segunda-feira, agosto 4

Dedicação exclusiva! Porque não ?


A intenção da Ministra da Saúde de estatuir o regime de dedicação exclusiva como regra para a carreira médica, deixando de haver possibilidade de escolha, pelos profissionais, do regime em que querem exercer funções, surpreende apenas pelo inesperado da decisão tendo em conta as opções em política de saúde dos últimos governos. Senão vejamos:
- Segundo o decreto das carreiras médicas em vigor (DL 73/90) link o regime de dedicação exclusiva é considerado como o regime de trabalho normal.
- Na versão original estava ainda estatuído que os novos lugares de direcção de serviço, bem como os Internatos, teriam de passar àquele regime de trabalho. E, ainda, que o trabalho em dedicação exclusiva poderia ser condição de admissão a concurso de provimento das vagas futuras. Como se sabe, todas estas medidas negociadas ao tempo com Leonor Beleza foram revogadas por Arlindo de Carvalho sob pressão da direcção da Ordem dos Médicos de então.
Assim, pelo conteúdo do decreto das carreiras, a intenção do trabalho médico no SNS passar a ser progressivamente em dedicação exclusiva era clara. Já à altura era evidente que a promiscuidade público/privado era a maior pecha do nosso Sistema de Saúde havendo que criar condições para que fosse debelada. A cedência do governo do Professor Cavaco Silva a pressões externas teve como consequência a perpetuação do “status quo” e a contínua descaracterização do SNS.

Sobre esta matéria recordo o que foi dito por Manuel Delgado no encerramento do 1º Ciclo de Conferências (1997/98) organizadas pela Fundação Gulbenkian, a quem coube fazer a síntese dos painéis sobre o tema “O Sistema de Saúde Português: Continuidade ou Reforma”:
- Foi referida a necessidade de fixar os profissionais da saúde aos serviços públicos onde trabalham. De facto, comentou-se que não há uma profissionalização plena de muitos agentes, designadamente da área médica, e isto foi apontado como um factor essencial na ineficiência e nos problemas de acessibilidade do SNS.
Defendeu-se, em conformidade, um estatuto profissional que caminhe para a dedicação exclusiva no sector público ou, em alternativa, no sector privado. Foi, a propósito, considerada pouco clara e dificilmente compatível a situação de duplo emprego (publico/privado) já que os interesses, horários e motivações são potencialmente conflituantes, diminuem a rentabilidade dos recursos e discriminam de forma iníqua o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde.

Ou seja, a recente decisão de Ana Jorge vem apenas colocar “on the track” uma reforma anteriormente iniciada e interrompida sem fundamentos, definindo um intervalo temporal de 10-15 anos para separar sectores. Pretende-se assim por cobro ao maior aleijão do Sistema Nacional de Saúde.

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6 Comments:

Blogger pensador said...

