sexta-feira, dezembro 22

Futuro da Saúde em Portugal (5)

Que Futuro?

Não pode surpreender ninguém que o texto do Professor Pedro Pita Barros (PPB) tenha sido recolhido pela APAH e pela APDH na Colectânea Futuro da Saúde em Portugal. O seu currículo e a sua competência são sobejamente conhecidos, bem como a atenção que tem votado à problemática da saúde. Por isso li muito atentamente o seu trabalho (“A Saúde – Desafios Actuais e Futuros”) e penso que todos os interessados na problemática da economia da saúde o deverão ler.
No entanto – sem cair na insanidade mental que seria atrever-me a contestar, quer o rigor metodológico quer o conteúdo (/conclusões) da abordagem de PPB – não posso calar a expectativa e alguma frustração que essa leitura me causou.
Expectativa porque PPB, situando-nos na importância da temática que ia abordar, escreve:
“Importa, por isso, construir uma base de conhecimento sobre os instrumentos de política económica que, na área da Saúde, apresentem a capacidade de controlar o ritmo de crescimento da despesa.”
Identificar e conhecer os instrumentos de política económica que, na área da Saúde, apresentem a capacidade de controlar o ritmo de crescimento da despesa é não menos do que mostrar o caminho para a solução do problema com que se debate o nosso SNS e, como refere PPB, também os restantes: o da sua sustentabilidade financeira. Prossegui, então, na leitura com reforçado interesse. E não me queixo, porque PPB exibe todo o rigor e segurança de análise que dele era de esperar e as conclusões que formula comportam-se na prova produzida. Em resumo (mas quem sou eu para o dizer?) faz alarde da sua nunca contestada competência. É uma lição que lhe ficamos a dever. Vejamos:

1. Na análise do crescimento da despesa em Saúde evidencia que:
- “esta evolução ascendente foi partilhada quer pela Espanha quer pelo Reino Unido, países que possuem igualmente uma organização de prestação de cuidados médicos baseada num serviço nacional de Saúde”;
- “em qualquer um desses países, o crescimento é mais lento do que em Portugal”;
- “Além do crescimento da despesa total em Saúde, nota-se que, em Portugal, esse crescimento foi sobretudo impulsionado pelo sector público, em que o seu crescimento acompanha de forma muito próxima o crescimento da despesa total, significando que a despesa privada em Saúde se tem reduzido proporcionalmente. Neste aspecto, há alguma diferença face à situação vivida no vizinho ibérico, em que a despesa privada tem aumentado relativamente mais”;
- “Observa-se que não há qualquer relação sistemática entre gastar mais em cuidados de saúde e a redução de anos de vida potencial perdidos. Ou seja, os ganhos de saúde, avaliados por este indicador, não são determinados pelo nível de despesa realizado. Esta constatação torna claro que não é por se gastar mais que se obtém maiores ganhos em saúde”.
- “Destas observações é fácil perceber a tensão fundamental defrontada pelos sistemas de Saúde: ganhos de saúde cada vez menores para despesas com cuidados médicos cada vez maiores”.
- “Como subsectores mais emblemáticos que permitem este tipo de análise (a dirigida para “a capacidade de controlar o ritmo de crescimento da despesa”), têm-se as transformações nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde e a política do medicamento. Mais recentemente, surgem importantes alterações nos cuidados de saúde primários (com a criação das unidades de saúde familiar) e nos cuidados de saúde continuados”;
- abdica da análise do 1.º subsector porque “Basta referir que as avaliações realizadas (por outros autores citados) tendem a encontrar alguma vantagem, embora não muito significativa, no novo regime jurídico dos hospitais (SA, depois EPE)”;
- compreensivelmente, também se não detém no 3.º subsector referido (alterações nos CSPrimários e nos CContinuados) depreende-se que por serem recentes as alterações verificadas ou projectadas;
- elege para análise a política do medicamento: “Dada a abrangência das medidas tomadas e o peso que tem na despesa total em Saúde, o sector do medicamento é especialmente interessante. É de esperar que as medidas de promoção dos genéricos e a introdução do sistema de preços de referência tenham contribuído para um menor crescimento da despesa em produtos farmacêuticos, por comparação com o que teria sucedido na sua ausência”.

