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(...) A fuga de líderes de opinião médica do sector público para o privado não se trava por despacho mas igualmente não se impede por decreto. A continuar, e nos tempos mais próximos parece inexorável, pode ser uma ameaça séria ao Serviço Nacional de Saúde. link
Se não houver cuidado a mudança operada nos últimos anos será para pior. Os portugueses conhecerão, como num passado não tão longínquo, a realidade injusta de uma medicina para ricos ao lado de uma medicina para pobres.
Dir-se-ia que a justiça social não estará na moda e que tem de ceder o passo à sustentabilidade financeira e às várias virtualidades da economia de mercado. Para os crentes na competição a qualquer preço o Mundo é dos fortes e ai dos vencidos.
O sarcástico, no entanto, no sector da Saúde é que não é possível desenvolver competências produzindo apenas o que tem interesse económico e gera lucros. Assim, a destruição do sector público pela predação sistemática do privado conduz a médio prazo à destruição dos dois.
A ameaça pode, no entanto, ser transformada em oportunidade, se a saída de quadros de topo do sector público for acompanhada do investimento suficiente para que se fixem os mais novos de grande potencialidade.
Numa sociedade liberal cabe ao Estado exercer a regulação, entre outros mecanismos pela fixação de padrões de qualidade.
Padrões esse que têm obviamente de ser comuns ao público e ao privado. O realismo nessa fixação e o rigor na sua exigência permitirão a existência de um sector privado diversificado com unidades de pequena dimensão competindo por nichos de mercado.
Se tal não for feito, e se insistir no simplismo dos caminhos conhecidos, os grupos económicos mais fortes destruirão a iniciativa de pequena dimensão própria dos médicos, promoverão o assalariamento universal e a médio prazo a captura do Estado.
Quando tal acontecer, pelo menos que não se diga que ninguém avisou.
TSF – 21.05.200, NEWS do MUS
Se não houver cuidado a mudança operada nos últimos anos será para pior. Os portugueses conhecerão, como num passado não tão longínquo, a realidade injusta de uma medicina para ricos ao lado de uma medicina para pobres.
Dir-se-ia que a justiça social não estará na moda e que tem de ceder o passo à sustentabilidade financeira e às várias virtualidades da economia de mercado. Para os crentes na competição a qualquer preço o Mundo é dos fortes e ai dos vencidos.
O sarcástico, no entanto, no sector da Saúde é que não é possível desenvolver competências produzindo apenas o que tem interesse económico e gera lucros. Assim, a destruição do sector público pela predação sistemática do privado conduz a médio prazo à destruição dos dois.
A ameaça pode, no entanto, ser transformada em oportunidade, se a saída de quadros de topo do sector público for acompanhada do investimento suficiente para que se fixem os mais novos de grande potencialidade.
Numa sociedade liberal cabe ao Estado exercer a regulação, entre outros mecanismos pela fixação de padrões de qualidade.
Padrões esse que têm obviamente de ser comuns ao público e ao privado. O realismo nessa fixação e o rigor na sua exigência permitirão a existência de um sector privado diversificado com unidades de pequena dimensão competindo por nichos de mercado.
Se tal não for feito, e se insistir no simplismo dos caminhos conhecidos, os grupos económicos mais fortes destruirão a iniciativa de pequena dimensão própria dos médicos, promoverão o assalariamento universal e a médio prazo a captura do Estado.
Quando tal acontecer, pelo menos que não se diga que ninguém avisou.
TSF – 21.05.200, NEWS do MUS
2 Comments:
Um alerta necessário!
O “esvaziamento” do SNS através do aliciamento pelo sector privado do “capital humano” – não só os médicos - aí residente, vai questionar – a breve prazo – algo muito mais importante do que simples migrações de quadros.
Estas “transferências” vão pôr em causa pilares fundamentais do SNS, nomeadamente, a equidade no acesso à qualidade dos serviços. Esta é – em última análise - a enorme, por vezes invisível, garantia que esses líderes – médicos, enfermeiros, gestores, etc. – emprestam ao sector público da saúde. Não quero começar por abordar a ausência de políticas de incentivos, que grassa no sector público, atingindo a motivação de todos esses profissionais, embora considere essa análise, imprescindível e inadiável.
As mais recentes e visíveis estratégias do sector privado quanto ao recrutamento de líderes colocam, na primeira linha, os incontornáveis problemas da renovação e refrescamento dos quadros. E estes problemas entroncam-se na formação e na educação contínua.
O SNS tem sido um verdadeiro alfobre na formação pós graduada e no tirocínio, com particular relevância, para os chamados “líderes de opinião médicos”, designação que não aprecio. A capacidade formativa do SNS é notável, está bem estruturada e quem frequenta as reuniões dos boards da UEMS sabe, como em muitas especialidades, os nossos programas curriculares de formação, são tidos como referências. Claro que poderemos questionar se o que está no papel corresponde efectivamente às práticas, mas isso, é outro assunto que nos levaria longe.
