sábado, maio 26

A Política de Saúde

E o Êxodo dos Profissionais
Admito que sem razão, porque o Saudesa é um espaço de livre discussão de temas de saúde e de crítica (a favor ou contra) da política de saúde do governo, como ainda recentemente voltou a lembrar o Xavier, onde cada um traz as suas opiniões e é na sua pluralidade e diversidade que ganha força. E, apesar de o saber, os últimos dias surpreenderam-me:

1) – «É tempo da política voltar à saúde», dizia, há uns dias, um ex-Ministro da Saúde. Não sei qual, nem isso me interessa, mas é seguramente alguém que se deixou ficar noutro mundo e que continua convencido de que o importante é mesmo acreditar porque, se acreditarmos, as coisas sempre vão acontecer. Também não é a concordância do Pedro que estranho, mas já me surpreendem os fundamentos dessa concordância. Diz ele: “Concordo. Sobretudo se tivermos em conta, os malefícios que a Economia da Saúde, e os economistas da saúde estão a provocar à saúde dos portugueses, com a pretensão de estarem a salvar a pátria. E prossegue: “De há uns tempos a esta parte, o blogg tornou-se asséptico, «técnico», «economista da saúde». Para isso têm contribuído os textos do Semmisericórdia e do Aidenos, que, (…), têm desviado a discussão dos problemas da saúde, para o domínio dos especialistas da economia da saúde”. Tudo o que nunca foi meu propósito.

Fiquei assim a saber várias coisas:
i) - a Economia da Saúde não faz parte da Política de Saúde, eu que, não sendo economista, estava firmemente convencido de que, sempre e só, tinha abordado no Saudesa problemas da Saúde;

ii) - a Economia da Saúde e os economistas da saúde estão a provocar malefícios à saúde dos portugueses. Respeito a opinião porque esta tem de ser livre e há sempre que guardar espaço para o “enviesamento determinado pelo chamado coeficiente de espectador”, como diz o Xavier, embora não estejam comprovados os malefícios e muito menos o nexo de causalidade. Talvez os malefícios em que pensa sejam peixes de outras águas;

iii) - o Pedro conta-me nesse rol (o que me lisonjearia, se não tivesse de o desmentir: a minha formação de base é apenas jurídica!), atribuindo-me uma quota-parte da responsabilidade pelo estado asséptico, «técnico», «economista da saúde» que o blogg terá assumido de há uns tempos a esta parte;

iv) - afinal, o Xavier anda a fazer censura, recusando editar os textos que, esses sim, fariam a política voltar à saúde. Ora, não tendo a mínima dúvida de que o Xavier repeliria prontamente esta acusação, só posso pensar que o Pedro e outros andam desiludidos, ou pelo menos desencantados, com a sua dama. Mas, quem ama cuida, pois lá diz a cantiga se tu não queres tem quem queira (ou coisa parecida). E depois, eu gostaria de ouvir o Pedro expor a sua visão do SNS de forma mais desenvolvida e mais fundamentada. A sua visão e o processo para lá chegarmos no contexto em que nos encontramos.

2) - “Boas contas não é só diminuir os custos, conseguir ganhos de eficiência, etc. É, também, para a maioria dos portugueses, pagar a tempo e a horas - 1 cêntimo ou 1M €'s”, diz, com muita razão o É-Pá. Já aqui lhe deixei, não há muito tempo, a minha homenagem, destacando, entre outros aspectos, a sua disponibilidade e a invejável cultura poli facetada que demonstra nas suas intervenções. A surpresa não vem, portanto, de ser ele a referir o que referiu, mas tão somente de a questão das horas extraordinárias continuar em aberto há dois anos. Será que vem do tempo em que o Presidente do Sindicato acumulava (onde nós chegámos!) com as funções de membro do CA do HSJ? E como também diz o É-Pá: “o filme vai continuar”. Existem normas contabilísticas para tratar adequadamente estas situações, sem falsear os resultados de exploração; não sei se foram seguidas e o que fica é a pergunta do É-Pá: “Como podemos confiar nas contas apresentadas se diferem pagamentos?”. A mesmíssima pergunta que eu aqui fiz (já ninguém se lembrará) quando num dia o MS anunciava o equilíbrio das contas do SNS em 2006 e, no dia seguinte, a IF vinha reclamar que “A dívida do MS aos laboratórios, em Novembro de 2006, totalizava 695 milhões de euros, sendo o atraso de pagamento dos HHs EPE de 344 dias e dos HHs SPA de 317 dias. Para cúmulo, parece que a cena está a repetir-se agora, também com a IF, perante o agravamento dos montantes em débito. Dar publicidade às Contas do SNS em 2006 é inadiável.
Estou totalmente de acordo com o É-Pá: depois da visibilidade que foi dada à Comissão (ou Grupo de Trabalho?) para o Estudo da Sustentabilidade do SNS, manter o respectivo relatório na gaveta é um tiro no pé e justifica todas as suspeitas.

