sábado, junho 16

SNS, mudança de paradigma (2)


A partir de segunda-feira, o bloco operatório do Hospital de Mirandela vai encerrar da meia-noite às 8h00, por falta de entendimento entre os seis cirurgiões que ali trabalham e a administração do Centro Hospitalar do Nordeste (CHN). link
Actualmente o serviço funciona naquele período com um médico em presença física e outro em prevenção. Devido ao reduzido número de episódios de urgência cirúrgica entre a meia-noite e as 8h00, uma média de 0,6 casos diários , o CHN entende que não há necessidade de manter um cirurgião em presença física, propondo que fiquem dois médicos em prevenção. Em termos financeiros, isso significa que o valor das horas extras seria reduzido em 50 por cento.
JP 16.06.07

Como tinha anteriormente comentado no post de ES " O Fim dos pequenos HHs do interior" , vamos lá à realidade de Bragança. Temos três Hospitais ao longo de 60 km Mirandela - Macedo Cavaleiros - Bragança, com 438 camas em 2005 (in:centros de saúde e hospitais do SNS/DGS 2005), (111 em Mirandela, 106 em Macedo de Cavaleiros, 221 em Bragança), com 50, 14 e 66 médicos; 125, 94 e 237 enfermeiros, respectivamente. Com uma taxa de ocupação nas especialidades cirúrgicas entre 52,5% em Bragança e 65,5% em Mirandela; nas medicinas registavam-se ocupações da ordem dos 85%; demoras médias na casa dos 9 dias. Fizeram-se 107.534 consultas nos três hospitais e 112.122 atendimentos em urgência. No que se refere às cirurgias de urgência, Bragança fez 593 (1.6 dia), Macedo 525 (1.4 dia) e Mirandela 354 (0.96 dia). Bragança fez 234 partos e Mirandela 249 partos. Acrescente-se ainda 97 médicos de MGF, 155 enfermeiros em CS (igif 2005), lista média de 1.561 utentes/médico que faziam 398.066 consultas e 142.105 atendimentos em SAP. Utentes inscritos no SNS em Bragança (2005)157.695.

Dizia, então, citando-me a mim próprio: "A realidade é esta, o que fazer com estes números? 1.º Cada habitante de Bragança vai pelo menos 1.7 vezes ao Serviço de Urgência ou ao SAP, por existirem utentes sem médico de família atribuido? não! 2.º Por exemplo em 2005, Mirandela e Bragança tinham para além de Urgência, também SAP. 3.º por exemplo Torre de Moncorvo tinha 1.327 utentes por médico de família, 7.961 utentes inscritos que recorriam ao SAP 19.098 vezes por ano, 2.4 vezes ano, falta de acessibilidade ao médico de família?...
Estas são algumas das questões críticas, como reorientar a acção dos CS, melhorando a acessibilidade às actividades programadas em detrimento do atendimento despersonalizado em SAP, como atrair e dotar os CS de mais enfermeiros (em 2005 tinham apenas 191), com desconcentrar as consultas da especialidade dos Hospitais para os CS. No que se refere aos Hospitais, não posso deixar de me espantar com as opiniões expressas nas palavras proferidas pelos vários comentadores: " mutilação", "morte dos cuidados", "lento definhamento" será que não conhecemos os números, não conhecemos a realidade".

Acrescentaria agora a preocupação de alguns provavelmente bem intencionados, preocupados com a saúde das populações, com a acessibiloidade, com a qualidade dos serviços e a certificação. Mas a realidade é bem mais crua vejam a "pipa de massa" que o SNS paga por aí aos profissionais, médicos (no caso acrescentaremos ainda a anestesia), à enfermagem, aos auxiliares deacção médica, etc.... Será que não é possível com os mesmos recursos, humanos, financeiros, logísticos, fazer melhor, será que como estava, estava bem? 4 Cirurgias por dia de urgência em todo o Distrito repartidas por três Urgências!!! Isto é que excelência meus caros? Vamos continuar a fazer de conta, vamos continuar a dizer que estamos perante um ataque ao interior, às pessoas e ao SNS! Vamos continuar a ignorar estas e outras situações, podemos continuar a perorar a favor do "Estado Social" contra o "Neo-liberalismo" a reclamar pelo "25 de Abril Sempre".
Mas encaremos as complexidades do sistema e descobriremos muitas destas realidades, uma delas, diz respeito aos gastos com pessoal, que se mantem sobreaquecido e com fortes raízes na organização interna do Hospital, muitas vezes cativa dos interesses de grupo ou da má gestão interna. Blocos operatórios com um número de pessoal afecto, enferemeiros/médicos que dava para fazer um jogo de futebol, equipas escaladas para a Urgência de acordo com os interesses corporativos e sem qualquer relação com a actividade assitencial, relação cirurgias de urgência/cirurgias programadas (desajustada a favor da urgente), relação primeiras consultas/segundas consultas (desajustadas a favor das segundas consultas).
Melhor gestão e racionalização do sistema permitirá libertar recursos para viabilizar alguns HHs subfinanciados e torná-los sustentáveis (é minha convicção). Numa sociedade desenvolvida em que a população recorrerá no futuro cada vez mais aos serviços de saúde, atrever-me-ei a dizer que os HHs do sector público serão dominantes. Esta é a tendência europeia, mesmo nos países que em as classes média fizeram, à alguns anos atrás seguros complementares de saúde para responder a algumas ineficiências do sector público, ou para disporem de mais comodidades "luxo" quando procuram alguns serviços que não são oferecidos no sector público. É que à medida que os seguros se vão tornando mais completos, também se vão tornando mais caros e insuportáveis, fazendo retornar os cidadãos ao sector público.
Avicena