A Dedicação Exclusiva e a Combinação Público-Privado
Em Portugal, nos últimos anos, o SNS foi fragilizado por políticas de saúde inconsistentes e, muitas vezes, erráticas. Com efeito os sucessivos governos foram hesitando entre a manutenção de uma forte componente de serviço público e uma rápida alienação no sentido da privatização. Esta falta de clareza no rumo e na direcção das políticas de saúde abriu espaço a um “debate” pouco eficaz prejudicando a adopção de estratégias de longo prazo bem como o, desejável, aprofundamento, na discussão das questões relativas ao sistema de saúde. A apatia doutrinária sobre estas matérias levou a que se deixasse instalar na opinião pública a ideia da ingovernabilidade do SNS bem como da sua (para muitos) “conveniente” insustentabilidade económica e financeira. A passagem de LFP pelo governo agudizou esta apatia gerando um processo de preparação para a privatização progressiva do sistema de saúde. A partir de então defender a dominante pública do SNS (como resistentemente foi fazendo, ao longo dos últimos anos, António Arnaut) foi sempre lido como um arcaísmo ideológico, uma questão fora do seu tempo ou, como diria MB, um certo maniqueísmo esquerdista inibidor da modernidade. Para os neófitos agentes reformadores do SNS (engenheiros, economistas, consultores, empresários e quejandos) as questões relativas ao papel do Estado na coesão e inclusão social constituíam matéria putrefacta esquecida no baú de uma esquerda perdida no tempo. A modernidade estava ali e baseava-se no empreendedorismo, no mercado, na concorrência, na livre iniciativa e na indispensável substituição do Estado pelos privados no sistema de saúde. Esta deriva abriu caminho à proliferação anárquica de investimento privado no qual se foram misturando investidores individuais, grupos financeiros, construtores civis e outros géneros de empresários bem como as “modernas piranhas” do sistema financeiro vulgarmente designadas por sociedades de capital de risco.
É para todos evidente que o “mercado” da saúde é aliciante pelo volume financeiro que representa mas, sobretudo, porque ao Estado cumprirá sempre garantir e assegurar o financiamento dos cuidados de saúde aos cidadãos. É por isso que defender a componente pública do SNS incomoda a corte dos interesses que vivem na dependência deste modelo e se preparavam para consolidar a sua intervenção no sector da saúde.
A questão da dedicação exclusiva terá feito soar o alarme das preocupações. Com efeito, se esse projecto fosse por diante os interesses privados correriam muitos riscos. A rede pública tornar-se-ia, inexoravelmente, mais eficiente (vejam-se os exemplos do CRI do Prof. Manuel Antunes ou as USF’s ao nível dos CSP’s). Os profissionais que fossem trabalhar para o sector privado teriam de fazer contratos de trabalho a tempo inteiro, com encargos sociais e vínculo estável e duradouro. Acabariam as convenientes fórmulas das prestações de serviços ou do comissionamento da actividade. Só por si este factor comprometeria, seriamente, a propagandeada eficiência do sector privado. Depois, no plano das motivações, a disputa com o SNS seria fatal (formação, investigação, ensino) tudo factores de agravamento de custos que, idealmente, para estes investidores, apenas o Estado, ineficiente, deveria acomodar. Além disso seria quebrado o fluxo perfeito dos circuitos público-privado em que as unidades públicas fazem de front-office (para angariação e geração de procura) e ao mesmo tempo de back-office (para a realização de actos e procedimentos muito caros ou de elevada tecnicidade ou então para a administração de terapêuticas dispendiosas). Ao mesmo tempo a dedicação exclusiva comprometeria a “manometria” da gestão da procura e da oferta na relação público-privado (MCDT´s que não se podem fazer no público mas que, diligente e oportunamente, são oferecidos no privado). A própria definição de preços das tabelas que o Estado se propõe pagar corria o risco de passar a ser feita com maior isenção e independência. Com efeito não faz nenhum sentido pagar (em convenção ou em SIGIC) actos e procedimentos médicos sem uma definição rigorosa da respectiva estrutura de custos bem como da utilidade económica decorrente da sua não realização na rede pública. Este modelo apenas tem servido para introduzir incentivos morais adversos de “desvio” de doentes para o sector privado forçando a dependência do Estado perante terceiros. A dedicação exclusiva comportaria ainda um outro risco para o sector privado que seriam as visitas surpresa do Senhor Bastonário averiguando das condições de trabalho dos médicos, constituição das equipas e natureza dos contratos (o que até aqui, felizmente para o sector privado, nunca aconteceu porque sobre essa matéria o Senhor Bastonário mantém uma reserva muito prudente).
Investir no SNS e apostar na modificação profunda do regime de carreiras médicas e dos modelos remuneratórios dos médicos no SNS constitui a resposta política necessária de quem quer resolver, com seriedade, esta questão. Ainda que seja começando pelos novos Internos definindo projectos de carreira que garantam a vitalidade do SNS e o seu desenvolvimento. A prossecução de uma estratégia ambígua caracterizada pelas dúvidas em investir no SNS, em melhorar a respectiva gestão e em garantir a respectiva qualidade pode comprometer o futuro.

1:39 da manhã  
Blogger Carago said...

Caro Pensador

Argumentação interessante sem dúvida...mas permita-me uma correcção ou esclarecimento...
1º Onde está demonstrado que as USFs são mais eficientes?
2º Os médicos que estão nas USFs podem ou não estar em exclusividade...

11:46 da tarde  
Blogger Unknown said...

Já alguém se perguntou se as proezas do CRI do Prof Manuel Antunes se devem aos actos de gestão e eficiência do modelo ou `selecção que é feita aos "doentes"?

3:47 da manhã  
Blogger O cavalinho da chuva said...

O CRI do Prof. Manuel Antunes dá lucro, estando metade fechado - o que é um exemplo de gestão temporária, a Sonae Indústria também fechou 2 fábricas e não faz qualquer pagamento na Contabilidade Interna - pagamento aos outros Departamentos pelos serviços prestados - se e quando o tiver que fazer vamos ver se dá para pagar a disponibilidade permanente e as extraordinárias.

12:10 da tarde  
Blogger Joaopedro said...

É escusado dizer que os maiores inimigos do SNS são os de dentro, como se pode ver pelos dois comentários anteriores.
Verdadeiros comentários `*a Tonitosa.
O CRI do Prof. MA não tem lista de espera, e tem a produção que tem porque selecciona os doentes.
Quantos aos lucros não é disso que se trata.
Mas se compararmos os custos por doente tratado com outro qualquer centro de cirurgia cardiotarácica da UE, o CRI está entre os melhores.
Somos um país de mesquinhos invejosos. Uma das razões porque não vamos lá!

3:13 da tarde  
Blogger Unknown said...

Caro Joao Pedro: Agredeço-lhe o "mimo" mas de facto o colega blogger faz referência a lgo muito importante: à selecção de doentes...

É mais fácil obter melhores resultados seleccionando os que têm melhor prognóstico não? Em indicadores de saúde e em menores gastos... Mas o João Pedro já deve saber disso não?

9:13 da tarde  

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