2. Os gastos com medicamentos: Por razões que explica – e que se prendem com a exigência de rigor – a análise da evolução da despesa com medicamentos e as conclusões retiradas utilizam unicamente a evolução histórica no mercado nacional. Verifica que:
- “O crescimento da despesa em Portugal foi relativamente estável até 2003, ano em que se reduziu de forma clara, retomando contudo quase o valor de tendência do ano seguinte”;
- na evolução por quantidades do mercado SNS “o efeito (de redução) em termos de volume de embalagens é mais pronunciado do que o efeito em termos de valor, denotando uma passagem para maior consumo de medicamentos de valor mais elevado por embalagem” (adaptação do marketing da IF? Peso dos medicamentos inovadores - SIDA, cancro, etc.?)
- “Com todas as reservas que merece a informação agregada, … as medidas tomadas em 2003 originaram um decréscimo no crescimento da despesa farmacêutica”; mas,
- “Como muito outros factores de enquadramento também se alteram (a inovação existente introduz com regularidade novos produtos no mercado), a mera comparação com o registo temporal prévio poderá ser enganadora”.

3. Finalmente, os factos que resultam da análise da situação portuguesa do sector da Saúde:
i- "um forte crescimento das despesas com a Saúde, a um ritmo bem mais acelerado do que o observado nos nossos parceiros da OCDE;"
ii o motor deste crescimento da despesa total em cuidados médicos foi a despesa pública;"
iii "o forte crescimento da despesa pública em Saúde acarreta tensões crescentes dentro do sector Estado, dada a magnitude que já tem;"
iv "a obtenção de ganhos de eficiência, só é efectiva quando gerida de forma a que não haja um aumento dos recursos absorvidos pelo sector. A componente política da intervenção pública leva a uma focalização no aumento da actividade, em detrimento da contenção na utilização de recursos;"
v "a evidência sobre o efeito das diversas medidas que têm sido adoptadas não é conclusiva. No caso dos hospitais SA, de um ponto de vista global, os resultados existentes até este momento sugerem um aumento de eficiência, que se traduziu em maiores consumos de recursos e maior produção. No caso das medidas tomadas no sector do medicamento, a evidência preliminar indica que os efeitos das medidas tomadas tiveram consequências no primeiro ano de impacto, tendo-se retomado a evolução tendencial pouco depois."

4 Conclusão
Os achados de PPB acabados de referir não nos surpreendem mas têm a virtude de nos confirmar nas nossas suspeitas. A alguma frustração acima referida deriva da conclusão de PPB:
“Assim, as actuais circunstâncias revelam que permanecem os principais desafios ao Sistema de Saúde Português: como garantir que os cuidados médicos necessários são prestados à população de uma forma que seja financeiramente aceitável?
PPB apresenta-se mais como observador atento e investigador cauteloso, aguardando os efeitos para se pronunciar, do que como conselheiro e perito apontando caminhos. Não obstante, deixa-nos pistas para a navegação nesse sentido:
i “… será necessário consumir menos recursos (ou, pelo menos, que o ritmo a que a despesa em Saúde cresce terá de abrandar) para obter os melhores resultados;
ii “… importa realizar uma avaliação rigorosa dos ganhos e custos das intervenções realizadas;
iii “ … a protecção de seguro, seja de natureza pública ou privada, introduz uma “anestesia” de custos no momento de consumo. Não há, por isso, o mecanismo normal de racionamento de consumo, o preço”.
Iv “O desafio de ir aprendendo e corrigindo está ainda presente.”

Sem dúvida, alguma coisa tem de ser feita.
AIDENÓS

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Por razões que não importa apurar, os items do ponto 3 deste Post não aparecem entre aspas, nem sequer a azul, como acontece na parte restante do texto. A verdade é que são citações que seleccionei do texto de PPB, neles fazendo apenas os sublinhados.

6:21 da tarde  

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