segunda-feira, agosto 27

Medicina de Consumo


Em artigo publicado na edição do jornal Público de 23/8 sob o título “Grupo privado quer criar 25 shoppings da saúde em todos os distritos do país”, o coordenador do projecto põe a saúde dos portugueses ao nível de uma qualquer mercadoria de consumo colocando num mesmo patamar um acto médico e um vulgar acto de compra de qualquer objecto ou mercadoria do nosso dia-a-dia. A ideia parecendo abstrusa nada tem de inocente, se estendermos a atitude consumista ao plano da saúde e onde houver um doente potencial passarmos a ver um cliente, haverá então melhor sítio que um Centro Comercial para montar a tenda?
Sucede porém que as necessidades em saúde dos cidadãos nada têm a ver com a realização de consultas avulso e exames complementares a granel, pagos na maioria dos casos por todos nós através de um sistema de convenções públicas ou com subsistemas suportadas directa ou indirectamente pelos nossos impostos. Sucede ainda que os profissionais que irão ser aliciados para esses projectos, deixarão de estar presentes nos locais onde são verdadeiramente necessários, aqueles a que afluem os verdadeiros doentes, como é o caso dos serviços de urgência dos nossos hospitais cada vez mais assegurado por mão de obra pouco qualificada e abandonada à sua sorte. Que seja cada vez mais difícil conseguir-se, em tempo útil, uma consulta de especialidade num hospital público mesmo que referenciada pelo médico de família, que as listas de espera em cirurgia se perpetuem etc., etc.
Resta-me a esperança e no fundo o desejo, que o coordenador do projecto seja tão bem sucedido neste como em anteriores iniciativas na área da saúde em que apareceu como principal mentor. A bem da saúde dos portugueses.
Jorge Almeida Médico Cardiologista – Hospital S. João, Porto.
MUS, news, 28.08.07

Alguns dos produtos/serviços disponíveis nos shoppings de Saúde:
Medidor de gordura, preservativos e contraceptivos, produtos ortopédicos, produtos para alérgicos e diabéticos, repelente electrónico, termómetro, depilação, suplementos e complementos nutricionais, protésico dentário, vaporizador/humidificador, medidor de glicose, RX, Análises clínicas, primeiros socorros, massagens, cirurgia estética, clínica geral, outros produtos de saúde.

7 Comments:

Blogger e-pá! said...

A concepção de “Medicina de Consumo” trouxe-me à superfície um conjunto de elucubrações e considerações. Antes de mais um aviso à navegação: nada a ver com qualquer rejeição ou repelência para com o sector privado de actividades em qualquer área económica ou comercial.
Mas não pude evitar que um conjunto de reflexões sobre o comércio (chamemo-lhe assim) na área social.

De facto – como se alvitra no post - o protagonista e coordenador (não o financiador) destes novos SHOPPINGS, tem um percurso errático e volúvel em investimentos na área da Saúde. Aliás, no grupo de financiadores, pelo menos um elemento, possui um currículo afim no gorado projecto da TV Medicina.
Mas, estes factos absolutamente circunstanciais não ocultam os fundamentos do investimento, nem as características do projecto. O enveredar pelos caminhos do consumo, quer pela “Medicina do supérfluo” ou a "Medicina do Conforto" é, de certo modo, uma tentativa de reconciliação dos valores sociais com comportamentos individuais, pela sujeição destes àqueles.
É o triunfo do prescindível, do desnecessário. Mas em termos sociais, é a afirmação dos interesses individuais frente aos problemas colectivos. É a antítese entre este dois campos. No funcionamento da economia de mercado onde estes inopinados SHOPPINGS se incluem, para além do ordenamento legal básico, devem observar-se regras e princípios que estabelecem fronteiras entre o tolerável e o intolerável, entre o eticamente aceite e o proscrito, no campo da saúde.
Depois há ainda o problema de recursos. Para além da afectação de recursos humanos diferenciados escassos e/ou esparsos – a questão mais sensível - haverá outros problemas como o aproveitamento de janelas de oportunidade, com exploração das oportunidades de uma economia positiva, em absoluto contraste (ou confronto) com o que desejável (e eticamente necessário) em Saúde, isto é, uma economia normativa.
É por isso incomportável, para o cidadão contribuinte, que estes SHOPPINGS possam vir a ser suportados por convenções, contratualizações, subvenções, etc., que, à luz do dia ou encapotadamente, serão - sejamos directos - extorquidos do OGE.

A enumeração dos eventuais produtos a comercializar e/ou as actividades a desenvolver (médicas, paramédicas, laboratoriais, socorrismo, estetismo, etc.) faz-me lembrar um “albergue espanhol”:
Medidor de gordura, preservativos e contraceptivos, produtos ortopédicos, produtos para alérgicos e diabéticos, repelente electrónico, termómetro, depilação, suplementos e complementos nutricionais, protésico dentário, vaporizador/humidificador, medidor de glicose, RX, análises clínicas, primeiros socorros, massagens, cirurgia estética, clínica geral, outros produtos de saúde.
Só falta enviesar, ainda mais, este projecto, alargando o âmbito para práticas alternativas que cabem na rubrica “outros produtos de saúde”, como por exemplo: homeopatia, fitoterapia, aromoterapia, SPA's, etc.
Sabemos que estas apostas no consumo vivem de “velhas” bandeiras do comercialismo americanizado (Coca-Cola, Marylin Monroe, Elvis Presley, McDonald’s) e, por outro lado de agressivas estratégias de marketing onde não é importante saber o que é bom e o ruim ou o necessário e o supérfluo, mas, tão somente, a aceitação e a apetência do mercado. Neste pós-modermismo não há critérios e os julgamentos são inúteis. O “triunfo do consumo”, intensificado pela globalização ou a “globocolonização”, que só promete e realça benesses. No fim, surgirá o endividamento.

