sexta-feira, agosto 24

Saúde, Verão movimentado


Este mês de Agosto tem sido prolixo em “novidades” legislativas, normativas e outras na área da Saúde.
Para além da “mobilidade especial” (no início do mês), surge agora (22.08.07) o regime jurídico das USF’s e hoje (23.08.07) os "shoppings".

As USF’s, de algum modo a imagem de marca desta equipa ministerial (esperemos pelos resultados do inquérito em curso no blog), integram um importantíssimo processo de reforma (?) / reestruturação (?) - pode ser uma mera questão semântica – dos CPS, num dos seus pontos mais vulneráveis: a equidade.

Essa mudança, para além de ir ao encontro da resolução dos problemas (existentes) de acessibilidade que são uma “pedra de toque” do SNS, visa, fundamentalmente, o aumento da capacidade de desempenho de serviços públicos, através de uma importante reestruturação (chamemos-lhes assim).
O post salienta, como um dos instrumentos para atingir os resultados almejados, o “sistema de remuneração e incentivos” das novas USF’s. Sem querer retirar importância a este novo modelo, penso que o mesmo não deve ser dissociado de outros importantes vectores como por exemplo: existência de profissionais de saúde em número adequado; autonomia técnica, administrativa e financeira das Unidades, “descongestionamento” estrutural, responsabilização de todos os profissionais envolvidos em objectivos (contratos-programa), bem definidos, explícitos e realistas. Trata-se ao fim e ao cabo de um “recondicionamento” dos CPS.

Mais, estas USF’s necessitam ainda de executar um outro duplo esforço:

1) a concertação com a unidade de saúde pública local (principalmente em projectos de prevenção);
2) uma eficiente articulação com a rede de Cuidados Continuados Integrados.

Finalmente, as USF’s vão ter de resolver problemas estruturais locais ou de “agrupamentos” funcionais.
- Locais, relativos à “reconfiguração” dos Centros de Saúde que de modo algum devem ser “diminuídos” no seu papel, atribuições e operacionalidade;
- Agrupamentos, por candentes problemas de gestão, nomeadamente, no sentido de criarem “economias de escala”. Estes agrupamentos deveriam contar com um gestor ou com profissional de saúde com formação em gestão da saúde.

Enfim, tão hercúleas tarefas justificam, em pleno, um regime de incentivos. Embora estes regimes de incentivos (e as ponderações onde se baseiam) possam originar algumas reticências já que, sendo uma justa retribuição à sobrecarga de esforços, os resultados podem ser perversos. Haverá sempre uma caminhada no sentido de estabelecer limites, exactamente o momento em que a produtividade ligada aos incentivos deixa de dar retorno retributivo. Mas existem uma inegável virtude nos incentivos: aumentam a motivação. Este facto, associado a melhores condições de trabalho (físicas, proximidade, sistemas informatizados, etc) é um considerável estímulo ao aumento da produtividade.

No entanto, nem tudo são rosas.
Um dos problemas poderá vir a ser a contratação de profissionais em condições precariedade. Este problema tem incidido especialmente em relação ao grupo profissional de Enfermagem, mas é susceptível de estender-se aos outros sectores.
Outro dos problemas é a formação contínua, cujos programas deveriam ser geridos autonomamente ou pela USF ou pelo agrupamento, sem a “tradicional” dependência da Indústria Farmacêutica. Os programas de formação contínua (nomeadamente os pós graduados) deveriam ser parte integrante dos incentivos e suportados pelo erário público. Primeiro, por é justo que assim seja em termos de qualidade dos serviços a prestar, depois, porque se aliviavam muitos conflitos de interesses.

Por último e para terminar, uma notícia com que fui confrontado hoje (Público, pág.4).
Os novos shoppings de saúde”. Apesar de os promotores negarem que estes shoppings sejam em estímulo (descontrolado) ao consumo, ou melhor ao “auto-consumo” do cidadão penso que nesta fase do campeonato (reorganização dos CPS) serão um elemento perturbador, já que não pode deixar de haver competição uma vez que se dirigem (não só) aos utentes do SNS.
Outro pormenor são os promotores oriundos do Sector Privado da Saúde – o grupo Sanu quali - alguns dos quais mantêm importantes interesses em HH’s privados (Grupo Hospital da Trofa – que recentemente adquiriu um hotel em Vila Real para um novo HH -; Hospital Internacional do Algarve; Casa de saúde de Guimarães e, perante o meu espanto (continuo com alguma dose de ingenuidade), um ex-bastonário da OM.
Um ex-deputado do PSD capitaneia o ambicioso projecto que, numa primeira análise, é o fechar do cerco ao SNS pelo Sector Privado da Saúde. Primeiro os HH’s (Mellos, BES, Seguros), de seguida uma rede intermediária (GPS, etc.), pelo meio o Sector Social nos Cuidados Continuados e finalmente unidades mais descentralizadas (na proximidade - distritais) – os “shoppings de saúde”. Vamos a ver no que isto dá…

Como disse, no início, o mês de Agosto está recheado de surpresas. O que não sendo per si mau, traz no bojo uma indisfarçável ameaça. Arriscamos, apesar das reestruturações dos CPS, a chegar ao final da legislatura, com profissionais “especialmente” mobilizados e o País sem SNS…
É-Pá

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3 Comments:

Blogger tambemquero said...