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2 Comments:

Blogger e-pá! said...

Caro Avicena:

Impressiona-me a sua filia por dados estatísticos crus e nus.
E a maneira ágil e pronta como os faz desfilar aqui no SaudeSA que até nos deixa atordoados. O que me impressiona é a sua total devoção ao santo combate ao desperdício. Não me recordo de o ver interpretar dados estatísticos, onde, eventualmente, conclua ser necessário investir, empenhar novos recursos em reformas, etc.
As estatísticas, na sua mão, tem um destino "marcado": fechar, reduzir, cortar...
Não pode enveredar nessa rotina senão acaba por ferir a credibilidade - quanto mais não seja dos números...

Bem, vamos ao assunto de Mirandela.
Como sabe, os números em Saúde conduzem muitas vezes a resultados que, o melhor caminho, seria antes de atirá-los ao vento, discuti-los.
Aparecem resultados imprevisíveis, incongruentes, dificeis de avaliar, sempre com dificuldade de serem interpretados em gabinetes, longe do terreno.
Façamos um simples exercício - sobre a situação do H. de Mirandela - tentando pensar (repensar, escrutinar) os números da urgência.
Primeiro, a casuística. Nas análises recentes do MS, a unidade de referência deixou de ser o dia e adoptou-se os turnos - fundamentalmente o nocturno das: 0 às 8h. O dia de trabalho desapareceu e nasceram - para fins estatísticos - as "matinas". Qualquer dia será hora por hora. E detectaremos uma brutal quebra de produtividade das 12 às 14h ou das 19 às 21 horas. A proposta será: todas as equipas de urgência, nas horas prandiais, passam ao regime de prevenção. E com a previsível poupança nacional daí advinda em vez de gestores para interpretar números poderiamos contratar epidemiologistas. Certamente ficariamos melhor servidos!

Trabalham no bloco operatório do H. de Mirandela, segundo me é dado entender, 6 cirurgiões. Ora, sejamos realistas, e não especulemos sobre o trabalho na área cirúrgica.
Este número de cirurgiões não permite qualquer escala de urgência, onde se possa observar o mínimo de segurança e qualidade, independentemente, do profissionalismo e da competência dos médicos que aí prestaram serviço.
A verdade é que não se criaram, em termos de recursos humanos disponíveis, as condições mínimas para aí funcionar uma urgência cirúrgica.
Pelo que será desabrido e pouco claro, em termos de intenções, apresentar os 6 cirurgiões como os "vilões" da situação e a Administração como lídima defensora dos dinheiros públicos.
O citado "desentendimento" pressupõe um anterior entendimento, sendo - no mínimo - lamentável que tenha ocorrido.

O que me impressiona neste "caso" é constatar o facto que a administração do CHNordeste incorreu numa grosseira violação das normas mínimas, exigidas pela Ordem dos Médicos, na constituição de equipas de urgência. E, lamento muito dizê-lo, que os cirurgiões tenham colaborado nesse "dislate" administrativo e de gestão de recursos humanos.
A não ser que não queiramos reconhecer à OM competência técnica para definir as normas relativas à constituição de equipas de urgência.
Critérios económicos e de gestão dos HH's, que todos reconhecemos serem importantes, não podem colidir com a segurança dos cuidados a prestar às populações.
Pelo que, em vez de enfatizar a solução preconizada pela administração do CHNordeste, como uma redução orçamental de 50% das horas extraordinárias, a mesma deve ser encarada como uma eventual medida perniciosa para as populações aí referenciadas, com custos não determináveis.
Na verdade, o que me espanta, neste processo, é a lassitude, a permissividade e quiçá uma "má gestão" do CA do CHNordeste, que terá vigorado até aqui. Como médico, preocupa-me as especiais responsabilidades do Director Clínico, ao contemporizar com a situação anómala agora revelada que, numa análise sumária, se tem vindo a verificar.
A minha indignação é portanto mais profunda.
Como foi possível a existência de uma situação tão precária em termos de segurança para os utentes num serviço de urgência?
Em nome de quê?

