domingo, junho 22

Concorrência na saúde, a que preço? (2)





Com o post link pretendi abrir a discussão sobre as alternativas, verdadeiras, que se colocam ao SNS e desmistificar alguns argumentos que de técnicos pouco têm mas que, de tanto publicados, podem parecer verdades insofismáveis. Foi também minha intenção insistir na melhor organização do SNS. Não pretendi combater a ideologia transmitida mas apenas lembrar que, como as restantes «fés», todas são igualmente válidas e dignas. As opiniões veiculadas servem a concretização da estratégia e da comunicação (marketing) dos GP, mas é de questionar se não terão ido longe de mais na pressão (publicada) sobre o Estado e a opinião pública para alargarem a sua presença como prestadores, em detrimento do SNS. E é disso que se trata, como todos sabemos. Tudo o mais é poeira para os olhos ou espuma sem consistência bastante.

Estamos de acordo:
• Privado como complementar do SNS;
• Importância de ter bom mix público/privado em saúde;
• Ter um Estado só a regular e pagar não é «defensável»;
• O sistema dos EUA é dos mais ineficientes, iníquos e com sustentabilidade duvidosa;
• Alternativas ao SNS seriam: sistema tipo EUA ou outro que arrasta «grandes aumentos da despesas pública», ambos com efeitos negativos na competitividade e no deficit orçamental (sustentabilidade);
• Já há hospitais independentes (H. Descobertas e H. Luz), ou quase, o que é muito bom.

Onde não ficámos a saber:
• Qual o «… pensamento mais recente … que nega algumas destas premissas» (impossibilidade da concorrência perfeita funcionar em saúde);
• Afirma que «…os privados conseguem, quando se prestam a tal, praticar preços muito abaixo dos hospitais públicos nacionais» - não diz onde os preços são, por regra e para o conjunto dos actos produzidos, inferiores. Resta-nos por isso a apreciação, objectiva, da OCDE de que os nossos preços privados são superiores à média da EU, o que num país de nível de rendimento e de preços muito inferiores não atesta eficiência (nenhuma).

Discordamos:
Entre as questões onde discordamos seleccionei sete.
1 - Regulação tudo resolve: reconhecendo que o Estado é fraco a regular, organizar e controlar – é essa a experiência que todos temos – como esperar que, de repente, essa realidade mude 360 graus? Só pode ser argumento para fugir à questão (mercado não atinge aqueles objectivos);

2 - Todos os hospitais privados da EU funcionam, só pode ser assim, para o Estado.
Olhe que não, doutor:
• Há muitos hospitais por essa Europa fora que são completamente independentes e formam os seus próprios profissionais;
• As Cias de Seguro que suportam os GP (com os maiores bancos nacionais) foram convidadas por um governo para serem alternativa ao SNS e não aceitaram. Porque não fazem seguros integrais e em alternativa ao SNS? Porque a situação actual lhes convém mais! Enquanto for possível gerir a promiscuidade actual, fazer «facturação criativa» e extrair sobrelucros permanentes, sem verdadeiro e efectivo controlo pelo Estado, porquê mudar?

3 - Ataca os Prof.s PPB e JS, mas «não havia necessidade», estavam ausentes e não podiam responder. Percebo que não lhe agrade a ideia por eles defendida de acabar com a ausência de controlo que grassa nos subsistemas públicos: se funcionassem como seguradores e prestadores integrados concorreriam com os GP; se fossem integrados no SNS não continuava aquele descontrolo e os GP teriam muito menor receita. Só que são os contribuintes que pagam, na maior parte, a duplicação de cobertura e os proventos generosos obtidos pelos GP. Por isso lhe interessa manter o status quo?