É nessa imensa capacidade formativa do SNS que residem as múltiplas oportunidades de renovação de quadros e se sedimenta os conceitos de qualidade, excelência, etc. A amputação selectiva pelo sector privado destes diferenciados quadros (ou, se quisermos, líderes), representa um golpe mortal no coração da formação e na persecução de bons níveis de cuidados. É a política do “cuco”, ave que – como sabemos - põe os ovos em ninhos alheios.
O facto de algumas instituições hospitalares privadas pretenderem entrar no “circuito da formação”, deverá ser entendida como uma ponderada estratégia de recursos humanos, preocupada com o futuro, e terá como objectivo o cabal aproveitamento dos quadros qualificados que “importou” do SNS. Uma estratégia para o futuro porque sabe que está a “secar” a capacidade formativa do sistema público de saúde e, se não se lançar nessa empresa, em breve, terá de importar quadros qualificados do estrangeiro, necessariamente mais onerosos.
Todavia, esta pretensão do sector privado é, também, uma arrogância. O movimento assistencial previsível para este sector, nunca será suficiente alargado (de preferência, só a “carninha da perna”) para proporcionar uma formação eclética e sólida nas diferentes diferenciações, especialidades e valências. O SNS, onde cabe tudo desde “a carne limpa até ao osso”, oferece a todos os profissionais de saúde condições ímpares de formação. Neste momento, em processo acelerado de degradação.
A sobrevivência do SNS passa – também - por aí. Por defender as virtualidades do sistema, entre elas, a sua universalidade.
O cerco está montado. E o circo, também.
Um cínico diria que a crise cardiovascular de Eusébio, já lá vão dois meses, aconteceu na melhor altura do ponto de vista publicitário: uma semana apenas depois de ser inaugurado, o mais recente hospital da Espírito Santo Saúde ocupou o lugar reservado aos hospitais públicos.
Foi aqui que o coração periclitante de Eusébio recebeu tratamento. Apesar de o problema do antigo futebolista não ser de especial gravidade, intervenções assim eram, até há poucos anos, coutada dos hospitais públicos. Era aí que estavam os melhores médicos, a tecnologia mais avançada, as melhores hipóteses de sobrevivência.
O coração de Eusébio demonstrou que já não é bem assim. Os privados já não oferecem apenas bons quartos de hotel, paredes pintadas em cores pastel, camas com almofadas recheadas de penas. Os privados vendem bons cuidados de saúde e têm médicos que, depois de anos de tarimba no sector público, desaguam agora no privado à procura de bons salários e condições técnicas adequadas. O resultado desta imigração de profissionais e a existência de um público disposto a pagar seguros de saúde mais caros e completos abre novas oportunidades de negócio.
Até há pouco tempo, o mercado da saúde privada portuguesa, apesar de já bastante enérgico, encontrava-se claramente delimitado: 90% dos cuidados dentários, 70% das análises clínicas, 70% das ecografias, 60% das consultas da especialidade e 56% dos raios-X eram controlados por grupos e médicos privados. No entanto, fora deste círculo, tudo o que fossem intervenções cirúrgicas mais complexas escapava ao seu bisturi. Como se vê, esta barreira está a ser derrubada. Os novos hospitais privados e as parcerias público-privadas que vão ser assinadas estão a mudar a face do mercado da saúde.
Claro que esta mudança coloca novos riscos que têm de ser avaliados. Se o facto de ser uma boa notícia o desaparecimento dos pequenos consultórios – o negócio será absorvido pelos hospitais privados com preços mais competitivos e melhores condições –, já o facto de o Estado delegar a terceiros a gestão de hospitais que servem grandes populações levanta algumas dúvidas. Quem vai assegurar que os cuidados de saúde prestados aqui são de qualidade? Quem garante que, perante a necessidade de esmagar as margens de lucro para ganhar os concursos públicos, não surge a tentação de poupar no que não é seguro poupar: o tratamento dos doentes.
Não se trata de um ataque aos privados – eles são bem-vindos por trazerem a saudável e fundamental concorrência a este sector tão sensível. Além disso, é evidente que os hospitais públicos também podem incorrer no mesmo pecado. O problema é outro. O problema é não haver ainda em Portugal um regulador forte e experimentado que assegure o controlo de qualidade acima de qualquer dúvida. A novíssima Entidade Reguladora da Saúde parece ser ainda demasiado imberbe. Para já, a ASAE, que fecha restaurantes chineses pelo país inteiro, mostra-se mais actuante. Mais segura. Mais eficaz. Talvez seja só boa publicidade.
André Macedo, DE 24.05.07
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