quarta-feira, agosto 6

Reorganizar o Hospital Público

Hospital Santo António, EPE
Caro Tá visto

1.- Depois do que afirmou – e tem a minha inteira concordância – parece-me que podemos fazer o seguinte enunciado:
- Estruturar os HH em CRI’s, correctamente definidos nos objectivos a atingir e nos recursos afectados, seria um grande passo em frente na organização interna do hospital que bem precisa de ser recentrado no utente e na qualidade da resposta à procura de cuidados de saúde. Coisas simples mas insuficientemente interiorizadas: os profissionais, até os médicos, não são mais que recursos, importantíssimos e imprescindíveis, mas só recursos para o melhor serviço do doente, e não o inverso, como tão frequentemente se verifica no dia a dia e não só;
- Enquanto permanecer a promiscuidade de exercício profissional (público e privado) e não for definido, pelo menos nos seus pontos essenciais, o sistema de avaliação e de remuneração dos profissionais avançar para a organização em CRI’s não faz sentido, porque seriam assumidos custos adicionais com grande probabilidade de ocorrerem distorções e não serem atingidos os objectivos, entre eles a redução significativa da sub-produtividade do SNS que alimenta o sector privado e garante clientela ao exercício liberal, com níveis de preços ostensivamente desfasados com os proventos da população;
- Há, pelo menos no Saudesa, total consenso (nenhuma voz discordante ou sequer reticente) sobre a excelência de resultados, medidos em termos de quantidade e de qualidade de produção, atingidos pelo CRI dos HUC, liderado pelo Prof. Manuel Antunes. Desconhece-se, no entanto, qual o montante de despesa adicional que deve imputar-se a esta magnífica realização e, sem que se conheça, seria no mínimo imprudente (para não dizer irresponsável) replicá-lo generalizadamente, porque o montante total a assumir poderia revelar-se incomportável para o orçamento do SNS. Já não se diria o mesmo se o que estivesse em causa fosse apenas alargar a experiência, com mais dois ou três casos, se possível noutros HH e noutras áreas que não a da cirurgia cardíaca e pulmonar, para se poder concluir com maior segurança;
- O MS não terá avançado com este modelo organizacional provavelmente por pensar que os custos não são suportáveis ou por não possuir mecanismos de controlo desses mesmos custos, designadamente pela falta de fiabilidade da contabilidade analítica que retira significado à comparação de custos entre serviços afins para cirurgias idênticas e aferidos ao risco operatório.

2.– Também convergimos quanto à necessidade de haver processos regulares de auditoria e de concentrar esforços na melhoria da regulação interna, a fim de evitar eventual selecção de doentes (desnatação), através da escolha de patologias mais simples e doentes mais jovens e menos críticos, ou de “overtreatment” para aumentar proventos, procedimentos estes que, a existirem, falseiam qualquer avaliação, bem como a possibilidade de comparar custos nos HH.

3.– Quanto ao trabalho de Andreia Abreu Lopes
link citado pelo “tambemquero”, além de considerar justas as considerações do Tá visto, ocorre-me referir ainda o seguinte:
- O que nos é apresentado são apenas conclusões. Ignoramos quais os cinco HH públicos seleccionados e qual a informação, de um e outro lado, que suporta as conclusões; a verdade é que aí pode estar (não digo que está) a explicação de muita coisa, ainda que seja referido que “esta comparação (menor mortalidade) teve em conta as diferenças na complexidade dos casos tratados nos vários hospitais analisados”;
- Depois, para concluir por uma menor utilização de recursos, toma “como indicador indirecto o tempo de internamento” – menor demora média –. Para um novíssimo e tão reclamado hospital como o da Luz, pela tecnologia de que dispõe e pela excelência da sua concepção, parece-me que alguma coisa está desajustada. A cama, como elemento de avaliação de um hospital, há muito que perdeu importância com a evolução técnica e com as novas possibilidades actualmente disponíveis sem necessidade de recurso ao internamento. Tomar a duração deste para medir os recursos utilizados significa valorizar apenas a variação que se encontrar em 3 a 10% (creio que não mais) da totalidade dos custos: apenas a hotelaria. Tudo o mais está na dependência directa do que, durante a estadia, for feito e que pode ser nada ou mesmo muita coisa, por exemplo em situações de hospitalização por motivo de urgência. Parece-me não ser necessário mais para se poder afirmar que não será com base na duração do internamento que se poderá concluir por uma menor utilização de recursos na Medicina Interna do hospital da Luz. Do mesmo modo que não será apenas a partir da taxa de mortalidade que se poderá dizer se existem ou não “custos em termos da qualidade clínica”.