3) – Mas tudo o que fica para trás são surpresas menores. A maior foi, sem dúvida, a que me trouxe o texto do MUS - Movimento de Utentes da Saúde, de que nos dá conta o Post MUS, divulgado pelo Saudesa em 23.05.2007.
O texto surge a propósito da recomendação do Provedor de Justiça que “deu razão à Ordem dos Médicos quando considerou ilegal o despacho do Ministro da Saúde que considerara incompatível o exercício de funções de direcção em instituições privadas e a actividade pública”. O seu autor não se pronuncia sobre aspectos de legalidade – área de que o gabinete de apoio de CC sai gravemente ferido – preferindo debruçar-se sobre o que designa “questões políticas de oportunidade, adequação e eficácia”. Ainda bem, porque estas são efectivamente mais importantes.
É, sem dúvida, uma análise cuidada, na qual há pontos com que concordo e outros de discordância, ou, dito com maior rigor, outros com os quais só posso concordar se for aditado aquilo que no texto não foi referido.

Vejamos, sem pretender um arrolamento exaustivo:
i) – Não pode estranhar-se que os profissionais, “como qualquer ser humano procurem o melhor para si, podendo o melhor ser medido em termos de condições de trabalho, perspectivas de carreira ou até o mais comezinho vil metal”. Só que esta é uma forma sofismada de por a questão. O que está em causa, o que deve ser afastado, não é a opção, que nunca esteve em dúvida, entre várias alternativas profissionais, mas sim impedir que a procura do melhor para si se traduza na opção por uma acumulação promíscua de actividades concorrentes, para as quais os profissionais são compelidos exactamente pelas mesmas razões que os motivam para a procura do melhor para si. Claro que esta restrição só pode ser formulada no plano da oportunidade, adequação e eficácia, em que o autor do texto se coloca, e não no plano do ordenamento legal, incompreensivelmente permissivo.

ii) – “Para que o êxodo (dos profissionais mais qualificados) não seja inexorável é necessário que o serviço público seja competitivo” e …. “o que não podemos é defender o modelo (de uma sociedade globalizada e em espaços económicos sem fronteiras) e procurar solucionar os seus problemas com soluções fáceis importadas doutros modelos”. Todos estaremos de acordo; o SNS carece de reforçar a sua coerência lógica e o estatuto dos profissionais de saúde precisa de ser revisto, designadamente no tocante a remunerações, mas não só: também no que respeita a exigências de qualidade de desempenho profissional e de produtividade. É totalmente inaceitável que o factor antiguidade continue com a preponderância que lhe tem sido atribuída e que frustra, quase a 100%, qualquer objectivo de avaliação do desempenho pelo mérito demonstrado. Costuma dizer-se: não há cuidados de qualidade sem profissionais de qualidade.

iii) – “De há muito que o Estado se habituou a ter sempre profissionais disponíveis e a baixo custo pelo simples mecanismo da obstrução monopolista à existência de alternativas”. Serão aqui pertinentes as considerações acabadas de fazer, faltando referir que os próprios profissionais souberam encontrar o equilíbrio. As remunerações não serão tão baixas se, no confronto, levarmos em conta os níveis de produtividade. Não é verdade que temos a medicina privada mais cara da Europa, que esta vive predominantemente das insuficiências do SNS e que o seu exercício é generalizadamente permitido, e que as remunerações dos Enfermeiros na vizinha Espanha se situam bem abaixo (18%, se não erro) das que são pagas pelo nosso SNS, acontecendo algo de semelhante, mas em percentagens variáveis, com a generalidade da função pública? Obviamente que, se isto acontece, não é responsabilidade exclusiva dos profissionais e uma boa parte, diria a maior parte da responsabilidade, cabe aos sucessivos governos que não souberam motivar nem exigir.

