Reconstruir o SNS com os médicos
Cumprimento o Tá Visto link e o Rezingão link pelos excelentes posts com que nos brindaram neste tema. Penso que todos gostaríamos de os ter subscrito. O comentário que se segue não traz novidades, tanto mais que o essencial já foi dito pelos bloguistas citados, visa apenas completar os pontos por eles expressos.
1. Fantasia & irrealismo, Lda
Houve tempo em que, em matéria de reivindicações, se acreditou que tudo era possível desde que se falasse alto e grosso. Exigir simultaneamente: mais salário; facilidades de promoção (sem avaliação); aumento de retribuição variável (horas extra ainda melhor pagas, tempo acrescido, etc.); maior número de pessoas para o mesmo trabalho (mais pares, mais subordinados). Também se pensou que se podia – a pedido de autarcas, políticos-gestores e outros políticos – aumentar sem racionalidade o nº de hospitais ou as prestações gratuitas. O Estado, essa entidade longínqua e indefinida, tudo pagaria sem consequências de maior. Estamos nós a pagar agora, em impostos e outros custos (ex. perda de competitividade e de empregos), essas fantasias e irresponsabilidades. Pagarão os nossos filhos pelo aumento da dívida pública em juros e menor Produto potencial.
Evitar a proliferação de “urgências” em todo o país e, sobretudo, reduzir a duplicação indevida nas grandes áreas metropolitanas (Lisboa, Porto, Coimbra) é fundamental para aumentar a produção e a qualidade dos hospitais, aqui entendida nas suas diferentes dimensões (incluindo a eficiência). Não o fazer será reproduzir a eterna “insuficiência” de profissionais, ainda que com mais médicos estrangeiros, e prejudicar a sustentabilidade do SNS e do Estado.
A especificidade dos hospitais (e da saúde) não permite que a gestão actue num hospital como se de fábricas de sapatos se tratasse. Os profissionais merecem ser acarinhados e tratados como o investimento mais precioso do SNS. Carreira e autonomia técnicas são essenciais para bons resultados do hospital como também o é a sua participação na gestão e em esforços de melhoria.
2. Com os profissionais em águas límpidas
A carreira à “função pública” é um produto típico da burocracia, que sobrevive bem em serviços simples, facilmente normalizáveis, regulamentáveis ao pormenor e propícios à decisão central. Conduzem sempre a: inexistência de verdadeira avaliação e à promoção por idade (“único factor objectivo”); aumento de poder dos representantes (das corporações); insensibilidade aos clientes; complacência com resultados pobres (irresponsabilidade local). Por sua vez igualdade absoluta de remuneração e exclusividade (como direito e sem contrapartidas em actividade) conduzem a baixa produtividade e, porque iníquas, rapidamente desmotivam os profissionais. Pode-se “levar uma vida santa” (sic Carlos Ferreira, Visão de 25/09/08 link) mas não é motivador para os profissionais nem facilita a melhor resposta aos doentes, em nº actos, tempo oportuno, atenção e serviço de qualidade.
Para esse peditório já demos (demais). Os hospitais são empresas públicas e o contrato individual de trabalho é o estatuto adequado para os profissionais. As empresas (especiais) que são os hospitais requerem profissionais autónomos, dentro de carreira técnica bem definida e com retribuição equitativa em função dos resultados. A precariedade em saúde deve evitar-se “a outrance”. A exclusividade deve estar associada a objectivos a cumprir, os incentivos ligados ao desempenho e após avaliação.
O valor da retribuição global deve ser sustentável para o SNS, para o hospital e unidades que o compõem (CRIs) – aqui sempre que possível, em função da adequação do sistema de financiamento e do que a adaptação estrutural impuser. Esse valor depende da relação entre os resultados obtidos (produção e outros) e os recursos utilizados (todos os), sabendo-se que ninguém poderá pagar “muito a todos”, muito menos se os resultados não o permitirem. Faz por isso todo o sentido que:
Se procure a substituição possível de trabalho, sem prejuízo da qualidade e segurança para doentes e profissionais – em linha com o afirmado por Anselmo Costa na Visão, “os hospitais portugueses não precisam de mais médicos, precisam é de mais enfermeiro e secretárias, que nos libertem para exercer medicina”;
Depois, se estude devidamente a necessidade de pessoal nos diferentes grupos profissionais, face à disponibilidade e produção requerida pelo SNS (determinar os limites de variação aceitáveis em ETC, do mínimo exigido ao máximo admissível, com a colaboração dos representantes dos profissionais).