4. Há, no entanto, um aspecto que me parece dever ser relevado. A afirmação de especializações e sub-especializações na área do conhecimento médico, apoiado pelo progresso tecnológico, teve – e suponho que não teria de ter tido – um paralelismo talvez excessivo nos esquemas de serviços dos hospitais. Levou até a que a capacidade de intervenção destes se fizesse, em larga medida, pela extensão desse esquema de serviços e pelo número de camas atribuído a cada um deles, pressupondo-se tudo o resto. O que, obviamente, se fez em prejuízo da Medicina Interna e também da Cirurgia Geral, vistas apenas como depositárias do conhecimento e das técnicas residuais, não autonomizados sob hierarquia e instalações próprias, com maior relevo do tratamento de doenças e com risco de menor consideração do doente como um todo. Desculpem-me se me arrisco a falar desta problemática todos aqueles que têm obrigação de melhor a conhecer. Que valha pelo menos como provocação.
Se não estou em erro, foi no caderno de encargos dos concursos para os HH-PPP que, pela primeira vez entre nós, a organização interna do hospital ganhou relevo significativo. Aos concorrentes foi exigido que apresentassem o modelo de organização a implementar no caso de a sua proposta sair vencedora, modelo que obviamente deveria ser coerente com as diferentes peças da proposta e, designadamente, ter tradução no projecto de arquitectura. Segundo informação que ao tempo me chegou, vários concorrentes optaram pelo modelo de organização em CRI’s.
Ora, o trabalho acima referido, de Andreia Abreu Lopes, visa principalmente afirmar a vantagem da existência de um CRI de Medicina Interna, e a tese parece-me correcta, embora com demonstração não conseguida.

Aidenós

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2 Comments:

Blogger e-pá! said...

Caro Aidenós:

Posso garantir-lhe que, num dos HH Universitários portugueses (não são muitos), jaz - esse é o termo - uma proposta (burocraticamente)acabada e exaustivamente discutida de constituição de uma CRI, numa situação intermédia à proprosta no post.
Isto é, a criação de um CRI numa área clinica intermédia. Numa "especialidade directa", de "orgão", ou se quiser, médico-cirurgica.

Esta propsta equacionava os custos, mecanismos de controlo destes,contabilidade analítica rigorosa, baseada em estudos de custos, nomeadamente através do indice de case-mix, avaliação dos resultados, etc.
Recebeu, num primeiro tempo, a adesão dos CA, nomeadamente da Direcção Clínica, tendo vindo a ser obstaculizada - e enviada para a gaveta - pela gestão administrativa.

O melhor pretexto "inventado" foi que provavelvemente seria mais "interssante" associar vários serviços (mesmo sem qualquer afinidade clinico-patológica), mas com disparidade de custos e resultados.
A tentação de criar sistemas ou subterfúgios que gerem equilíbrios (instáveis) a montante do CA.
Sendo assim, a actual concepção mais parece a teoria da dissiminação de "amortecedores" em unidades ficticiamente agrupadas a fim de enveredar para soluções salomónicas e não caminhar ao encontro de sinergias.

Agora, que foi leventada novamente a "lebre" da "promiscuidade de exercício profissional (público e privado)" ninguém quer ver quiasuer viabilidades na definição d'"o sistema de avaliação e de remuneração dos profissionais".

Faltará discutir muito acerca da organização dos CRI hospitalares, mas há um facto que não pode continuar a ser escamoteado:
- estes centros colidem (tanto mais quanto melhores resultados obtiverem) com o equilíbrio de poderes dentro do Hospital.

Na verdade, a "clinical governance" é - para a gestão hospitalar - uma incontornável ameaça à paz podre que parece equilibrar os poderes e saberes dentro dos Hospitais.

Não vale a pena evocar o nome dos doentes em vão.
Pode ser "pecado".
Eles conhecem a cara dos prestadores de cuidados e alguns vão conhecendo as questões organizativas.

