quarta-feira, abril 9

Gestão Pública e Gestão Privada


Há algumas semanas atrás, ainda com o anterior titular, o Ministério da Saúde fez publicar um Despacho que criou um grupo de missão para definir um modelo de avaliação dos gestores dos hospitais EPE.link
Mais recentemente, num debate na Assembleia da República, o Governo, pela voz do 1º Ministro, anunciava o fim da gestão privada nos hospitais públicos. Aparentemente desligadas, estas duas decisões têm muito em comum. Revelam, desde logo, a firme vontade política de valorizar a gestão pública dos hospitais, torná-la prestigiada e exigente, mas também revelam a confiança num modelo de gestão que tem mostrado virtualidades e margem de progressão face ao anterior modelo público, ineficiente e burocrático.
A avaliação dos gestores hospitalares vem sendo já implicitamente feita, pelo percurso que os seus hospitais vêm fazendo e, sobretudo pelo papel desses profissionais nos seus sucessos ou insucessos. É bem verdade que, por vezes, as aparências iludem e se utilizam critérios de apreciação pouco técnicos, muitas vezes redutores e alheios aos meios excepcionais que pessoas em situações privilegiadas propiciam ou, cinicamente, recusam.
Para além destas circunstâncias e dos critérios de oportunidade política ou social que podem condicionar significativamente a gestão de um hospital, não podemos senão aplaudir a preocupação em criar um conjunto de critérios objectivos de avaliação para os gestores de topo dos hospitais. Chamo todavia a atenção para a necessidade de se utilizar escrutínio proporcionalmente semelhante para avaliarmos as Direcções de Serviço, de Departamento ou de Centro de Responsabilidade.
Numa pirâmide de responsabilidades a ausência de um sistema de avaliação para estes torna aleatória a avaliação daqueles. É certo que o modelo EPE tornou mais flexível e responsabilizante o papel das estruturas intermédias de gestão mas essa “cultura de resultados” ainda não chegou à grande maioria dos nossos serviços.
Importará por isso alargar a todos os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, técnicos, administrativos e auxiliares, operacionais ou dirigentes, um modelo de avaliação que identifique o mérito e retire daí as devidas consequências (remuneratórias, de progressão e até de emprego).

A opção do Governo poderia, neste domínio, ter sido outra. Considerar a gestão pública inelutavelmente má, feita por incompetentes ou, pelo menos, por alguns mais ou menos competentes mas sem instrumentos adequados.
Nesta opção a solução passaria, ou pela privatização dos serviços (propriedade e prestação) ou pela contratação de entidades gestoras para organizarem e gerirem directamente a prestação em nome do Estado.
No modelo de PFI na área da saúde, iniciado no Reino Unido, nos finais da década de 90, apenas optaram pela iniciativa privada no financiamento da construção de novos hospitais, mantendo pública a gestão de todos os componentes da prestação clínica. Da direita à esquerda britânica há a convicção (preconceito ideológico dirão alguns) de que a gestão clínica com fins lucrativos pode ser fonte de dúvidas e conflitos éticos ponderosos que desaconselham, de todo, essa solução. É certo que a gestão pública dos hospitais do Reino Unido tinha e tem já instrumentos ágeis e eficientes para organizar racionalmente o trabalho médico, de enfermeiros e de todos os profissionais, por norma não funcionários e sem as carreiras burocráticas que cá provocam tanta entropia. E parece ser exactamente este o caminho que o actual governo quer percorrer nos hospitais públicos portugueses: fortalecer e prestigiar os gestores públicos, dando-lhes mais autonomia e competências adequadas e tornando exigente e transparente a sua avaliação.
Não está em causa a qualidade e o bom desempenho de anteriores experiencias de gestão privada de hospitais públicos, nem tão pouco a legitimidade e até a necessidade de termos hospitais privados bem dimensionados, diferenciados e autónomos. Devem ter o seu espaço e o seu mercado, podendo ainda estabelecer acordos com o SNS para prestar cuidados aos seus beneficiários.
O maniqueísmo que vê, ou a gestão privada do sector da saúde como a solução para todos os males, ou a gestão pública como o único garante de um SNS universal e equitativo, encara geralmente este tipo de decisões como uma derrota ou uma vitória. A realidade é, felizmente, menos dicotómica e o interesse público continua a necessitar do contributo de ambos os sectores.
Manuel Delgado, editorial, GH n.º 34

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3 Comments:

Blogger e-pá! said...