Os profissionais devem ganhar “bem”, percebendo que mereceram a retribuição porque cumpriram os objectivos da sua Unidade, contribuindo para que o hospital funcione melhor e os doentes tenham um serviço de que se todos se orgulham (profissional, gestor, doente, cidadão e seus representantes). O SU deve ser profissionalizado e ser retribuído de modo mais “generoso”, tendo em conta o tipo de trabalho e as condições em que decorre.
Aqui, como em muitas outras situações, é mais importante “mudar a água que os peixes” (nas palavras de uma distinta AH), que é o que a gestão deve fazer.
Nota: fala-se muito dos perigos de médicos estrangeiros não qualificados e da baixa retribuição dos médicos em Portugal. Ora, segundo o DN de 29/9/08, dos 4287 médicos estrangeiros que trabalham em Portugal 60% provêm da UE, logo será de concluir que: a qualificação não é um problema muito grande; a retribuição global não é assim tão baixa.
3. Gestão próxima e participada.
A gestão deve criar condições (estratégia, estrutura, sistemas de gestão) e ambiente que propiciem bons resultados em todo o hospital. Começar por estratégia clinicamente informada participada amplamente, fomentando a cooperação e a coordenação com os restantes serviços de saúde, no respeito pelas regras do SNS (ex. rede de referenciação) e pelo papel previsto para o hospital. Deverá actuar numa perspectiva sistémica: aperfeiçoar a contratualização interna, definir objectivos, efectuar avaliação que permita pagar incentivos.
Na sua actuação corrente deverá, em minha opinião, não desmotivar e não dar os incentivos errados, como seria (cito elementos referidos na Visão):
a) Não aliviar os profissionais da burocracia desnecessária, através de sistemas de informação ajustados, da automatização e da substituição possível de trabalho;
b) Permitir o recrutamento dos médicos do próprio hospital como tarefeiros (incentivo perverso);
c) Promover a iniquidade de retribuição entre profissionais do hospital e tarefeiros de SU usando os incentivos errados, por exemplo recrutando tarefeiros para contornar o limite de 0% em pessoal e obter o incentivo institucional.
Sabendo que tudo se paga (cf 1º parágrafo) e tendo em conta a difícil situação do país (e as nuvens que já se antevêem) convinha que o Governo perceba que está a negociar e deverá chegar a um bom acordo, apesar da margem de manobra orçamental ser muito escassa e de não ser de todo aceitável voltar à situação de anos anteriores (levaria a não cumprir o pacto de estabilidade e crescimento e a comprometer o futuro). Espera-se também que os representantes dos profissionais sejam responsáveis evitando colocar o governo entre a espada das suas reivindicações e a parede - de Bruxelas e das limitações impostas pelo PIB e pelo interesse dos contribuintes.(pressionado por reivindicações irrealistas um futuro governo poderá: retomar a privatização e as PPP; esvaziar o SNS, reduzindo a sua universalidade e/ou cobertura).
1. Fantasia & irrealismo, Lda
Houve tempo em que, em matéria de reivindicações, se acreditou que tudo era possível desde que se falasse alto e grosso. Exigir simultaneamente: mais salário; facilidades de promoção (sem avaliação); aumento de retribuição variável (horas extra ainda melhor pagas, tempo acrescido, etc.); maior número de pessoas para o mesmo trabalho (mais pares, mais subordinados). Também se pensou que se podia – a pedido de autarcas, políticos-gestores e outros políticos – aumentar sem racionalidade o nº de hospitais ou as prestações gratuitas. O Estado, essa entidade longínqua e indefinida, tudo pagaria sem consequências de maior. Estamos nós a pagar agora, em impostos e outros custos (ex. perda de competitividade e de empregos), essas fantasias e irresponsabilidades. Pagarão os nossos filhos pelo aumento da dívida pública em juros e menor Produto potencial.
Evitar a proliferação de “urgências” em todo o país e, sobretudo, reduzir a duplicação indevida nas grandes áreas metropolitanas (Lisboa, Porto, Coimbra) é fundamental para aumentar a produção e a qualidade dos hospitais, aqui entendida nas suas diferentes dimensões (incluindo a eficiência). Não o fazer será reproduzir a eterna “insuficiência” de profissionais, ainda que com mais médicos estrangeiros, e prejudicar a sustentabilidade do SNS e do Estado.
