terça-feira, dezembro 26

Futuro da Saúde em Portugal (6)

A questão prejudicial
O Natal e a proximidade do Ano Novo, não são, certamente, o contexto ideal para a reflexão que me proponho fazer, provocada pela leitura de “A Saúde – Desafios Actuais e Futuros”, do Professor P.P. Barros link e pelos restantes Posts inseridos no Saudesa abordando a temática Futuro da Saúde em Portugal. As minhas desculpas a todos os colegas de Blog: é para ler entre as rabanadas e o bolo-rei.

1. Todos sabemos, e PPB sabê-lo-á melhor que nós, que os ganhos de saúde dependem de um conjunto de factores e não só do “nível de despesa realizado”. Porém, PPB vai mais longe – parece que longe de mais – ao afirmar: os ganhos de saúde, avaliados por este indicador (a redução de anos de vida potencial perdidos), não são determinados pelo nível de despesa realizado. Esta constatação torna claro que não é por se gastar mais que se obtém maiores ganhos em saúde”. Não vamos valorar o facto de a observação de PPB incidir sobre um painel de países que, todos, já gastam muito em saúde, embora uns mais do que outros, e também damos de barato que a saúde (estado de completo bem estar físico, social e mental, segundo a ambiciosa definição da OMS) possa ser medida só por este indicador que apenas traduz – e muito mal – uma das suas dimensões. Afinal, estar vivo, não é mais que a condição necessária (muito longe de suficiente) para se ter saúde. Com maior rigor PPB teria dito que gastar mais poderá estar (nem sempre está) entre as condições necessárias mas, por si só, não é condição suficiente para se obterem maiores ganhos em saúde. Há quanto tempo o Saudesa (e não só) faz campanha pela redução do desperdício de recursos que julgamos escandaloso?

2. Gosto muito da tão conhecida afirmação de M. Thatcher “At its best, the National Health Service is the best” e, certamente como todos, gostaria que ela se pudesse aplicar a cada um dos serviços e entidades prestadoras do nosso SNS. Tal como refere PPB – e aqui não há qualquer restrição a fazer – verifica-se:
i) um forte crescimento das despesas com a Saúde, a um ritmo bem mais acelerado do que o observado nos nossos parceiros da OCDE;
ii) o motor deste crescimento da despesa total em cuidados médicos foi a despesa pública;
iii) o forte crescimento da despesa pública em Saúde acarreta tensões crescentes dentro do sector Estado, dada a magnitude que já tem.
Isto significa, a meu ver, que o SNS está condenado a um grande esforço de contenção: reduzir/eliminar o desperdício, definir correctamente as prioridades – a isto tenho chamado definir, para cada tempo, o conteúdo do SNS – contendo-se nas dotações orçamentais. Em resumo: Gastar melhor.
Se não houver êxito nesse esforço de contenção, então restam ao SNS uma ou duas ou mesmo as três alternativas seguintes: i) obter do O.E. financiamentos que serão cada vez maiores (hipótese em cuja viabilidade os entendidos não acreditam); ii) a progressiva degradação qualitativa dos serviços prestados com descaracterização, também progressiva, do SNS; iii) o abandono do modelo de organização SNS, substituindo-o por outro que, no entanto, precisará de idêntico esforço de contenção.

3. No esforço de contenção – necessário independentemente do modelo de organização – e nesta perspectiva, não só os HH-EPE mas todos os prestadores do SNS, terão que ter presente que não basta aumentar a eficiência (o que leva a custos menores por acto praticado). É necessário melhorar em eficiência sem aumento de despesa total. Como diz de forma lapidar PPB: a obtenção de ganhos de eficiência, só é efectiva quando gerida de forma a que não haja um aumento dos recursos absorvidos pelo sector. Se não for assim, estaremos a acrescentar mais despesa à que já tínhamos, embora a ritmo menos acelerado que anteriormente.

4. Para definir correctamente as prioridades, há uma condição que considero mais do que importante: é imprescindível desenvolver ou criar no MS e nos Serviços que o apoiam capacidade de definição e de avaliação e controlo porque esta é imprescindível para a navegação que se mostra necessária ao SNS. Como diz PPB “… importa realizar uma avaliação rigorosa dos ganhos e custos das intervenções realizadas”; creio que melhor teria dito: realizadas ou a realizar.
Definir de forma inequívoca o conteúdo do SNS e as condições exigidas para a sua prestação faz apelo a considerável actuação de natureza normativa; avaliar e controlar a forma como as entidades prestadoras efectivam as prestações definidas e contratualizadas e como desempenham as restantes competências que a lei lhes atribui requer cuidadosa análise de um conjunto extenso de informação, não equívoca porque predefinida, que as próprias entidades prestadoras devem recolher e fornecer, e cuja fiabilidade os Serviços do MS devem controlar; informação que tenha aptidão para fundamentar e apoiar não só o exercício das responsabilidades de rotina mas também as próprias das medidas de política de saúde. É confrangedora qualquer comparação entre a informação disponível sobre o nosso SNS e aquela a que se pode aceder por simples pesquisa na Internet sobre o NHS: tanto em termos de actualidade, como de definição de conceitos, como de “accuracy” da informação. Tudo isto faz parte de uma política de informação e comunicação que tardamos em ter, mas que é imprescindível.

5. Estão em curso “importantes alterações nos cuidados de saúde primários (com a criação das unidades de saúde familiar) e nos cuidados de saúde continuados” (PPB, no trabalho citado). Por outro lado, estão também a decorrer alguns concursos para a construção de HH em regime de PPP, e outros concursos, neste mesmo regime, estão anunciados para o curto/médio prazo, com financiamento a assumir pelo Estado, embora de forma diferida. Não vou entrar na discussão da oportunidade ou do acerto de qualquer destas medidas decididas pelo MS. O que apenas pretendo é lembrar que, se não houver atenção para os avisos de PPB, será bem possível que daqui resultem as mesmas consequências detectadas na transformação dos HH- EPE/SA. Se assim for, não se terá contribuído para a melhoria do SNS, mas sim para o agravamento da sua insustentabilidade.

6. É que o fim do modelo de organização SNS dos cuidados de saúde pode derivar tanto de nada fazer no sentido de superar a sua ineficiência actual (porque ficcionamos que tudo está bem e só há que ampliar a generalidade do SNS e defender “à outrance” a sua gratuitidade para o utente) como de atitudes de fuga para a frente, alargando o seu âmbito de cobertura (novas prestações oferecidas) ou criando novas infra-estruturas (maior número de prestações), sem consideração das consequências envolvidas. Sem “avaliação rigorosa dos ganhos e custos das intervenções realizadas”, disse PPB. Esperamos que, num caso e no outro, tenha sido feita e se mostre segura e satisfatória. Mas, se foi, por que razão não é publicitada?
AIDENÓS