Entrevista
José Luiz Gomes do Amaral (JLGA), presidente da Associação Médica Brasileira (AMB)
(...) GH – Como é que está a saúde dos brasileiros?
JLGA – Muito longe do que se considera aceitável. O Brasil não é um país que possa ser tratado como uma estrutura única… há vários “brasis”. Há Medicina de alta qualidade em alguns centros de excelência – comparáveis aos bons centros médicos e universitários da Europa e da América do Norte, mas também tem Medicina de péssima qualidade. Cerca de 20% dos brasileiros, 40 milhões, são assistidos pela Medicina suplementar – que são seguros de saúde, planos de saúde. E este sistema investe aproximadamente 50% do orçamento total da Saúde. Ou seja, metade do orçamento de Saúde do país aplica-se apenas a 20% dos brasileiros. A outra metade do orçamento aplica-se a 100% da população, porque inclui aqueles 20%. Então, quase 80% da população socorre-se de um recurso muito pequeno. E isto provoca diferenças na assistência.
Há áreas do país em que praticamente 100% da Saúde é suprida pelo Sistema Único de Saúde brasileiro, como o interior dos estados do Nordeste, os estados do Norte, algumas vastas regiões do Centro.
Em alguns lugares da região Sudeste, por exemplo, mais de 40% da população é assistida pelo Sistema Único de Saúde e pelo sistema suplementar. Há uma desigualdade muito grande que tem de ser vencida e é aqui que nós encontramos as insatisfações. Nós temos muitas cidades na região Sudeste – onde existe um médico para cada 200 habitantes – que é muito mais que na totalidade dos países europeus. Por outro lado, há várias regiões do país onde temos um médico para 1200 a 1500 habitantes. Há ainda um número grande de cidades – cerca de mil – sem qualquer assistência médica.
GH – Sem um médico, nem no serviço privado?
JLGA – São cerca de mil cidades, pequenas, pobres, sem um único médico.
Como no Sistema Único de Saúde não há um plano de carreira para médicos, estes não se sentem estimulados a deslocarem-se para essas regiões. A assistência médica, nestes locais, está ainda muito sujeita às influências políticas, às mudanças de governo, ao interesse do Prefeito (presidente da câmara municipal).
GH – Em Portugal existe um sistema público de cuidados de saúde, que está cada vez mais a abrir-se aos privados. Esta também é uma tendência que se verifica no Brasil?
JLGA – Penso que não existe essa possibilidade, em função do desnível económico existente. O Brasil hoje tem 186 milhões de habitantes e não temos mais de 40 milhões com capacidade financeira para adquirir um seguro de saúde.
Tem existido alguma intervenção do governo no sentido de facilitar a acção de planos de saúde de baixo custo, mas daí têm resultado muitos conflitos. Um cidadão compra um seguro de saúde de baixo custo mas quando ele precisa, o resultado também vem em conta-gotas e enfrenta uma série de limitações em função de doenças pré-existentes e recusas de cobertura, que se tornam num problema adicional.
GH – O governo tem investido nos cuidados de saúde?
JLGA – Muito pouco! O investimento não chega a 80 mil milhões de reais, cerca de 30 mil milhões de euros. Parece um volume razoável, mas se se dividir por 186 milhões de habitantes, o valor per capita é, acredito, um décimo do que se investe em Portugal.
GH – Não há dinheiro ou não há vontade política?
JLGA – Principalmente não há vontade política. Mas outra questão importante é que a gestão destes poucos recursos é muito má. (...)
entrevista de Marina Caldas, GH n.º 34
JLGA – Muito longe do que se considera aceitável. O Brasil não é um país que possa ser tratado como uma estrutura única… há vários “brasis”. Há Medicina de alta qualidade em alguns centros de excelência – comparáveis aos bons centros médicos e universitários da Europa e da América do Norte, mas também tem Medicina de péssima qualidade. Cerca de 20% dos brasileiros, 40 milhões, são assistidos pela Medicina suplementar – que são seguros de saúde, planos de saúde. E este sistema investe aproximadamente 50% do orçamento total da Saúde. Ou seja, metade do orçamento de Saúde do país aplica-se apenas a 20% dos brasileiros. A outra metade do orçamento aplica-se a 100% da população, porque inclui aqueles 20%. Então, quase 80% da população socorre-se de um recurso muito pequeno. E isto provoca diferenças na assistência.
Há áreas do país em que praticamente 100% da Saúde é suprida pelo Sistema Único de Saúde brasileiro, como o interior dos estados do Nordeste, os estados do Norte, algumas vastas regiões do Centro.
