidades de cuidados são praticamente infinitas (sobretudo não havendo preço) e os recursos são escassos e objecto de rivalidade (usos alternativos igualmente importantes). A limitação dos cuidados a prestar faz-se em todas as Sociedades - numas pelo preço (dos cuidados ou do seguro de saúde), noutras através dos recursos mobilizados e do efeito tempo (listas de espera como no SNS);
b) O autor identifica 2 métodos para definir os cuidados a prestar pelo SNS (que não são propriamente estranhos aqui no blogue): i) Definir os cuidados “core” e excluir os restantes (fornecidos privadamente); ii) Ordenar cf prioridades em 3 tipos (cf. Oregon): “core”/alta prioridade, baixa prioridade, não prioritários. Os primeiros seriam pagos pelo SNS, segundos com co-pagamentos (doentes, seguros), restantes não pagos pelo Estado.
Notas:
i) Nos considerados não prioritários estão alguns cuidados que o SNS agora oferece: fertilização in vitro, alguma da cir. Plástica;
ii) Método descrito no artigo exige conhecer: comportamento (passado) do doente - ele pode escondê-lo ... o que prejudica o seu tratamento – menor informação no processo clínico; o que se deve (ou não) a outros factores (difícil de conseguir).
iii) Parece-me mais fácil seguir o critério “2ºb ii)” e: i) Usar penalidades de forma limitada - financeiras por mau uso ou uso indevido de serviços, de tempo (de modo limitado e apenas em situações que não esteja em casa o referido em 1ºb); ii) Manter economia fiscal para cuidados de baixa prioridade, com taxa moderadora e limitação de tempo; iii) Excluir os não prioritários (de comparticipação e de economia fiscal).


3º- Âmbito e conteúdo do “contrato social”?
a) Não se sabe qual o âmbito e conteúdo concreto do dito contrato, o que pode dar azo às mais variadas especulações. Tudo aponta no entanto para que não se trate de mudança radical (rasgar os princípios do NHS) visto que o NHS: i) Não está falido ou em ruptura iminente; ii) Não perdeu o apoio da população e dos doentes (que é alto); iii) Não perdeu o apoio dos profissionais nem se constituiu qualquer alternativa séria à sua existência; iv) Não é visado pela oposição (para a sua extinção ou mudança radical).
b) Então porque o faria o Governo? Assim é mais provável que se trate de modificação para seu aperfeiçoamento. O artigo citado aliás mantém o SNS e limita-se a propor mecanismo para aperfeiçoar a priorização de cuidados, integrando para isso a responsabilidade individual em situações muito particulares.

4º- Promoção da saúde Vs cuidados
a) O contrato social se entendido como co-responsabilizador das pessoas (e Organizações), justifica-se pela situação actual em Portugal:
i) A evolução recente está a ser largamente negativa em várias doenças ligadas a hábitos de vida: sedentarismo/obesidade; tabaco; bebidas alcoólicas; drogas; acidentes de viação e trabalho;
ii) Muitas pessoas (e Organizações) parecem convencidas que o SNS são só direitos esquecendo os deveres que o mesmo prevê: preservar a saúde e manter-se informado; garantir a segurança e higiene no trabalho; cooperar com o SNS para melhores resultados em saúde. Os gestores e profissionais dos serviços de saúde têm o dever de evitar o “uso indevido dos serviços”, mas os resultados são pobres ou nenhuns;
iii) A promoção da saúde tem sido o parente pobre dentro do SNS: CP quase totalmente virados para cuidados; falta de coordenação de esforços entre serviços (CP, HH); papel insuficiente dos organismos centrais;
iv) A ampla participação dos privados faz-se muito em cuidados, pouco ou nada em promoção da saúde.
b) Ora na GB “... average people walk 22% less per year than 15 years ago, the most deprived will live on average six years less than the least deprived and most of the population is now overweight, with 50% more children overweight than in 1996”. Esta realidade (não estamos melhor) exige um investimento conjunto para evitar a doença e manter a saúde (mais responsabilidade dos indivíduos, melhor SNS/Estado). O contrato social introduziria uma tenaz facilitadora do modo seguinte:
i) SNS mais activo na difusão de informação, no ensino e na aproximação a grupos com acesso deficiente aos serviços de saúde; (Estado a garantir condições propiciadores de saúde, ex. de higiene e segurança)
ii) Meios de comunicação social e Organizações (ex. escolas, empresas) colaborando com o SNS na promoção da saúde e prevenção da doença (empresas: vacinação contra a gripe e dietas saudáveis, p. ex.);
iii) Indivíduos mais constrangidos a comportamentos saudáveis e com “facilitação” pelo Estado para se manterem assim (ex. ter desconto no IRS se fizer ginástica regularmente; saber que “outros” podem ser penalizados em tempo de espera nalguns actos).