iv) – “A ameaça pode, no entanto, ser transformada em oportunidade, se a saída de quadros de topo do sector público for acompanhada do investimento suficiente para que se fixem os mais novos de grande potencialidade”. Aqui está um ponto em que estou quase totalmente de acordo. Primeiro porque a sangria de profissionais talvez não seja tão drástica como se pretende fazer crer; depois porque, no contexto actual, que é urgente reformar, são muito mais os valores que se perdem do que aqueles que são projectados e promovidos; o que não falta são “prateleiras” (com as mais diversas formas e pelos mais diversos motivos) carregadas de mérito à espera de estímulo e de oportunidade; finalmente porque, como diz o É-Pá, “A capacidade formativa do SNS é notável, está bem estruturada e quem frequenta as reuniões dos boards da UEMS sabe, como em muitas especialidades, os nossos programas curriculares de formação, são tidos como referências” (Post Um Alerta Necessário, de 24.05.2007). Certamente que investir é necessário, com objectivos bem definidos e criteriosamente seleccionados, designadamente nas áreas da formação, informação e da criação de condições para aumento da produtividade do trabalho, em resumo: investimento em recursos humanos, não só em instalações e em equipamentos.

v) – “Numa sociedade liberal cabe ao Estado exercer a regulação, entre outros mecanismos pela fixação de padrões de qualidade. Padrões esses que têm obviamente de ser comuns ao público e ao privado. O realismo nessa fixação e o rigor na sua exigência permitirão a existência de um sector privado diversificado”. De acordo quanto ao que é afirmado, mas que não é suficiente: faltará afirmar o contributo indispensável de fixação de tabelas adequadas, em diversidade, sensibilidade e estrutura, para remunerar actividades que se querem mais produtoras de valor acrescentado em saúde (entre elas, também o esforço na formação dos profissionais) do que de simples multiplicação de actos. Faltará também que o MS desenvolva a sua capacidade de definição, avaliação e controlo das actividades e das entidades prestadoras, porque do se trata é de promover uma competição gerida, na qual não deve ser deixado lugar para “competências produzindo apenas o que tem interesse económico e gera lucros”.

vi) – Parece-me haver confusão quando se refere que “o Estado autoriza, e mesmo promove, a instalação de grandes unidades do sector privado”. Possivelmente estarão a ser referidos o HFF (Amadora-Sintra) e os futuros HH-PPP. Outros não conheço, e todos estes são ou serão HH do Sector Público, embora com exploração e administração privada, ao abrigo da legislação em vigor. Mas a confusão, se é que existe, não será importante.

vii) Finalmente, fico sem compreender por que razão o sector privado, se for capaz de competir em qualidade e em eficiência, porventura com preços vantajosos para o SNS, com aceitação das regras do jogo tal como referido no ponto v) terá de ficar exclusivamente limitado a “unidades de pequena dimensão competindo por nichos de mercado”.
O que me leva a perguntar: Quem estará a colonizar o MUS?
AIDENÓS

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2 Comments:

Blogger tonitosa said...

Há notícias que também merecem destaque no Saúde SA. Não será a que se segue uma delas?!
Com a devida vénia ao Portal das Farmácias, aqui se reproduz o que foi escrito sobre as dívidas dos hospitais à indústria farmacêutica:

"Publicado: sábado, 26 de Maio de 2007 - 11:21

As dívidas “dos hospitais” à indústria farmacêutica totalizavam, em Abril, mais de 719 milhões de euros, mais 20% em relação a 2006. Significa que o défice do Serviço Nacional de Saúde e a histórica sub-orçamentação das despesas públicas no sector estão de regresso?
Este novo disparo da dívida às farmacêuticas, sobretudo porque acompanhado de um aumento dos prazos de pagamento,
e a revelação de casos como o do Centro Hospitalar de Setúbal, onde há facturas para pagar há mais de três anos, são reveladoras de que o problema da dívida não foi resolvido e pode estar de regresso contrariando o que ficara prometido, em 2005, depois de uma injecção extraordinária de 1,8 mil milhões de euros, feita ao abrigo do Orçamento Rectificativo.

