quarta-feira, março 14

A Livre Circulação de Doentes


no Espaço Europeu

O Comissário Europeu para a Saúde e a Protecção do Consumidor, o cipriota Markos Kyprianou, pretende, ainda este ano, apresentar um projecto de directiva comunitária sobre a livre circulação de doentes no espaço europeu.
O tema é, pelo menos nos últimos anos, recorrente, já que tem sido objecto de múltiplas análises e opiniões e produziu já, para alguns casos concretos, jurisprudência comunitária que favorece e estimula o avanço para a livre circulação de doentes.
Trata-se de um desafio de elevada magnitude e não isento de dificuldades importantes. Ao contrário do que acontece com a maior parte dos bens e serviços - hoje, aliás, de livre circulação na EU - a utilização de cuidados de Saúde não é suportada, em grande parte, pelo próprio doente, vigorando aqui mecanismos seguradores diferentes, públicos e/ou privados, nos países da União.
Poder-se-á dizer que, também no seguro automóvel, a situação é semelhante e a questão está internacionalmente resolvida. Mas, isso implicou a harmonização prévia das regras do seguro automóvel e dos mecanismos indemnizatórios que lhe estão associados.
Este, será, porventura o principal problema que hoje os sistemas de saúde europeus apresentam. São todos diferentes, nalguns casos com clivagens muito evidentes, nomeadamente quanto ao acesso a cuidados de saúde. De facto, a diversificação e sofisticação tecnológica varia acentuadamente de país para país e, sobretudo, o direito de acesso a certas prestações é relativamente generalizado e aberto nalguns países e sujeito a regras de inclusão muito mais apertadas noutros. E, muitas vezes, tais opções, de maior abertura ou maior restrição, não têm tanto a ver com razões de desenvolvimento económico, antes, pelo contrário, assentam em critérios políticos e organizacionais, associados aos critérios, sempre controversos, de “boas práticas” e de relação “custo-benefício”.
Alguns países europeus têm já em pleno funcionamento agências de avaliação das tecnologias e sistemas de avaliação de qualidade relativamente imperativos, enquanto outros, talvez a maioria, continuam a funcionar sem grandes regras nestes domínios.
Por outro lado, os preços praticados diferem extraordinariamente de país para país, bem assim como a propriedade dos meios de produção, factores adicionais de complexidade quando se pretenda a harmonização do mercado.
A livre escolha dos doentes dentro do espaço da União Europeia, poderá, se não se fizer um trabalho sério e consistente de preparação desse amplo mercado da Saúde, contribuir inclusivamente, para o aumento das iniquidades em matéria de acesso. Os mais informados e económica e socialmente favorecidos, rapidamente resolveriam os seus problemas de lista de espera ou encontrariam nichos de excelência para as suas patologias, ultrapassando porventura doentes mais graves ou sabotando, pura e simplesmente, alguma política mais racional em matéria de prioridades, que cada país pretendesse desenvolver. Um sistema de saúde europeu fará necessariamente subir as despesas de saúde e resta saber quem irá pagar a factura.
manuel delgado, editorial GH n.º 25

4 Comments:

Blogger e-pá! said...

Pertinentes as questões levantadas por MD, essencialmente centradas numa Europa sem coesão social e, vá lá, económica. Fundamentais as questões levantadas sobre as acessibilidades e as equidades dos sistemas.

O Comissário europeu para a Saúde Markos Kyprianou, um homem especializado em Direito Empresarial e Fiscalidade estará, com certeza, quando propõe a livre circulação de doentes no espaço europeu, a pensar no papel do grupos de saúde privados.
É nesse campo que o artigo de MD passa ao lado. É, também, para o nosso País, e também para a Europa, o mais dificil de avaliar, de prever e de enquadrar.
Os grupos privados mantêm-se calmos e silenciosos e manter-se-ão assim, enquanto não foram nítidos os contronos daquilo que se denomina o espaço social europeu. Em relação aos serviços públicos existentes nos diferentes Países europeus, estão à espreita, comportando-se um pouco como a popular crendice sobre as bruxas...
"No creo en brujas, pero que las hay, las hay".

É nesta paradoxal ambiguidade que mantêm paralisados os decisores políticos da saúde - aqui e no resto da Europa.
A Europa não tem qualquer tipo de coesão (política, económica e social), nem sequer uma carta constitucional. Há, portanto, campo aberto para o reforço das posições neo-liberais e, a partir daí, para criar (emanar) directivas polémicas, pelo menos, quanto à equidade das soluções preconizadas.

Um olhar crítico sobre a Europa poderá ser importante para compreender o que se passa (ou poderá vir a passar-se) cá dentro.

12:23 da manhã  
Blogger Clara said...

A EU integra um conjunto de países muito diferentes do ponto de vista económico e social.
Um sistema de livre circulação de doentes, assegurado por um sistema de comparticipação comunitário de forma a salvaguardar a sua universalidade e equidade, por que não?
Não vemos como realizar a sua efectividade dada as dificuldades de organização dos vários sistemas de saúde nacionais.
É bom ir discutindo o tema avaliando o grau da sua exequibilidade.

9:07 da manhã  
Blogger ochoa said...

É surpreendente a qualidade deste blogue.

Foi noticiado pela comunicação social que o ministro da administração interna, Carlos Costa, criou um blogue como forma de criar um sistema de comunicação/informação mais rápido (chamar-lhe-ia um sistema de contra-informação rápido).

Será que idêntica medida nao ajudaria CC?

9:40 da manhã  
Blogger tonitosa said...

Uma nota: o MAI é António Costa e não Calos Costa.
O blog do MAI é coisa na verdade de realçar. Depois do Saúde SA ter publicado as fotos das manifestações contra o encerramento dos SU, nomeadamente da bófia a fotografar os manifestantes, o MAI deve ter pensado que também gostaria de ter um blog e como diz o Ochoa, um blog de contra-informação.
Mas atenção: trata-se de um blog num só sentido; não admite comentadores!
AC sabe bem que o espaço para a crítica seria insuficiente para toas as nossas lamentações.

10:48 da manhã  

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