Assim, é necessário discernir, ou melhor, discriminar:
saúde ou fetichismo comercial (shoppings, boutiques, etc.), travestido de justificações sociais.

12:08 da tarde  
Blogger helena said...

Venda de medicamentos não sujeitos a receita médica.
Enlargement peniano.
Sauna, jacuzi, cabeleireiro, esteticista, dietética e nutrição, bandas gástricas, emagrecimento compulsivo.

Venda de pacotes de Saúde com descontos especiais para os clientes habituais.
Saldos!
Promoções!
Por cada enlargement, garantia de fornecimento de preservativos para todo o ano.

Assim vai a última fantochada dos shoppings, com 200 mil doentes em lista de espera, mortes por paragem cardio respiratória, devido às trapalhadas do Serviço de socorro pré-hospitalar.

5:52 da tarde  
Blogger tambemquero said...

João, cidadão português reformado após longos anos de trabalho, conseguira recentemente através do médico de família da sua nova USF, acesso à medicação milagrosa.

A patroa, longos anos de padecimento de artrite, não estava praí virada.

Acabou por abandonar os velhos amigos das tardes de sueca em busca da memória das calvalgadas de outrora.

O pior era a vista embotada pelas cataradas.

Mais uma vez a salvação foi o médico de proximidade que lhe conseguiu uma consulta da especialidade num dos hospitais da rede do SNS.

O médico hospitalar foi rápido no diagnóstico.
A operação foi marcada para dali a três meses.

Depois de sucessivos adiamentos foi-lhe passado um vale de cirurgia para o shopping mais próximo.

Informaram-no que seria muito bem tratado, tendo direito a um arranjo das unhas inteiramente grátis.

No dia marcado entrou no bloco do shopping.

Acordou horas depois, os genitais doridos, cuidadosamente ligados.

A visão, essa, continuava fraca.

Soube, horas depois, pela enfermeira de turno que fora submetido a uma cirurgia de enlargement.

Dias depois, inteiramente refeito, após a toma do costume, desandou para a rua dos amores.

Foi o dia mais triste da sua vida.

Via mal.

Pior.A grande bisarma, inútil, não funcionava.

A Rosa, estranhando o verniz, as unhas polidas... calou-se desconfiada.

7:00 da tarde  
Blogger naoseiquenome usar said...

(esclarecendo a Sr.ª D.ª Helena quanto à afirmação "(...) mortes por paragem cardio respiratória, devido às trapalhadas do Serviço de socorro pré-hospitalar", deve dizer-se:
- em apenas 5% dos casos de paragem cardíaca na rua (não assistida), os doentes chegam a ter alta do hospital sem sequelas neurológicas. Nestes casos, a demora no tempo até à desfibrilhação é o factor mais importante para a sobrevivência, a qual se reduz 7 a 10% por cada minuto de atraso no uso do desfibrilhador.
Os índices de sobreviventes diminuem de 7 a 10% por cada minuto que passa após o início do evento arrítmico, tornando a sobrevida impossível decorridos 10 minutos de PCR. O aumento percentual de sobreviventes está directamente relacionado com o menor intervalo de tempo entre o início da FV (fibrilhação ventricular) e a administração do primeiro choque.
- O aconselhamento à população alvo deste tipo de doenças, identificadas como de risco elevado, passa por estratégias de intervenção mais efectivas sobre condutas de comportamento, responsabilização e práticas saudáveis de alimentação e exercício físico, recomendações sobre a importância da toma adequada dos medicamentos e ainda ensinamento sobre a identificação de sintomas de gravidade que possam ocorrer e que necessitem de um melhor esclarecimento, com a maior brevidade possível, de preferência com recurso sempre que possível à observação e triagem do médico assistente e eventual encaminhamento para a referência hospitalar; ou seja: educação para reconhecer os sinais e sintomas das condições agudas que necessitam de assistência emergente.
- Isto, porque as doenças cardiovasculares têm um grande componente comportamental e, mesmo com manobras de SAV (suporte avançado de vida)a taxa de sucesso de reanimação cai drásticamente a partir dos 8 minutos (a taxa de sobrevivência diminui 7 a 10% por cada minuto de atraso no uso do desfibrilhador, como já referido).
- Como se pode percepcionar, a questão é muito mais vasta, complexa, profunda e grave do que as "trapalhadas do INEM" trazidas a público, dependendo muito da prontidão da assistência, mas também dos equipamentos disponíveis e do factor "educação/cuidados da população" )

7:43 da tarde  
Blogger Hospitaisepe said...

É claro.
A Rosa acabou cliente do Shopping.
Haja Saúde, mental!

1:06 da manhã  
Blogger saudepe said...

A personagem do excelente texto do tambemquero não preenche o perfil dos habituais frequentadores do Shopping da Saúde.

Os convencionados são sempre potenciais clientes de segunda.
Servem para cobrir o prejuízo.

9:04 da manhã  
Blogger Vladimiro Jorge Silva said...

O que é um "repelente electrónico"? Já agora, não haverá por aí alguém com um excedentezito orçamental que financie a instalação de um destes aparelhos à entrada de cada um dos 25 shoppings?

3:52 da tarde  

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