sábado, março 15

De uma cultura de Direitos


a uma cultura mercantil
Perceber «porque é que, estando os indicadores de saúde em alta, a insatisfação das pessoas não está em baixa», foi o desafio lançado a José Manuel Pureza, docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, para a conferência de encerramento do 25.º Encontro Nacional de Clínica Geral, que decorreu em Vilamoura, no passado dia 8.
Para o académico, que considera estarmos «num tempo de viragem de uma cultura de direitos para uma cultura mercantil», a insatisfação das pessoas é «um indicador tão sério e tão importante como as estatísticas para as quais reservamos o nome mágico de indicadores». E a transformação da realidade, no que aos sistemas de Saúde diz respeito, «não se fará contra ou apesar dessa gente teimosamente insatisfeita, mas antes tomando-a como desafio de primeira grandeza».

José Manuel Pureza não tem dúvidas de que «se hoje os indicadores dão conta de melhorias sensíveis em realidades estruturantes do País, isso é um crédito do Serviço Nacional de Saúde», prova de como este tem sido «inquestionavelmente» um dos «pilares» da democracia e «o factor decisivo de qualificação da sociedade portuguesa». É, então, por essa razão que o economista considera que há «uma ligação directa entre a insatisfação das pessoas e a percepção de que está a ser retirado um direito».
E para explicar essa sensação, lembrou que a actual campanha para a presidência dos EUA se tem «baseado no debate entre diferentes projectos para enraizar e ampliar a cobertura do sistema público de Saúde», enquanto em Portugal «uma alta figura do sistema financeiro disse, entusiasticamente, que melhor negócio que a Saúde só mesmo o do tráfico de armas».
É neste clima de «apetite devorador pelo negócio da Saúde» que as políticas de reconfiguração do SNS são percebidas pelos cidadãos, influenciando a atitude de satisfação ou insatisfação, o que leva José Manuel Pureza a denunciar que passámos da cultura dos direitos para a cultura do mercantilismo.
Não obstante, mesmo nestes tempos conturbados o académico diz que o profissional de saúde continua a ser visto como um «porto de abrigo apetecido pelas pessoas», por via da «velha atenção ao todo de cada um, o sábio olhar que vê em cada homem mais do que a soma de sistemas orgânicos».
TM 17.03.07

2 Comments:

Blogger tambemquero said...

Até há pouco tempo, o papel dos delegados de informação médica, sobretudo os de Medicina Geral e Familiar, era fundamental para a Indústria Farmacêutica (IF). Contudo, o panorama alterou-se nos últimos anos, pois «os médicos perderam poder» de decisão.
«já não é só o médico quem decide que produto prescrever», uma vez que há uma panóplia de decisores nessa matéria, onde se incluem governos, administradores hospitalares ou comissões de farmácia. E da parte da tutela há cada vez mais pressão para a apresentação de estudos farmacoeconómicos e não basta à IF assegurar que os produtos são «seguros e eficientes». estas entidades têm de ser encaradas como «parceiros e não como um problema», «Temos de encontrar maneiras de jogar o jogo» sendo importante encontrar formas de trabalhar com as autoridades locais de cada país.
TM 17.03.08

12:46 da manhã  
Blogger e-pá! said...

AS CULTURAS
mercantil (a mais antiga),
a política (a mais sofisticada)
a social (a mais abjurada).

ou umas curtas férias no Algarve?


A cultura mercantilista, citada muito a propósito pelo Prof. J. M Pureza é uma nova versão da cultura do exibicionismo, amputada da suas aberrações… mais toscas.
Mas para além disso é o negócio em toda a sua pujança…
E o Prof. JM Pureza tocava no âmago das extintas corporações. Entrava no templo dos lobbyys e dos cartéis.
Outros pátios, outras danças, outras vestes, outra música …
Tudo começou nas corporações – onde, hoje, por aí, ainda perturbam alguns vestígios …

Adam Smith, em pleno século XVIII, notou claramente que as corporações dos mais variados ofícios restringiam de todas as formas o ingresso de novos praticantes de modo a limitar a oferta e manter preços mais altos do que seria o caso se a concorrência fosse livre…
Vital Moreira chegou à mesma conclusão quase três séculos mais tarde…
De facto, depois de tanta catilinária , hoje, podemos celebrar o dia das cooperações.
Cícero foi o grande denunciante de Catalina, no seu célebre discurso:

“Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura?
A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio?
Nem a guarda do Palatino, nem a ronda nocturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te?
Não sentes que os teus planos estão à vista de todos?
Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem?
Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?”

Hoje a ANF lança um cartão de consumo, também chamados cartões de “fidelização”.
Mas trabalha há mais tempo, mais concretamente há 18 meses e hoje pode fornecer dados à Autoridade da Concorrência (AdC) e ao Infarmed.
Agora o processo do cartão transita pela Comissão Nacional de Protecção de dados.
Amanhã (no futuro) será vendido com incalculáveis mais valias às compnhias que se dedicarem ao estudo dos seguros de Saúde dos portugueses...

De qualquer modo Catalina – que entrou para a vulgata da história como o “conspirador “ ou o “homem sem escrúpulos” mereceu um espantoso elogio de elogio de Floro: «Bela morte, assim tivesse tombado pela Pátria.»

É, isso, muitos erram na morte, outros na escolha da mortalha…
Não é verdade Dr. Pedro Nunes?
Ou as exéquias ficam só para o Dr. João Cordeiro?


People of the same trade seldom meet together, even for merriment and diversion, but the conversation ends in a conspiracy against the public, or in some contrivances to raise prices."
Adam Smith, The Wealth of Nations

10:21 da tarde  

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