Centros de saúde geridos por entidades privadas, sociais ou por cooperativas de médicos poderão avançar no próximo ano. O primeiro passo foi dado ontem com a publicação da legislação que enquadra as unidades de saúde familiar (USF). Estes pequenos centros de saúde geridos pelos próprios profissionais eram até agora apenas públicos, mas uma parte deles poderá nascer fora do Serviço Nacional de Saúde (SNS) nas zonas em que haja falta de clínicos.

O coordenador da Missão para a Reforma dos Cuidados Primários (MRCP), Luís Pisco, afirma que estas USF têm como objectivo colmatar a falta de médicos de família nos locais em que estes são em número insuficiente para as necessidades. Estima-se que existam ainda 500 mil portugueses sem médico de família, em particular em Lisboa, Porto, Braga e Setúbal. E será nestas regiões que avançarão as USF não públicas. A sua criação segue os moldes das actuais USF - partem das candidaturas dos interessados. Para que se tornem uma realidade, falta apenas a regulamentação, que está quase a seguir para o gabinete do ministro Correia de Campos.

Luís Pisco garante que estas unidades serão em "número residual" e não vão entrar em concorrência directa com o SNS. E como conseguirão clínicos, se não os forem buscar ao sector público? "Há muitos médicos de família que atingiram a idade da reforma e que podem organizar-se em cooperativas", exemplifica. Além disso, diz que o sistema remuneratório será igual para o público e para o privado e, desta forma, não haverá fugas de médicos. Várias entidades já se mostrarem interessadas em avançar. Misericórdias, grupos de médicos e algumas clínicas, refere o responsável. Mas a lei permitirá também às autarquias gerirem USF. De fora deste sector deverão ficar os grandes grupos de saúde. "É um pequeno negócio", diz Luís Pisco.

As USF de modelo C, tal como são definidas, estavam previstas desde o início da legislatura, mas os atrasos na publicação da lei sobre este sector tem protelado o seu lançamento. Caberá às Administrações Regionais de Saúde definir os locais onde poderão nascer USF neste modelo, consoante os utentes sem médico.
JN 23.08.07

7:37 da tarde  
Blogger Hospitaisepe said...

Todos os processos têm as suas dificuldades.

Acho o pessimismo do é-pá algo exagerado.

Não acha que é necessário melhorar, modernizar,tornar mais eficiente o SNS?

O caminho que está a ser seguido encerra muitos perigos.

Segundo o é-pá o principal problema gira à volta da desconfiança em relação à intervenção dos privados.
Preconceito ideológico a mais?

7:59 da tarde  
Blogger e-pá! said...

caro hospitaisepe:

"Segundo o é-pá o principal problema gira à volta da desconfiança em relação à intervenção dos privados."

Não será exactamente isso.
O meu principal problema diz respeito à falta de eficência do SNS, à deficiente capacidade de reposta, às dificuldades orçamentais que condicionam investimento e de inovação, à politica de recursos humanos e os desvios nos termos de manter uma equidade e universalidade do sistema.

Muito diferente da intervenção que, paulatinamente, se vai projectando, pelo Sector Privado da Saúde, nesta área social, a que chama um novo "mercado de oportunidades" e aos utentes "clentes".

O que eu acho é que as nossas debilidades (do SNS), longe de estarem no caminho de estarem cabalmente resolvidas (ou em vias disso), têm "oferecido" de bandeja múltiplas e flagrantes oportunidades ao SPP, para a apropriação no âmbito das responsabilidades e obrigações constitucionais do SNS, sem que se salvaguardem direitos sociais dos portugueses.

Quanto ao "preconceito ideológico" que eventualmente lhe estaria inerente, é em parte verdade.
Excluindo a concepção de preconceito, que não perfilho, estou convicto que todas estas "novas oportunidades" são subsidiárias de políticas "neo-liberais" adoptadas pelo presente Governo, em nome de razões que não aceito.

Só isto!

De resto, no estado actual da nossa evolução social, acho que o SPS, tem um papel a desempenhar - complementar e supletivo. Nunca dominador ou sequer alternativo.

10:38 da tarde  

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