A especificidade dos hospitais (e da saúde) não permite que a gestão actue num hospital como se de fábricas de sapatos se tratasse. Os profissionais merecem ser acarinhados e tratados como o investimento mais precioso do SNS. Carreira e autonomia técnicas são essenciais para bons resultados do hospital como também o é a sua participação na gestão e em esforços de melhoria.
2. Com os profissionais em águas límpidas
A carreira à “função pública” é um produto típico da burocracia, que sobrevive bem em serviços simples, facilmente normalizáveis, regulamentáveis ao pormenor e propícios à decisão central. Conduzem sempre a: inexistência de verdadeira avaliação e à promoção por idade (“único factor objectivo”); aumento de poder dos representantes (das corporações); insensibilidade aos clientes; complacência com resultados pobres (irresponsabilidade local). Por sua vez igualdade absoluta de remuneração e exclusividade (como direito e sem contrapartidas em actividade) conduzem a baixa produtividade e, porque iníquas, rapidamente desmotivam os profissionais. Pode-se “levar uma vida santa” (sic Carlos Ferreira, Visão de 25/09/08 link) mas não é motivador para os profissionais nem facilita a melhor resposta aos doentes, em nº actos, tempo oportuno, atenção e serviço de qualidade.
Para esse peditório já demos (demais). Os hospitais são empresas públicas e o contrato individual de trabalho é o estatuto adequado para os profissionais. As empresas (especiais) que são os hospitais requerem profissionais autónomos, dentro de carreira técnica bem definida e com retribuição equitativa em função dos resultados. A precariedade em saúde deve evitar-se “a outrance”. A exclusividade deve estar associada a objectivos a cumprir, os incentivos ligados ao desempenho e após avaliação.
O valor da retribuição global deve ser sustentável para o SNS, para o hospital e unidades que o compõem (CRIs) – aqui sempre que possível, em função da adequação do sistema de financiamento e do que a adaptação estrutural impuser. Esse valor depende da relação entre os resultados obtidos (produção e outros) e os recursos utilizados (todos os), sabendo-se que ninguém poderá pagar “muito a todos”, muito menos se os resultados não o permitirem. Faz por isso todo o sentido que:
Se procure a substituição possível de trabalho, sem prejuízo da qualidade e segurança para doentes e profissionais – em linha com o afirmado por Anselmo Costa na Visão, “os hospitais portugueses não precisam de mais médicos, precisam é de mais enfermeiro e secretárias, que nos libertem para exercer medicina”;
Depois, se estude devidamente a necessidade de pessoal nos diferentes grupos profissionais, face à disponibilidade e produção requerida pelo SNS (determinar os limites de variação aceitáveis em ETC, do mínimo exigido ao máximo admissível, com a colaboração dos representantes dos profissionais).
Os profissionais devem ganhar “bem”, percebendo que mereceram a retribuição porque cumpriram os objectivos da sua Unidade, contribuindo para que o hospital funcione melhor e os doentes tenham um serviço de que se todos se orgulham (profissional, gestor, doente, cidadão e seus representantes). O SU deve ser profissionalizado e ser retribuído de modo mais “generoso”, tendo em conta o tipo de trabalho e as condições em que decorre.
Aqui, como em muitas outras situações, é mais importante “mudar a água que os peixes” (nas palavras de uma distinta AH), que é o que a gestão deve fazer.
Nota: fala-se muito dos perigos de médicos estrangeiros não qualificados e da baixa retribuição dos médicos em Portugal. Ora, segundo o DN de 29/9/08, dos 4287 médicos estrangeiros que trabalham em Portugal 60% provêm da UE, logo será de concluir que: a qualificação não é um problema muito grande; a retribuição global não é assim tão baixa.
3. Gestão próxima e participada.
A gestão deve criar condições (estratégia, estrutura, sistemas de gestão) e ambiente que propiciem bons resultados em todo o hospital. Começar por estratégia clinicamente informada participada amplamente, fomentando a cooperação e a coordenação com os restantes serviços de saúde, no respeito pelas regras do SNS (ex. rede de referenciação) e pelo papel previsto para o hospital. Deverá actuar numa perspectiva sistémica: aperfeiçoar a contratualização interna, definir objectivos, efectuar avaliação que permita pagar incentivos.