4 - «… SNS, baseado em hospitais públicos, … é dos mais caros da Europa»:
a) Não sei onde foi buscar essa informação e gostava que a apresentasse aqui. O que se sabe é que o nosso SISTEMA de saúde gasta, em % do PIB em PPC, muito mais do que seria normal e esperado. O quê e quem é responsável? Em primeiro colocaria os altos preços praticados pela saúde privada (maiores que a média da EU), depois adicionaria a multiplicação de actos que promove (factor quantidade) e os efeitos perversos que o seu comportamento induz no SNS (ver minha citação do Porf. PPB), incluindo a sub-produtividade de algumas especialidades;

b) O SNS também tem «culpas no cartório». A verdade é que o SNS clama por organização e por solução de alguns problemas e «buracos negros» (como lhe chamou aqui um colega de blogue):
• As deficiência graves de resposta em cuidados primários e continuados - agora em vias de solução, parece;
• O «buraco negro» dos SU que provoca custos elevados, desorganiza a produção e permite o uso inapropriado, mas generalizado, de serviços de custo elevado em situações clínicas simples – provoca um custo de oportunidade altíssimo ao SNS e suporta as urgências que o privado não resolve, ainda que as produza;
• A inexistência de sistema de contratação interna que incentive os Serviços e de incentivos para os profissionais em função da produção - facilitaram a generalização de contratos à privada para produção de actos;
A incapacidade de gerir a contratação externa e de a controlar devidamente.

5 - Pessoal: ser do quadro do hospital ou do SNS é igual. Quando se trata de defender a concorrência e de afirmar que os privados são mais eficientes não parece bem:
• Omitir que se utilizam profissionais cuja formação/desenvolvimento o SNS paga;
• Esquecer que com os profissionais transita muitas vezes a informação e o próprio doente, quiçá já com os exames suportados pelo SNS;
• Calar que não é fácil concorrer (bem) consigo próprio, sobretudo quando estão em causa preços mais elevados que os da EU.

6 - Citação de J. White. Desculpar-me-á mas o seu arrazoado não passa disso mesmo, por ex.:
• Diz que a publicação «não é uma particularmente relevante. Podia ter escolhido outras.» Isto é, reconhece que há mais autores que chegam à mesma conclusão;
• Tenta contrariar a conclusão – o mercado em saúde não garante nem controlo de custos, nem acesso equitativo – referindo o que chama outros «modelos de organização» que o não são («mercado interno, semi-market»). A verdade é que os estudos efectuados nos EUA provaram que nenhum dos modelos experimentados (HMO, PPO, convencional) foi capaz de racionalizar os cuidados de saúde e atingir aqueles objectivos.

7- Diz que «…os hospitais EPE também recorrem a estes meios para equilibrar as suas contas» (multiplicar actos, por ex., consultas e exames desnecessários).
Tenho apenas duas perguntas:
1ª Conhece algum que o faça?
2ª Está a admitir que essa é a prática dos privados?

Contra corrente

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1 Comments:

Blogger e-pá! said...

DEBATE NA TVI MARCADO PELO SNS

60 minutos foi a duração do primeiro debate televisivo sobre as eleições directas no PSD.

