quarta-feira, abril 25

Síndroma de Estocolmo


Hoje, na terceira e última conferência sobre o Modelo Europeu de Farmácia, a manhã começou com um grupo de economistas da saúde austríacas a apresentarem um trabalho sobre os nefastos efeitos da desregulamentação no mercado europeu de farmácias. Tratava-se de um estudo tecnicamente bem feito e que havia sido publicado em várias revistas internacionais de referência.
Seguiram-se as intervenções dos representantes dos grupos parlamentares do PSD, BE e CDU (o CDS disse que vinha mas não veio e o PS recusou o convite):
- O PSD, pela voz do deputado Carlos Miranda, desfez-se em frases redondas para dar a sua opinião sobre o tema em debate e ficou-se com a sensação de que este partido não tem qualquer opinião sobre o assunto, optando pelo "nim" a meio caminho entre a tentação populista de bater nos farmacêuticos e a oportunidade política de aproveitar uma medida pouco fundamentada do governo PS para, mesmo concordando, encontrar qualquer coisita para criticar;
- O BE, representado pelo deputado (e médico) João Semedo teve a coragem de dar o peito às balas e assumir perante uma audiência de centenas de farmacêuticos proprietários de farmácias que considerava a liberalização da propriedade "uma boa ideia". No entanto, talvez por se sentir desconfortável na pele de apoiante de uma medida neoliberal que apenas é seguida por cerca de 30% dos países da UE (precisamente os que têm uma tradição mais liberal, como são os casos da Holanda ou Reino Unido, por exemplo), encontrou uma fórmula simpática ("uma boa ideia mal aplicada") para, mesmo assim, não concordar com o governo;
- A CDU, através de Bernardino Soares, conseguiu a primeira proeza da manhã: o mesmo homem que um dia defendeu que a Coreia do Norte é uma democracia acabou por arrancar um estrondoso aplauso a uma plateia muito pouco proletária, aliás antes pelo contrário... a CDU concorda com a ANF nesta matéria, pois entende que as legislações do tipo da existente em Portugal e na maioria dos países europeus são a única forma de evitar a concentração e verticalização do sector, que de outra forma acabará, mais cedo ou mais tarde, nas mãos das multinacionais. É evidentemente uma posição de coerência com os princípios da esquerda conservadora que o PCP representa (e que neste caso estão absolutamente correctos, como tantas vezes aqui defendi).
João Cordeiro foi regando as diversas intervenções com algumas das suas proverbiais farpas e o povo, obviamente, gostava. "- Boa, João!" disse mais que uma vez o cavalheiro que se sentou ao meu lado.
Depois do intervalo veio Correia de Campos. A tensão instalou-se na sala e multiplicavam-se os sussurros. Primeiro falou João Cordeiro, que de uma forma algo decepcionante, limitou-se a repetir a cassete das últimas intervenções. Nada de especialmente novo, a não ser a confrontação directa do Ministro com as queixas da ANF.
Foi a seguir que entrou em cena Correia de Campos. LINK Ao contrário do que esperava, o MS estava visivelmente nervoso perante a adversidade da enorme audiência. No entanto, depois de ajeitar demoradamente o microfone, CC começou a falar e, de uma forma muito linear, foi directamente ao assunto. Sem rodeios ou falinhas mansas, explicou as suas razões e disse o que iria fazer. Sob o ponto de vista técnico, o discurso foi de uma enorme fragilidade: sem arrojo para defender a sua originalidade legislativa, CC baseou-se num estudo enviezado (o da Autoridade da Concorrência, que de uma amostra de 6 países apenas analisa 2 com leis semelhantes à portuguesa e portanto inverte a proporcionalidade entre o tipo de leis) e em recomendações da Comissão Europeia (não concretizadas legislativamente e que foram alvo de grande contestação por parte de alguns países) para propor um modelo que não é defendido nem pela Autoridade da Concorrência, nem pela Comissão Europeia. No entanto, CC fê-lo com frontalidade, por cima de reacções por vezes disparatadas da audiência e, há que dizê-lo, com alguma elegância.
Foi nesse momento que senti consideração pelo político que ali estava: CC não precisava de se ter sujeitado a esta prova, até porque já por várias vezes tinha aparecido em cerimónias públicas perante audiências de farmacêuticos. No entanto, fê-lo em nome da defesa intelectual da sua proposta. Não creio que tenha tido qualquer sucesso em justificar o injustificável. Se existem razões para defender o modelo agora aprovado, seguramente que não serão as apresentadas pelo MS. Contudo, o simples facto do MS se ter prestado a este frete deve ser valorizado. Aliás, a forma como João Cordeiro encerrou o debate traduziu isso mesmo: apesar de todas as guerras recentes, notei uma estranha forma de amizade entre o Presidente da ANF e CC.

Vladimiro Jorge Silva

10 Comments:

Blogger naoseiquenome usar said...