Na sua actuação corrente deverá, em minha opinião, não desmotivar e não dar os incentivos errados, como seria (cito elementos referidos na Visão):
a) Não aliviar os profissionais da burocracia desnecessária, através de sistemas de informação ajustados, da automatização e da substituição possível de trabalho;
b) Permitir o recrutamento dos médicos do próprio hospital como tarefeiros (incentivo perverso);
c) Promover a iniquidade de retribuição entre profissionais do hospital e tarefeiros de SU usando os incentivos errados, por exemplo recrutando tarefeiros para contornar o limite de 0% em pessoal e obter o incentivo institucional.
Sabendo que tudo se paga (cf 1º parágrafo) e tendo em conta a difícil situação do país (e as nuvens que já se antevêem) convinha que o Governo perceba que está a negociar e deverá chegar a um bom acordo, apesar da margem de manobra orçamental ser muito escassa e de não ser de todo aceitável voltar à situação de anos anteriores (levaria a não cumprir o pacto de estabilidade e crescimento e a comprometer o futuro). Espera-se também que os representantes dos profissionais sejam responsáveis evitando colocar o governo entre a espada das suas reivindicações e a parede - de Bruxelas e das limitações impostas pelo PIB e pelo interesse dos contribuintes.(pressionado por reivindicações irrealistas um futuro governo poderá: retomar a privatização e as PPP; esvaziar o SNS, reduzindo a sua universalidade e/ou cobertura).
Hermes
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13 Comments:
Caro Hermes:
Vai ser difícil integrar os médicos em tantos e variados parâmetros, simultâneamente.
Transformar as condições de vivência actual dos médicos - de completo divórcio dos processos de gestão e produção, em stakeholder's capazes de reconstruir o SNS, assusta e é, para mim, utópico.
Fala-se como se as "carreiras médicas", já estivessem definidas, acordadas e a vigorar.
As divergências são muito profundas - desde a peregrina ideia de "carreira única" à "dedicação exclusiva" que, ainda, nem sequer chegou à mesa de negociações.
Mas, neste momento, para fazer uma mudança significativa - do tipo da reconstrução do SNS - tal não será possível sem a conclusão e o acordo de um modelo de "carreiras médicas".
Hoje, não vivemos tempos de fantasia e irrealismo como os que refere. Hoje, nessa área do irrealismo, o pedestral é para os "especuladores" (financeiros, de preferência).
Navegar em águas limpidas, para além da DE, não pode significar o CIT, que considera o "estatuto adequado". Com certeza que economicamente adequado já que permite jogar com o mercado (oferta e procura) e com circunstâncias particulares.
Não haverá sossego - nem reconstrução - sem um Acordo Colectivo de Trabalho (que não significa que todos ganhem igual - produzam ou não!)
Por melhores ou piores empresas que sejam os HH's (num momento empresas, noutros instituições especiais, como toda a Saúde), têm trabalhadores, também especiais, diferenciados e qualificados. Quando esquecemos isso e os tratamos como lumpen, esbarramo-nos no primeiro obstáculo.
Falámos da gestão próxima e participada, julgo que referimos aos CRI's, mas essa mudança, esse tipo de "gestão próxima e participada" não é prioridade para qualquer Administração, nem estará no horizonte de muitas. Falta agendá-los. Até parecem activos "toxicos"...
Para reconstruir o SNS, os médicos não bastam, temos perfeita consciência da nossa indispensabilidade, mas também das nossas limitações, da necessidade de cooperação com todos os sectores profissionais da Saúde.
Existe, portanto, a imperiosa necessidade de modificar coisas aparentemente corriqueiras, mas na verdade muito mais difíceis: comportamentos, atitudes, posturas.
Mudar a "cultura hospitalar"
"Sabendo que tudo se paga", ou que não há almoços de borla, também sabemos, que tudo se vende, tudo se emparceira e tudo se negoceia. Que tudo se perde e que tudo se ganha, muitas vezes por minudências. Não há vencedores, nem perdedores antecipados. Nem, o senso comum, é obrigatóriamente, uma virtude.
Quando me encontro confrontado com desafios tão grandes, quando me sinto "desprotegido" numa luta que é para travar em comum, colectivamente, com a consciência política de ser um dever social, de cidadania, gosto de me refugiar em Fernando Pessoa:
"Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem sempre todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor. Vence só quem nunca consegue.
in "Livro do Desassossego"
Nota: Já não exerço no SNS. Em relação ao SNS poderei ser um mero utente (antes utente do que doente!)