Em alguns lugares da região Sudeste, por exemplo, mais de 40% da população é assistida pelo Sistema Único de Saúde e pelo sistema suplementar. Há uma desigualdade muito grande que tem de ser vencida e é aqui que nós encontramos as insatisfações. Nós temos muitas cidades na região Sudeste – onde existe um médico para cada 200 habitantes – que é muito mais que na totalidade dos países europeus. Por outro lado, há várias regiões do país onde temos um médico para 1200 a 1500 habitantes. Há ainda um número grande de cidades – cerca de mil – sem qualquer assistência médica.
GH – Sem um médico, nem no serviço privado?
JLGA – São cerca de mil cidades, pequenas, pobres, sem um único médico.
Como no Sistema Único de Saúde não há um plano de carreira para médicos, estes não se sentem estimulados a deslocarem-se para essas regiões. A assistência médica, nestes locais, está ainda muito sujeita às influências políticas, às mudanças de governo, ao interesse do Prefeito (presidente da câmara municipal).
GH – Em Portugal existe um sistema público de cuidados de saúde, que está cada vez mais a abrir-se aos privados. Esta também é uma tendência que se verifica no Brasil?
JLGA – Penso que não existe essa possibilidade, em função do desnível económico existente. O Brasil hoje tem 186 milhões de habitantes e não temos mais de 40 milhões com capacidade financeira para adquirir um seguro de saúde.
Tem existido alguma intervenção do governo no sentido de facilitar a acção de planos de saúde de baixo custo, mas daí têm resultado muitos conflitos. Um cidadão compra um seguro de saúde de baixo custo mas quando ele precisa, o resultado também vem em conta-gotas e enfrenta uma série de limitações em função de doenças pré-existentes e recusas de cobertura, que se tornam num problema adicional.
GH – O governo tem investido nos cuidados de saúde?
JLGA – Muito pouco! O investimento não chega a 80 mil milhões de reais, cerca de 30 mil milhões de euros. Parece um volume razoável, mas se se dividir por 186 milhões de habitantes, o valor per capita é, acredito, um décimo do que se investe em Portugal.
GH – Não há dinheiro ou não há vontade política?
JLGA – Principalmente não há vontade política. Mas outra questão importante é que a gestão destes poucos recursos é muito má. (...)
entrevista de Marina Caldas, GH n.º 34
Etiquetas: Entrevistas
1 Comments:
Está aqui bem retratado o País a que um outro (penso que Fidel Castro) designou por Belindia: 20% da população com o nível de vida da Bélgica e a restante vivendo como na Índia.
Esta é uma realidade que nos escapa e de que nos sentimos a salvo, talvez por isso não tenha merecido até agora qualquer comentário neste espaço. Há, porém, alguns pontos a merecerem a nossa reflexão.
Um deles tem a ver com a ausência de Estado Providência, aquele monstro que a intelectualidade neoliberal quer exorcizar, e os constrangimentos dos sistemas de saúde assentes em seguros de saúde. Como bem diz o Presidente da AMB, os seguros, quando dão cobertura efectiva, são apenas acessíveis ás bolsas fartas as restantes terão de contentar-se com planos de saúde de baixo custo que dão mais trabalho a ser activados que reembolsos efectivos.
Um outro aspecto com as assimetrias regionais. É que, vendo bem, esta é também uma realidade no Portugal de hoje com o encerramento de serviços à periferia e a concentração de profissionais, em particular de especialistas, no litoral. A título de exemplo, realizar uma endoscopia digestiva de urgência a partir de certa hora, é hoje, em muitas zonas do País, só possível nos hospitais centrais. Obter o relatório de uma TAC ou RMN, só no dia seguinte e com recurso à telemedicina.
É que houve um senhor ministro da saúde que entendeu dever quebrar com a obrigatoriedade dos médicos recém especialistas concorrerem, sob pena de perderem o vínculo à função pública, às vagas em aberto. O resultado é o que se vê, profissionais acantonados no litoral com a cobertura do resto do País cada vez mais dependente da boa vontade de médicos estrangeiros, espanhóis em especial.
Realço ainda a ausência de um plano de carreira para os médicos, vivendo os profissionais do sector público, suponho, das boas vontades dos caciques locais. À semelhança do que se passava no nosso País até à criação de carreiras médicas públicas, hoje também postas em causa.
É assim mesmo, quando não há vontade política e o Estado se afasta quem sofre é o Zé.
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