Sem outras considerações e acusem-me de "superficialidade", tanto me faz; considero o exemplo do Prof. Agostinho ex-recente presidente dos HUC um exemplo a seguir por este. Acaba por não se perceber a teimosia. E denota algum apego ao lugar, o que não era suposto.

12:37 da manhã  
Blogger naoseiquenome usar said...

Só mais um pormenor:
Coma aceitação de Regateiro, um claro, "nim", só fica cada vez mais claro que, na hierarquia, os HUC podem mais que a ARSCentro.

12:42 da manhã  
Blogger e-pá! said...

"Se existem razões para defender o modelo agora aprovado,..."

A coisa está a melhorar.
A suposição já é possível...

1:05 da manhã  
Blogger Vladimiro Jorge Silva said...

Caro E-pá: este texto não é uma cedência. No entanto, é boa prática intelectual admitirmos que não somos donos da verdade e que os outros lá terão as suas razões. Mesmo não concordando com eles, o que aliás é o caso :)

12:07 da tarde  
Blogger Peliteiro said...

«O nosso poder resulta da incompetência do Estado.
O Estado obriga-nos a ser fortes.
Temos muita confiança no futuro.»

Quinze a zero, quinze a zero...

5:22 da tarde  
Blogger Peliteiro said...

Muito interessante a última conferência sobre o Modelo Europeu da Farmácia. Não pelas novidades, mas antes porque resultou numa espécie de frontispício, de resumo de posições, dos principais intervenientes nas alterações do novo regime jurídico das Farmácias.
João Cordeiro disse que «O nosso poder resulta da incompetência do Estado», «O Estado obrigou-nos a ser fortes» e «Temos muita confiança no futuro» declarando que em breve a ANF procederá a uma revisão dos Estatutos...
O PSD rodopiou, derrapou, e por fim comprometeu-se a exigir um debate parlamentar para reapreciação do novo Decreto-Lei da Farmácia logo após a sua publicação - o que me parece absurdo porque o PSD nem sequer votou contra. Ao contrário, o PCP, mais uma vez, demonstrou estar bem preparado e ter uma posição coerente e corajosa.
Correia de Campos justificou as decisões políticas do seu Governo com base nas recomendações - absurdas - da AdC e do estudo da Católica - esquecendo-se da enorme distância entre o que foi recomendado e o que foi concretizado - e procurou neutralizar o descontentamento dos proprietários de Farmácia recordando-lhes que a "revolução pacífica" em curso, que visa ampliar a acessibilidade ao medicamento, poderia ser bastante mais extensa, que se fosse considerada a densidade populacional por Farmácia na Espanha, França ou Grécia, «teríamos de abrir mais 2099 farmácias, ou mais 961, ou ainda mais 5943».

6:40 da tarde  
Blogger Unknown said...

O Que Faz Falta
(José Afonso)

Quando a corja topa da janela
O que faz falta
Quando o pão que comes sabe a merda
O que faz falta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta

Quando nunca a noite foi dormida
O que faz falta
Quando a raiva nunca foi vencida
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é acordar a malta
O que faz falta

Quando nunca a infância teve infância
O que faz falta
Quando sabes que vai haver dança
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta

Quando um cão te morde a canela
O que faz falta
Quando a esquina há sempre uma cabeça
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta

Quando um homem dorme na valeta
O que faz falta
Quando dizem que isto é tudo treta
O que faz falta

O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta
O que faz falta é libertar a malta
O que faz falta

Se o patrão não vai com duas loas
O que faz falta
Se o fascista conspira na sombra
O que faz falta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é dar poder a malta
O que faz falta

A Alegria era tanta que não cabia nos corpos. Sorrimos, chorámos e cantámos.Vimos o Abril que ganhou e o Abril que perdeu.Depois do Abril já feito, continuamos a fazer o Abril "ainda por fazer".

7:49 da tarde  
Blogger tonitosa said...

Amizade entre CC e JC?!
Há que não confundir a "personalidade" com a função.
Não creio que haja amizade entre o "Presidente da ANF" e o "Misnistro da Saúde".
Ou então teremos que admitir que o que vemos e ouvimos é pura "realidade virtual".

8:43 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Caro Valdimiro:

Cedência, foi uma interpretação sua.
E a "boa prática intelectual" é a "velhinha" dialéctica.
Que, por vezes, nos faz falta a todos - não me custa reconhecer!

Todavia, o panorama dantesco "pintado" pela ANF à volta da nova lei da propriedade das farmácias, faz-me lembrar a apocalíptica "histeria", alimentada por alguns sectores da informática (sobretudo na área da comercialização), acerca do "Bug 2000". Lembra-se como foi?
E, depois, do grande "plof" das 00 h.00'.01" de 01 .Jan. 2000, onde a montanha pariu um rato?
Não é igual mas estaremos lá próximos...

9:51 da tarde  
Blogger Vladimiro Jorge Silva said...

Em resumo, eu acho que vai mesmo haver integração horizontal e vertical no sector. O que não me parece tão claro é se a ANF está contra ou a favor disto... ;)

10:23 da manhã  

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