Sou um profissional "livre", já aposentado que, ainda, ocupa parte do seu tempo com a Medicina e, outra, a discutir Saúde, Política,... a Vida.
Um texto excepcional, a ir ao âmago do problema.
A reestruturação das carreiras e autonomia técnica dos profissionais de saúde é uma questão central da reforma do serviço público de saúde.
Por isso, nas negociações em curso, neste ponto estou inteiramente de acordo com a análise do Hermes, as estruturas de classe, sem prejuízo da defesa dos seus legitimos interesses, devem ter a preocupação de evitar «colocar o governo entre a espada das suas reivindicações e a parede - de Bruxelas e das limitações impostas pelo PIB e pelo interesse dos contribuintes.(pressionado por reivindicações irrealistas um futuro governo poderá: retomar a privatização e as PPP; esvaziar o SNS, reduzindo a sua universalidade e/ou cobertura).»
Nunca como agora, a sobrevivência do SNS dependeu do êxito de um processo de negociação entre o governo e trabalhadores do sector.
Faço votos para que ninguém se arrependa no fim.
Quanto menos sustentável financeiramente for o SNS, mais forte será a pressão sobre a sua sustentabilidade política
Embora a Lei do Serviço Nacional de Saúde só tenha sido aprovada em 1979, os seus fundamentos logísticos foram lançados em 1977 e 1978, nos primeiros dois governos constitucionais (Mário Soares), mediante a autonomização dos serviços médico-sociais da Previdência social e a sua abertura a todos, independentemente da sua inscrição na Segurança Social. Estava assim criado um serviço de saúde público universal, característica essencial do SNS estabelecido na Constituição de 1976.
Como mostra o recente livro do ex-ministro António Correia de Campos, Reformas da Saúde - que, além de uma louvável prestação de contas, constitui também um verdadeiro louvor ao SNS -, a criação do sistema público de saúde universal, geral e fundamentalmente gratuito foi responsável por uma verdadeira revolução nas condições de saúde dos portugueses, colocando o país na linha da frente internacional em diversos domínios, designadamente na diminuição da mortalidade infantil.
Todavia, o êxito global do SNS não pode desvalorizar as suas continuadas limitações e deficiências. Basta recordar o persistente défice em matéria de cuidados primários e de cuidados continuados, bem como a incapacidade de resposta em várias especialidades (saúde oral, oftalmologia, cardiologia, etc.), sem esquecer as crónicas listas de espera para consultas e cirurgias em outras tantas. Por isso, o SNS continua a necessitar de investimento na superação das suas insuficiências, a par da resposta às novas necessidades criadas pelas actuais condições demográficas (nomeadamente o envelhecimento da população) e pela sofisticação e pelos custos dos novos meios de diagnóstico e de tratamento.
Três décadas depois da sua concepção e criação, o SNS enfrenta dois desafios cruciais à sua sobrevivência. O primeiro tem a ver com a sua sustentabilidade financeira. O segundo respeita à sua sustentabilidade política. Como se verá, o segundo depende essencialmente do primeiro.
Ao longo do tempo, as despesas de saúde não cessaram de aumentar, tendo crescido bem acima do crescimento do PIB e da despesa pública global. Comparativamente, Portugal encontra-se já acima da média dos países europeus quanto ao peso relativo das despesas públicas em saúde. Mesmo que ainda haja alguma margem de crescimento da receita consignada ao SNS, doravante as despesas orçamentais com a saúde não podem continuar a aumentar ao ritmo do passado, sob pena de insustentabilidade financeira. De resto, excluída a solução de fazer participar os utentes nos custos dos cuidados de saúde no momento da sua prestação - por ser uma solução contraditória com a filosofia do nosso sistema de saúde -, o aumento de receitas só poderia passar pelo aumento dos impostos ou pela criação de um seguro de saúde obrigatório complementar.
Por isso, o aumento da capacidade de resposta do SNS e a obtenção dos necessários "ganhos em saúde" têm de passar essencialmente pela melhor utilização dos recursos disponíveis. As medidas tomadas nesta legislatura mostram como se pode fazer muito mais com os mesmos recursos, mediante a moderação dos gastos excessivos, a racionalização da oferta e os ganhos de eficiência na gestão. Com essas medidas conseguiu-se o milagre da contenção das despesas dentro da previsão orçamental, isto apesar dos inegáveis ganhos de saúde ao longo destes três anos.