Na verdade, a constituição de CRI's levaria a uma optimização de resultados decorrente da cooperação entre a clinical governance e a gestão administrativa.

Ignorar isto quando se fala de reorganização hospitalar é passar ao lado do premente, do essencial.

Em férias, na Quixaba, Nordeste de Brasil.

9:28 da tarde  
Blogger Saúde Oral said...

BONS VENTOS VINDOS DE ESPANHA ?

Em seis dias, um oftalmologista espanhol realizou 234 cirurgias a doentes com cataratas no Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, num processo que está a "indignar" a Ordem dos Médicos. Os preços praticados são altamente concorrenciais, tendo sido esta a solução encontrada pelo hospital para combater a lista de espera. O paciente mais antigo já aguardava desde Janeiro de 2007, tendo ultrapassado o prazo limite de espera de uma cirurgia. No ano passado chegaram a existir 616 novas propostas cirúrgicas em espera naquela unidade de saúde. Os sete especialistas do serviço realizaram apenas 359 operações em 2007 (cerca de 50 por médico num ano). No final do ano passado, a lista de espera era de 384, e foi entretanto reduzida a 50 com a intervenção do médico espanhol.

A passagem pelo Barreiro durante o mês de Março - onde garante regressar nos próximos dois anos, embora o hospital não confirme - foi a segunda experiência em Portugal do oftalmologista José Antonio Lillo Bravo, detentor de duas clínicas na Extremadura espanhola - em Dom Benito (Badajoz) e Mérida. Entre 2000 e 2003 já havia realizado 1500 operações no Hospital de Santa Luzia, em Elvas, indiferente às "críticas" de que diz ter sido alvo dos colegas portugueses. "Eu percebo a preocupação deles e sei porque há listas de espera tão grandes em Portugal. É que por cada operação no privado cobram cerca de dois mil euros", diz ao DN o oftalmologista espanhol, inscrito na Ordem dos Médicos portuguesa, que cobrou 900 euros por cada operação realizada no Barreiro.

"Tive a curiosidade de saber qual é a média de cirurgias mensais no hospital e verifiquei que em Janeiro se fizeram 28 intervenções, sendo que 21 dos doentes foram operados com anestesia geral", referiu, sustentando que a sua técnica já nada tem a ver com esse método.

O oftalmologista, que assume acompanhar o pós- -operatório, explicou que recorre a anestesia local, feita com umas gotas de colírio anestésico, sendo a cirurgia realizada por meio da facoemulsificação. Um procedimento avançado que consiste em remover o cristalino defeituoso de dentro do olho, por um microorifício de apenas 2,5 milímetros, segundo explicou José Bravo, especialista desde 1992 pela Universidade Autónoma de Madrid. "Não há necessidade de suturas. Depois procede-se ao implante de uma lente intra-ocular que devolve a visão normal ao doente. Ao fim de cinco dias a pessoa vai para casa", revelou, garantindo que Portugal regista "um grande atraso" nesta valência, sendo ainda muito utilizada a extracção extracapsular da catarata - chamada EECC - na qual o paciente necessita de pelo menos 15 dias para reconquistar a visão.

As 234 cirurgias realizadas no Barreiro, por um total de 210 mil euros, foi o limite possível sem haver necessidade de abrir concurso público internacional, sendo que o médico fez deslocar a sua equipa e ainda o microscópio e o facoemulsificador. O hospital disponibilizou somente um enfermeiro para prestar apoio.

A administração do hospital garante estar satisfeita com os resultados obtidos neste projecto, sabendo o DN que a ideia de recorrer a José Bravo foi colocada por uma representante hospitalar que conheceu o médico durante as operações realizadas em Elvas. Os administradores alertam que o próprio director de Oftalmologia do hospital deu "informação favorável", justificando que a decisão de contratar serviços clínicos espanhóis visa "dar satisfação às necessidades da população", numa altura em que "a lista de espera para cirurgia oftalmológica, teima em persistir ao longo dos últimos tempos e que tem constituído motivo de reclamação de alguns utentes"

ROBERTO DORES

Fonte: http://dn.sapo.pt/2008/04/05/cidades/medico_espanhol_234_cirurgias_seis_d.html

12:52 da manhã  

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