sexta-feira, abril 11

Entrevista



José Luiz Gomes do Amaral (JLGA), presidente da Associação Médica Brasileira (AMB)

(...) GH Como é que está a saúde dos brasileiros?
JLGA – Muito longe do que se considera aceitável. O Brasil não é um país que possa ser tratado como uma estrutura única… há vários “brasis”. Há Medicina de alta qualidade em alguns centros de excelência – comparáveis aos bons centros médicos e universitários da Europa e da América do Norte, mas também tem Medicina de péssima qualidade. Cerca de 20% dos brasileiros, 40 milhões, são assistidos pela Medicina suplementar – que são seguros de saúde, planos de saúde. E este sistema investe aproximadamente 50% do orçamento total da Saúde. Ou seja, metade do orçamento de Saúde do país aplica-se apenas a 20% dos brasileiros. A outra metade do orçamento aplica-se a 100% da população, porque inclui aqueles 20%. Então, quase 80% da população socorre-se de um recurso muito pequeno. E isto provoca diferenças na assistência.
Há áreas do país em que praticamente 100% da Saúde é suprida pelo Sistema Único de Saúde brasileiro, como o interior dos estados do Nordeste, os estados do Norte, algumas vastas regiões do Centro.
Em alguns lugares da região Sudeste, por exemplo, mais de 40% da população é assistida pelo Sistema Único de Saúde e pelo sistema suplementar. Há uma desigualdade muito grande que tem de ser vencida e é aqui que nós encontramos as insatisfações. Nós temos muitas cidades na região Sudeste – onde existe um médico para cada 200 habitantes – que é muito mais que na totalidade dos países europeus. Por outro lado, há várias regiões do país onde temos um médico para 1200 a 1500 habitantes. Há ainda um número grande de cidades – cerca de mil – sem qualquer assistência médica.

GHSem um médico, nem no serviço privado?
JLGA – São cerca de mil cidades, pequenas, pobres, sem um único médico.
Como no Sistema Único de Saúde não há um plano de carreira para médicos, estes não se sentem estimulados a deslocarem-se para essas regiões. A assistência médica, nestes locais, está ainda muito sujeita às influências políticas, às mudanças de governo, ao interesse do Prefeito (presidente da câmara municipal).

GHEm Portugal existe um sistema público de cuidados de saúde, que está cada vez mais a abrir-se aos privados. Esta também é uma tendência que se verifica no Brasil?
JLGA – Penso que não existe essa possibilidade, em função do desnível económico existente. O Brasil hoje tem 186 milhões de habitantes e não temos mais de 40 milhões com capacidade financeira para adquirir um seguro de saúde.
Tem existido alguma intervenção do governo no sentido de facilitar a acção de planos de saúde de baixo custo, mas daí têm resultado muitos conflitos. Um cidadão compra um seguro de saúde de baixo custo mas quando ele precisa, o resultado também vem em conta-gotas e enfrenta uma série de limitações em função de doenças pré-existentes e recusas de cobertura, que se tornam num problema adicional.

GHO governo tem investido nos cuidados de saúde?
JLGA – Muito pouco! O investimento não chega a 80 mil milhões de reais, cerca de 30 mil milhões de euros. Parece um volume razoável, mas se se dividir por 186 milhões de habitantes, o valor per capita é, acredito, um décimo do que se investe em Portugal.

GHNão há dinheiro ou não há vontade política?
JLGA – Principalmente não há vontade política. Mas outra questão importante é que a gestão destes poucos recursos é muito má. (...)
entrevista de Marina Caldas, GH n.º 34

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1 Comments:

Blogger Tá visto said...

Está aqui bem retratado o País a que um outro (penso que Fidel Castro) designou por Belindia: 20% da população com o nível de vida da Bélgica e a restante vivendo como na Índia.
Esta é uma realidade que nos escapa e de que nos sentimos a salvo, talvez por isso não tenha merecido até agora qualquer comentário neste espaço. Há, porém, alguns pontos a merecerem a nossa reflexão.
Um deles tem a ver com a ausência de Estado Providência, aquele monstro que a intelectualidade neoliberal quer exorcizar, e os constrangimentos dos sistemas de saúde assentes em seguros de saúde. Como bem diz o Presidente da AMB, os seguros, quando dão cobertura efectiva, são apenas acessíveis ás bolsas fartas as restantes terão de contentar-se com planos de saúde de baixo custo que dão mais trabalho a ser activados que reembolsos efectivos.
Um outro aspecto com as assimetrias regionais. É que, vendo bem, esta é também uma realidade no Portugal de hoje com o encerramento de serviços à periferia e a concentração de profissionais, em particular de especialistas, no litoral. A título de exemplo, realizar uma endoscopia digestiva de urgência a partir de certa hora, é hoje, em muitas zonas do País, só possível nos hospitais centrais. Obter o relatório de uma TAC ou RMN, só no dia seguinte e com recurso à telemedicina.
É que houve um senhor ministro da saúde que entendeu dever quebrar com a obrigatoriedade dos médicos recém especialistas concorrerem, sob pena de perderem o vínculo à função pública, às vagas em aberto. O resultado é o que se vê, profissionais acantonados no litoral com a cobertura do resto do País cada vez mais dependente da boa vontade de médicos estrangeiros, espanhóis em especial.
Realço ainda a ausência de um plano de carreira para os médicos, vivendo os profissionais do sector público, suponho, das boas vontades dos caciques locais. À semelhança do que se passava no nosso País até à criação de carreiras médicas públicas, hoje também postas em causa.
É assim mesmo, quando não há vontade política e o Estado se afasta quem sofre é o Zé.

11:12 da tarde  

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