Depois, caro Avicena, independentemente dos números, seria importante saber o que se operou (que tipo de patologia cirúrgica), nessa urgência.
Não me vou adiantar, uma vez que desconheço a discriminação dessa realidade, mas a alta incidência de atendimentos no SAP, leva-me a recear que o enviesamento na utilização das urgências se estenderá por todas as especialidades.
De longe, sem conhecer a realidade clínica local e regional, penso que o aproveitamento - para não me acusarem de nunca propor soluções -dessa equipa cirurgica (com a dimensão que possui) só poderá ser conseguido em programas de cirurgia de ambulatório.
A solução que foi preconizada pela Administração , em termos de urgências, era aberrante e, em termos de prestação de serviços, inadequada. Portanto, o desentendimento entre os cirurgiões e a Administração, produziu um efeito desejável - o encerramento das urgências no período nocturno. Não porque seja caro, mas porque não tinha condições de segurança e de qualidade mínimas.
Mas, atenção, ao fechar a urgência cirúrgica durante a noite no H. de Mirandela, o SNS tem o dever de assegurar o encaminhamento - em condições de segurança e em tempo útil - dos tais 0,6 casos de média diária - para Macedo Cavaleiros, Bragança ou...
como se tem verificado em relação às maternidades para Vila Real.

Tem de haver, na urgência de Mirandela, condições objectivas para implemetar técnicas de suporte avançado de vida e de evacuação rápida.
Este assegurar de condições alternativas eficientes - que podem custar caro, mas são indispensáveis - é de facto gerir a saúde com qualidade garantindo os direitos sociais dos utentes do SNS.

Pelo que, a despeito das suas reservas, acho que podemos e devemos
"...continuar a perorar a favor do "Estado Social" contra o "Neo-liberalismo" a reclamar pelo "25 de Abril Sempre".
Só mudaria o "peorar" por "lutar"!
Porque peorar podemos fazer sobre qualquer coisa - até na leitura estatística...

11:43 da manhã  
Blogger Unknown said...

Caro É-Pá

Vejo na sua surpresa " O que me impressiona neste "caso" é constatar o facto que a administração do CHNordeste incorreu numa grosseira violação das normas mínimas, exigidas pela Ordem dos Médicos, na constituição de equipas de urgência. E, lamento muito dizê-lo, que os cirurgiões tenham colaborado nesse "dislate" administrativo e de gestão de recursos humanos... A minha indignação é portanto mais profunda. Como foi possível a existência de uma situação tão precária em termos de segurança para os utentes num serviço de urgência? Em nome de quê?" a confirmação da minha afirmação " será que não conhecemos os números, não conhecemos a realidade".

Pelos vistos não, o que não é nada de extraordinário, uma vez que nenhum de nós pode ter a pretensão de saber tudo, mas se consultar os tais números "nus e crus" nas fontes referidas encontrará números semelhantes em muitas unidades (CS e Hospitais), que aliás suportam a decisão tão criticada de requalificar a rede de urgências, dando condições às diversas unidades para cumprirem o seu papel. Sem libertação de recursos desajustados, sejam humanos, técnicos ou financeiros, difícilmente poderemos corrigir as necessidades decorrentes da ausência de planeamento nacional e regional. Continuaremos a ter 196 oftlamologistas em Lisboa e Vale do Tejo e 5 no Algarve ou que a maioria dos psiquiatras se concentrem nos distritos de Coimbra, Porto e Lisboa, respectivamente com 2,2, 4,5 2,0 por 25.000 habitantes enquanto o Algarve ou o Alentejo apresentam valores de 0,4 por 25.000 ou que dos 54 pedopsiquiatras do país 25 estejam em Lisboa, 1 no Alentejo e o no Algarve.

Creia que as estatísticas na minha mão não têm "...um destino "marcado": fechar, reduzir, cortar...", mas procuram ser o suporte para racionalizar o desperdício, e o suporte para argumentar pela reorganização dos serviços do Serviço Nacional de Saúde em prole da qualidade e da excelência do serviço público moderno. Creia-me do lado dos que estão contra as medidas neo-liberais e que atacam o Estado Social "remando contra a maré a desinquietar", já não tenho é pachorra para a atitude defensista e conservadora (não creio que seja a sua) dos que vêem sempre na observação crítica da realidade e nas perspectivas de mudança (USF's, requalificação da rede de urgência, maternidades, encerramentos de SAP's) a mão obscura do capital e das forças ao seu serviço.
Continuo-me a rever nas palavras da canção da peça a Mãe "Aquele que está vivo não diga nunca "nunca"..."
" ontem, hoje e amanhã sempre o sol renascerá para iluminar a multidão que se levanta, anda!Não atrases o futuro tira o nunca da memória, não pares de lutar... que o mundo há-de mudar"

9:33 da tarde  

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