Dicit Salomon,
Imperator.

7:42 da manhã  
Blogger helena said...

O editorial do MD é excelente.
Realmente a opção de Sócrates poderia ter sido outra.
A tentativa de refrear a cavalgada dos privados em relação ao sector público da Saúde, o primeiro ministro salvaguardou a costela socialista até às próximas eleições.
O impulso dado por CC foi suficientemente forte para resistir a este contratempo eleitoral.
A iniciativa privada, com o apoio velado e expresso de Aníbal Cavaco Silva, aí está pujante, capaz de medir forças na criação de um sistema correncial da saúde.
Desde que detudo isto resultem vantagens para os utentes ...

12:14 da tarde  
Blogger e-pá! said...

OU SIM OU SOPAS...

Provavelmente os portugueses já se aperceberam que quer as Escolas , quer os Hospitais, poderão um dia sair do estricto âmbito da gestão pública.
Como também suspeitarão que em tempos mais distantes outras Instituições sociais, incluindo as religiosas (porque não?), seguirão um caminho mais autónomo, menos condicionado a hierarquias rígidas e muitas vezes pouco abertas ao Mundo
É, por isso, que o Mundo vai-se enchendo de ONG's.
Felizmente!

O problema será sempre muito simples e directo:
Quem tem acesso a esses serviços?

É aí que entra o Estado. Como e com que meios conseguirá manter o compromisso de garantir igual acesso a todos os cidadãos.
O utente do SNS poderá ser tratado num Hospital privado mas os custos desse tratamento devem ser sempre sociais. Isto é: os mais fragéis os mais desfavorecidos, não podem ficar na dependencia dos outros. Da caridade.
Depois, não vivemos nos tempos das Misericordias. Não fazemos favores, mem vivemos de benesses.
Os doentes devem ser tratados com os melhores meios (técnicos , humenos e físicos) disponíveis. É ao Estado que comete vigiar a qualidade dos cuidados e controlar os custos dos serviços prestados.

Manuel Delgado, por vezes, faz-me lembrar aqueles detractores da CGTP onde um rufia se acoita à sombra de um Estado gordo e ineficienete.
Uma coisa é a gestão, outra o finaciamento.
Parte da gestão pode ser entregue ao sector privado se existirem mecanismos de controlo. Mas o financiamento, nomeadamente nas áreas sociais básicas e fundamentais, nunca. Estas áreas devem ficar refens do Estado.

É isto que divide as posições assim-assim das atitudes sociais justas.
A Esquerda acredita na igualdade social que troca a doação individual pela sociedade, por isso defende , em primeira linha, o SNS.

No fundo, acabamos nuns incredulos. Não acreditamos no mercado, essa figura mitológica que faz tudo funcionar melhor.

Finalmente, Sócrates teve a ousadia de enfrentar as teorias neoliberias que infernizavam as PPP's dos novos HH's. Quando decidiu tinha em carteira informação suficiente para fazer a opção. Tinha esse direito. Melhor devia utilizar esse dever. Ao fazê-lo, como é óbvio, condicionou um "negócio" que apresentava contornos faraónicos. Ou pior, questionava - no futuro - o enquadramento constitucional do SNS. Raramente, uma medida suscitou tanta esperança na mudança da condução das políticas sociais.

Começam, desde já, a surgir nuances e depois aparecerão os confrontos.
Primeiro de mansinho, com maviosos escritos, cabtando hossanas à cooperação público-privada.
Depois as ameaças do Sr. Salvador Mello, que detesta diplomacias hipócritas, a tudo o resto da Direita (neste momento entretida em refumdações).
Salvador Mello tem as mesmas perrogativas que Joe Berardo: Pode entra no Ministério a gritar: "fuck you"...!
Ainda a poeira não assentou, começam a surgir as posições mais contidas, conciliadoras, aquelas suaves bissectrizes entre o radicalismo e o capitulacionismo.

Do tipo:
"A realidade é, felizmente, menos dicotómica e o interesse público continua a necessitar do contributo de ambos os sectores."
(Manuel Delgado, editorial, GH n.º 34).

É muito dificil aplaudir só com uma mão! Mais vale fazer outros gestos...

5:34 da tarde  

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