Os candidatos à liderança do PSD Manuela Ferreira Leite e Pedro Passos Coelho declararam-se ontem a favor do fim do Serviço Nacional de Saúde (SNS) tendencialmente gratuito para todos, defendendo que sirva quem tem menos recursos. Esta posição de Ferreira Leite e Passos Coelho foi assumida no primeiro debate televisivo entre os candidatos à liderança do PSD, realizado durante o Jornal Nacional da TVI, que durou cerca de uma hora e em que também participaram Pedro Santana Lopes e Mário Patinha Antão.
"A política da Saúde vai ter muita dificuldade em ser financiada da forma como é. Considero que o SNS gratuito ou tendencialmente gratuito para todos é um aspecto que provavelmente vai ter de ser revisto", afirmou Manuela Ferreira Leite. "Uma coisa é o SNS ser um bom serviço, de qualidade, prestado às pessoas que não têm outro tipo de recursos; outra coisa é ser um serviço que acaba por ser mau para todos", expôs.
Segundo a ex-ministra das Finanças, "aqueles que têm muitos recursos não usam esse mau serviço, pagam impostos para manter esse serviço e simultaneamente tornam a pagar o serviço, porque vão aos serviços privados".
"Eu concordo com este princípio de acabar com a universalidade na área da saúde e não só", declarou, a seguir, Pedro Passos Coelho.
"Não sou liberal na área da saúde, considero que é necessário um SNS universal, tendencialmente gratuito, com as taxas moderadoras de que há pouco falei", contrapôs Pedro Santana Lopes, referindo-se às taxas moderadoras em função do rendimento, mas não sobre os internamentos e cirurgias.
O ex-primeiro-ministro adiantou que é um "defensor dos seguros de saúde" e de "uma separação clara entre o público e o privado" nesta área.
"Na educação, sou mais favorável ao papel dos privados, ao cheque-ensino. Na saúde, sou mais defensor da presença do Estado", resumiu Santana Lopes.
Por sua vez, Patinha Antão, ex-secretário de Estado do ministro da Saúde Luís Filipe Pereira, defendeu que a "transformação estrutural" no sector iniciada pelo seu executivo - chefiado por Pedro Santana Lopes - deveria ter sido prosseguida.

JP, 24.05.2008

Comentário:

Finalmente, caiu a máscara, sob a qual se acoitaram tantos políticos de Direita, quando se discutia politica social, nomeadamente, o SNS.

A partir de agora não há imitações, desculpas e indefinições.
Passam a existir 2 campos separadaos por um intransponível muro ideológico.
É, nestas situações que, perante a insistente negação dos neo-liberais, existe uma Direita e uma Esquerda. O SNS e o Sistema Educativo são, com toda a certeza, os traços de fractura da sociedade portuguesa. Constituiem uma trincheira entre o que é ter política social e a política do “salve-se quem poder.” Constituem a barreira que separa as desigualdades de rendimentos e sociais e o progresso democrático (económico, social e cultural).
Algum dia a ideologia haveria de vir à tona...

As declarações de Manuela Ferreira Leite: "aqueles que têm muitos recursos não usam esse mau serviço, pagam impostos para manter esse serviço e simultaneamente tornam a pagar o serviço, porque vão aos serviços privados", mostram para além de uma gritante falta de sensibilidade política e social, uma indigência de raciocínio e uma falta de confiança na argúcia dos portugueses.

Senhora professora: Vá ao Hospital da Luz, para a sua visão economista ao “H. do Cockpit”, preencha-o com uns tantos profissionais Saúde oriundos do SNS e estará a ser tratada num Hospital de *****. Mande para casa esses profissionais causadores dos mau serviço no sector público e estará a banhos ou num SPA de um Hotel de ****.
Prof Manuela Ferreira Leite: não trate desta maneira os servidores públicos. Para essa tarefa já tem o Engº. Sócrates e o ministro Teixeira Pinto. Procure a diferença noutras propostas.
Ontem, eram bestas (prestavam um mau serviço no SNS), hoje são bestiais (prestam um serviço de excelência no H Cockpit).
Isto porque percorreram meia dúzia de Km, isto é, “deslocalizaram-se” do H. Sta. Maria ou dos H. Civis até à Av. Lusíada, e deu-se o milagre!
De qualquer maneira, penso que houve um avanço. Pelo menos o SNS não foi ameaçado de ser desmantelado em 6 meses!

Concluindo, a causa de Portugal ser o pais com maior desigualdade de rendimentos da União Europeia ( in “Social Situation Report 2007 – Social cohesion through equal opportunities”) é políticos deste calibre sobreviverem sob uma aura de eficiência, rigor e competência. Nunca são desmascarados, vivem no limbo da inocência e do saber. Ora, até a Igreja já renunciou a este retrogado conceito de limbo.

Senhora Professora: vá pentear macacos!

10:40 da manhã  

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