A melhoria histórica do défice do sistema, conseguida em 2006, parece ter sido sol de pouca dura. E a promessa de Teixeira dos Santos de que não haveria nunca mais “suborçamentação” corre o risco de não ser cumprida. Vale a pena notar, contudo, que o simples progresso tecnológico e o envelhecimento da população só por si agravam, ano a ano, a despesa com a saúde, pelo que o crescimento da despesa é inevitável, embora haja formas de o prever.

É verdade que são os hospitais-empresa os responsáveis pela maior fatia da dívida (533 milhões) e foi aí que o disparo face aos números do ano passado foi maior (37,3% face a Maio de 2006) mas é bom recordar que esse é estatuto da maioria dos grandes hospitais. Mas o Ministério não pode alhear-se do problema porque, mesmo entre os hospitais que continuam com estatuto totalmente público, a dívida ronda os 200 milhões e supera os dados do ano passado em 11%.

Outro dado preocupante é o disparo do prazo médio de pagamento de 241 dias em Maio de 2006 para 317 em Abril deste ano. Prova-se que a meta de pagamentos a 90 dias praticada na generalidade das empresas está longe de ser conseguida. Ou seja: o Estado, que tem cada vez mais pressa em cobrar as suas dívidas junto dos contribuintes, continua a dar exemplo de mau pagador."

Será que esta matéria não merece reflexão?

5:10 da tarde  
Blogger e-pá! said...

… “Finalmente, fico sem compreender por que razão o sector privado, se for capaz de competir em qualidade e em eficiência, porventura com preços vantajosos para o SNS, com aceitação das regras do jogo tal como referido no ponto v) terá de ficar exclusivamente limitado a “unidades de pequena dimensão competindo por nichos de mercado”.”…

Caro aidenós:

Tem razão em não compreender. Ninguém compreenderá.
Mas, enquanto aguardamos melhores esclarecimentos, podemos fazer um pequeno (e ingénuo?) exercício...

Prólogo
O sector privado - capaz de entrar em competição com o SNS - não é um sector qualquer, nem actuará num ambiente imaginário.
É admissível que haja um tempo intermédio que passará pela competição e, esta, far-se-á através da construção de preços ditos “vantajosos”, mas sejamos realistas, num ambiente de mercado, concorrencial. Aí há espaço para tudo, até para “dumping”.
Face a isso e aos crónicos constrangimentos orçamentais o SNS sucumbirá.

De que modo?
Será, artificialmente, exposta a sua ineficiência. A argumentação será a usual: o sector privado dá melhores respostas, com menores custos.
Entretanto, enquanto não se chega a esse “mercado” concorrencial, o tal da sociedade liberal, processar-se-á uma sistemática captura das “unidades de pequena dimensão”, ou, se quisermos ser mais explícitos, das pequenas unidades onde pontifica a “iniciativa médica”.

Como?
O sector privado da saúde não vive de quimeras, apoia-se no grande capital financeiro (bancos) e nas seguradoras (seus satélites). Dispõe de instrumentos para estimular a procura de seguros de doença, até adquirir uma quota significativa desse potencial “mercado” e, de seguida, canalizará os segurados para empresas de média dimensão, entretanto, estrategicamente erguidas, directamente, ou, à sua sombra. E aqui afundam-se as “unidades de pequena dimensão”. Processo idêntico ao actual comportamento das empresas exploradoras das grandes superfícies e o comércio tradicional.
Uma vez consolidadas sólidas posições neste “mercado” emergente, segue uma nova fase – entretanto já testada – dedicada à construção de grandes hospitais, técnica e humanamente bem apetrechados, aptos para a inclusão de “patologias pesadas”, como p. exº., a vertente oncológica. Uma cuidadosa clonagem do sector público.

E o insondável futuro?
Deste modo, o mercado esvaziar-se-á, paulatinamente, de todos os actores secundários que, neste momento, equilibram, no campo da complementaridade, os sistemas. Os “nichos de mercado” já terão sido canibalizados.
Em cena, para o fatídico duelo, restarão 2 antagonistas: o poderoso sector privado e um periclitante SNS.
Face a este cenário o Estado será incapaz de impor quaisquer regras do jogo. Até porque não há lugar para mais jogo. A rendição será a única saída porque, caso contrário, os preços são para rever (renegociar) em alta. – com a concorrência previamente "domesticada".

Conclusão
Assim, ao inevitável enterro das "unidades de pequena dimensão" segue-se o retumbante funeral do SNS.

Epilogo
...e tão opositores que nós éramos!

11:00 da tarde  

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