(Na educação repugna que os pais deixam que um miúdo falte e perca sucessivamente os anos, sendo o ensino gratuito. A medida de Blair multando os pais e, se reincidente, podendo ser presos parece-me ajustada levando a melhor educação, pela certa. De modo semelhante em vacinação e consulta após nascimento que não se fazem porque os pais desprezam não estiveram dispostos)

Nesta versão o contrato social seria formativo, sinalizador e promotor de melhor saúde.
Semmisericórdia

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4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Considero importante a consciencialização de que a saúde é um direito assim como também o cidadão deve estar consciente de que tem o dever de a preservar.
Assim como considero que o SNS deverá diferenciar, e como tal comparticipar ou não na sua totalidade, o tratamento das doenças ou dos males, em função do pretendido com a cura.
Por exemplo, uma cirurgia plástica para reconstrução ou correcção duma cicatriz viciosa inestética no nariz (consequência duma queimadura) deve ser totalmente comparticipada. O mesmo não se deve aplicar à cirurgia estética dum nariz dum cidadão que diz "não gostar da sua forma"(pese embora os problemas psicológicos que lhe possam acarretar o ter um nariz que sofreu a "inevitabilidade do envelhecimento").
Já quanto ao tratamento das doenças ditas do abuso de comportamentos sociais indesejados, não me parece ser de adoptar o mesmo critério de separação:
Se te portares bem, tens um rebuçado, mas se te portares mal, vais para o quarto escuro, não
É o retorno a conceitos educacionais que se provaram ineficazes.
"desconto no IRS se fizer ginástica regularmente" se a não fizeres,"quando precisares de ser operado vais para o fim da lista de espera".
"multa ou prisão dos pais se os filhos forem reincidentes nas faltas às aulas". E porque faltam os filhos às aulas?
Porque de facto neste tipo de comportamentos a repressão (já que é disso que se trata) poderá ser contraproducente já que pode levar ainda a mais desvios comportamentais por "raiva" ou por se poderem considerar como "cidadãos desprotegidos ou injustiçados" pela sociedade que, ela própria, divulgou e fomentou esses comportamentos indesejados.
É uma questão educacional e de mudança de atitudes colectivas.

6:29 da tarde  
Blogger tambemquero said...

Quando começei a visitar a saudeSA lembro-me de ler uns textos bem alinhavados do vivóporto a defender o Sistema de Saúde Francês.

De então para cá muito se tem escrito e discutido e já vamos no Blair.

Será sempre difícil discutir qualquer tema quando se parte do principio que tem de ser assim ou é o caos.

O que está na ordem do dia com a política de CC é a redução drástica do Estado na economia, a privatização da saúde, a preparação das empresas hospitalares para as entregar à exploração privada.

Tudo acompanhado pela gigantesca encenação da guerra com a ANF, fingindo que se combate o lobis.
Alguém acredita que se combatem o lobis da saúde entregando as Farmácias Hospitalares à ANF.

A sofisticação do processo de privatização da Saúde é bem perceptível na gestão magistral do "timing" como CC tem gerido o processo da Parcerias da Saúde.

8:54 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro Semmisericórdia
Agradeço a sua referência ao meu comentário, sendo certo de que com a exposição livre dos pensamentos, com a crítica pela positiva e pela negativa a eles (aqui a todos englobados) ficaremos mais ricos e melhor esclarecidos. Por este motivo aqui voltei e continuarei a vir.
É evidente, como não poderia deixar de ser, que estou plenamente de acordo com o necessário esclarecimento dos cidadãos sobre quais os comportamentos de risco a evitar e as consequências para a sociedade e para a sua saúde a eles devidas.
É a este esclarecimento que mais importância dou e que considero primordial para a diminuição/extinção (utópica) destes comportamentos causadores de doença e consumidores de dinheiro público (directa e indirectamente).
Não fiz referência a “mais impostos sobre os geradores de risco (ex. “pecados”: álcool, tabaco; outras fontes)”,mas sobre eles também o meu acordo é total assim como o é em relação aos incentivos conducentes à sua não utilização.
O que na minha opinião pode levar a “mais desvios comportamentais” e a injustiças, não é a existência destes incentivos ao “bom comportamento”, mas sim, como disse, as acções propostas que considerei como repressivas:

1. autuar os pais de baixo nível sócio/económico pela falta dos filhos à escola Vs a mesma pena a pais de alto nível sócio/económico. Por certo os mais penalizados serão os primeiros e os que mais dificuldade (por razões óbvias) em corrigir o “crime”.
2. o deferimento no tempo dum tratamento de dependência alcoólica, ou de drogas pelo facto de ter sido reeincidente no cumprimento do tratamento. Perpetuar-se-á assim o comportamento anómalo.

Alcance-se o que preconiza: “a sociedade divulgará e fomentará os comportamentos certos” (será verdade?) que não serão necessários nem incentivos, nem medidas repressivas.
Aproveitar os “tratamentos” que se propõem, escolhendo os que melhor se adaptam à nossa sociedade (portuguesa) e inventando outros, é uma tarefa árdua mas que se exige sim, Semmisericórdia.

7:24 da tarde  
Blogger tambemquero said...

Quem viu o filme Alfaville?
Ficção do Godard sobre uma cidade do futuro governada por um super computador.

A desumanização da sociedade acontecia de forma natural, através de uma organização cada vez mais perfeita: a ditadura do computador.

Um novo contrato social, mais responsabilidade mais desumanização da vida em sociedade.

O semmisericórdia chega ao ponto de defender, em último caso, a retirada dos filhos aos casais mais pobres e de menor instrução.

A título desta responsabilização o que não seria permitido exigir ao comun dos cidadãos.

Qualquer dia um louco qualquer faz destas ideias justificação para criar mais uma ditadura.

Que saudades eu tenho dos charros que fumei na adolescência.

Se o semmisericórdia fosse então governador do planeta eu já não teria oportunidade de escrever estas palermices.
Estaria há muito no além, após sucumbir aos castigos infligidos semmisericórdia.

Quem disse que os intelectuais degeneram por vezes em impiedosos apoiantes das ideias mais fascistas?

1:18 da manhã  

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