Desperdício
Por cada embalagem comparticipada saída das farmácias, o desperdício médio é de 4 euros e 44 cêntimos, ou seja, é esse o valor das cápsulas, comprimidos e saquetas que vão ficar esquecidos numa gaveta lá de casa, até irem para o lixo ou serem devolvidos às farmácias para serem incinerados.
Em média, cada vez que um doente vai à farmácia aviar uma ou mais receitas, desperdiça 5 euros e 83 cêntimos em medicamentos que não vai utilizar.
Estas são as conclusões de um estudo científico realizado em parceria pelo Ministério da Saúde e a Associação Nacional das Farmácias, financiado por ambas as entidades.
Os investigadores do Instituto de Qualidade em Saúde e do Centro de Estudos da ANF demonstram que o desperdício resulta, em partes praticamente iguais, de dois problemas:
As embalagens dos medicamentos ultrapassam as necessidades dos doentes e os doentes não tomam até ao fim o que é receitado pelos médicos.
Os investigadores acompanharam por telefone o destino das receitas aviadas por mais de 1600 doentes. Este grupo de doentes é verdadeiramente representativo do universo nacional. Foram incluídas farmácias de todos os distritos do país, não tendo sido seguidos mais de 6 doentes por farmácia. Os investigadores invocam modelos estatísticos validados pela comunidade científica para demonstrarem que os resultados obtidos têm uma margem de confiança de 95 por cento. É impossível fazer um estudo desta natureza com resultados mais seguros.
O universo estudado é o e dos medicamentos comparticipados. Ou seja, dos fármacos cujo custo é suportado integralmente pelo Estado, no escalão máximo de comparticipação, ou dividido entre o Estado e os doentes, nos outros escalões. Feitas as contas os investigadores concluem que o Estado, com o dinheiro dos contribuintes, suporta 60 por cento do desperdício com medicamentos. Os outros 40 por cento são pagos pelos doentes, directamente na farmácia.
A conta que vamos fazer agora é da nossa responsabilidade e não tem o rigor científico do estudo, mas do ponto de vista jornalístico impõe-se, para todos podermos ter a noção da ordem de grandeza deste problema. Considerando o desperdício médico apurado de 4, 4 euros por embalagem, e que os números oficiais dão conta da dispensa de 125 milhões de embalagens por ano de medicamentos comparticipados, o desperdício global anda perto dos 550 milhões de euros.
Esta simples multiplicação revela-nos um valor indicativo de desperdício de 547 milhões de euros. Destes, 328 milhões, ou seja, 60 por cento, são suportados pelos contribuintes, através das comparticipações, os restantes 219 são gastos pelos utentes no acto de compra.
Porque é que CC não quer que se divulgue este estudo?
saudepe
2 Comments:
Tanto alarido à volta deste estudo.
Há estudos anteriores que demonstram a enorme estragação que vai por esta área.
1. - Um estudo a que já fizemos referência aqui na SaudeSA, desenvolvido pela EFAR – ANF em parceria com o núcleo de Farmacovigilância do Centro, fornece-nos dados muito importantes sobre a utilização do medicamento.
O estudo realizado com base num inquérito dirigido a 173 utentes da zona centro, identificou três tipos de desperdícios:
- Desperdícios na prescrição – a embalagem prescrita não é adequada à duração do tratamento. A proporção de desperdício apurado foi de - 30,1%;
- Desperdício na utilização _ Os medicamentos prescritos não são utilizados durante o tempo previsto para o tratamento. A proporção de desperdício apurado foi de -45,7%;
- Desperdício Global – Quando ocorrem em simultâneo estes dois tipos de desperdício. A proporção de desperdício apurado foi de - 49,7%.
2. - Os factores que podem determinar o desperdício na utilização do medicamento são:
- a maior ou menor adesão à terapêutica prescrita pelo médico;
- A ocorrência de efeitos indesejáveis;
- A percepção que o doente tem do seu estado de saúde e do benefício terapêutico.
O factor determinante da ocorrência de desperdício na prescrição é a dimensão inadequada das embalagens comercializadas.
3. - Os grupos terapêuticos com maior proporção de desperdício são os antiflamatórios e os analgésicos.
O grupo dos antibióticos é o que apresenta uma menor taxa de desperdício.
Sempre que a posologia é transmitida ao doente por escrito na prescrição a proporção de desperdício é menor.
Um grande número de doentes declarou ter deixado de tomar os medicamentos prescritos por iniciativa própria.
4. - O desperdício verificado nos medicamentos pode gerar automedicação inadequada efectuada atavés da medicação remanescente. Criação do risco de ingestão de medicação fora de prazo e de uma menor efectividade da terapêutica.
5. - Recomendações:
- Adequar a dimensão das embalagens aos fins teratêuticos;
- Sensibilização da Classe Médica para a necessidade da indicação escrita da posologia na prescrição;
- Sensibilização dos utentes quanto ao uso racional do medicamento.
Saudesa março 2005
O facto de os AINE's e os analgésicos figurarem no "topo dos desperdícios", proporciona indícios (só indícios) que devem, para já, começar a ser "pesados".
As alterações da estratificação etária portuguesa, nomeadamente, a longevidade, vieram trazer "novas" questões que podem interferir nos dados entretanto colhidos (os conhecidos e os "ocultos").
Os idosos, em percentagem significativa, sofrem de doenças crónicas, nomeadamente do foro osteo-articular, umas de tipo degenerativo, outras por mecanismos inflamatórios. Estas situações favorecem a utilização de terapêuticas intermitentes (em SOS). Daí a necessidade que sentem esses doentes em manter "reservas domésticas" de antiálgicos e anti-inflamatórios. Acresce ainda, para justificar este comportamento, os problemas relativos à ausência de acessibilidade rápida e atempada aos serviços públicos de saúde. Não sei (tenho dúvidas) se estas "reservas" podem (ou devem) ser englobadas nos desperdícios de medicamentos...
Este facto é tanto mais evidente quando se verifica que em situações infecciosas, em princípio agudas, os níveis de desperdício caiem. Depois, há alguns conceitos (educacionais)relativos ao uso de medicamentos que vão entrando no conhecimento da generalidade da população.
Penso que uma parte cada vez mais significativa dos doentes começa a ter a noção que uma toma irregular ou intermitente de antibióticos pode induzir resistências. Não tem a mesma noção relativamente ao tratamento da dor ou da inflamação.
Por estas razões acho importante que, a par da contabilidade do desperdício, se saiba em que enquadramentos (perfis)nosológicos (os desperdícios detectados) se "encaixam".
Isto, sem prejuízo de outras questões como o correcto dimensionamento das embalagens, de um efectivo e cuidado aconselhamento posológico, etc.
Finalmente, um desabafo de certo modo contraditório.
A prosecução de terapêuticas intermitentes, em situações crónicas, nomedamente com AINE's e analgésicos, poderá ser - do ponto de vista prático - aceitável, nomeadamente por uma provável redução de efeitos colaterais.
Daí que o stock doméstico possa - em alguns casos - ser uma utilidade e não um desperdício.
Um analgésico, p. exº., de baixo custo pode evitar uma consulta...
Podiamos continuar com outros exemplos.
Os resultados deste tipo de estudos devem ser "pesados" com prudência e conhecimento concreto da realidade sanitária do País.
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