Mas essa via está longe de esgotada. O SNS continua a padecer de um enorme défice de eficiência e de produtividade. Produz menos do que devia, com os recursos humanos e financeiros de que dispõe. Há capacidade instalada mas subutilizada; há redundância de meios em muitos aspectos; há gente a mais, a ganhar de mais para o que produz. Importa continuar a apostar na racionalização de meios, no aproveitamento da capacidade, na avaliação e remuneração pelo desempenho.
Descontados os "custos de interesse geral" que o sobrecarregam, como as urgências, a formação profissional, a cobertura integral do território, etc. - que aliás devem entrar na equação do seu financiamento -, o SNS tem de ser competitivo com o sector privado quanto aos custos dos cuidados que presta. De outro modo, será preferível a sua contratação externa.
Mais complicada é a questão da sustentabilidade política do SNS.
Não tendo o SNS gozado inicialmente do apoio da direita política - que não votou a favor da sua criação (oposição do CDS e a abstenção do PSD) e que mais tarde haveria mesmo de tentar revogá-lo (1982), operação travada pelo Tribunal Constitucional -, a verdade é que, com a implantação do SNS no terreno e o seu sucesso, o PSD acabou por se tornar seu defensor, contando-se alguns ministros da saúde seus, como Leonor Beleza, Paulo Mendo e Luís Filipe Pereira, entre os bons ministros da Saúde do país ao longo destes 30 anos.
Todavia, tudo indica que, sob pressão das ideias neoliberais contra a provisão pública de serviços sociais universais, as coisas estão a mudar nesta matéria, não havendo nenhuma garantia de manutenção do compromisso do PSD, e da direita em geral, com o SNS. Multiplicam-se nessa área as declarações de maior abertura da saúde ao sector privado, aliás em consonância com a velha reivindicação deste no sentido da "liberdade de escolha do prestador", transformando o SNS essencialmente num sistema de financiamento público de cuidados de saúde privados. Fácil é ver que com essa mudança de filosofia o serviço público deixaria de ser tendencialmente universal, ficando crescentemente reduzido à prestação de cuidados para os pobres (que não poderiam suportar os custos dos "extras" no sector privado) e para as regiões do interior (sem procura suficiente para atrair os prestadores privados).
Como é bom de ver, quanto menos sustentável se tornar financeiramente o SNS, mais poderosa se torna a pressão sobre a sua sustentabilidade política.
Vital Moreira, JP 30.09.08
Se dúvidas houvesse:
...SNS tem de ser competitivo com o sector privado quanto aos custos dos cuidados que presta. De outro modo, será preferível a sua contratação externa...
Vital Moreira no seu habitual estilo sebenteiro (texto elaborado a partir de inúmeros apontamentos, recolhidos aqui e acolá) vem dizer o que até agora ainda não tinha tido a coragem de dizer (talvez fruto de conversas recentes com CC): Ou o pessoal do SNS toma juízo e desata a produzir mais ou isto vai tudo para o privado.
VM que ver-nos privatizados.
VM ameaça privatizar-nos.
Para VM o sector privado constitui melhor alternativa ao actual SNS.
Sobre as actuais condições de funcionamento, sobre as dificuldades, do SNS nada diz. São peanuts, bagatelas, trocados, para o professor (nomeadamente, o desinvestimento, a incompetência da governação – incluindo a do seu amigo CC,).
Uma coisa é liquida para o professor, a culpa do actual estado de coisas, ao que isto chegou, é toda dos malandros que ganham fortunas, não querem trabalhar e só sabem gastar o dinheiro do erário público.
Semelhante texto (de estarrecer), antes parece lavra de um qualquer cronista primário, ressabiado por um mau atendimento das urgências, não o soubéssemos empenhado na tarefa de alimentar o decrépito arsenal doutrinário deste triste governo PS, e no regresso do dom Sebastião, correia de campos, campeão da reforma liberal da saúde no nosso país (privatização) e autor e artífice do "Fio Condutor".
Depois de ler este artigo, apetece-me dizer-lhe: senhor professor, depois destes anos todos de intervenção e de lançar crónicas em tudo o que é sítio, não tem vergonha de escrever semelhante disparate.
Talvez fosse boa ideia poupar energias e atentar o que se passa na sua universidade.
Já sei o que vai dizer a seguir. Que isto não passa de reaccionarismo esquerdalho.
Se eu tivesse a sua lata...também não me cansaria de distribuir nas minhas crónicas ...milagres.
O líder parlamentar do PCP, Bernardino Soares, exigiu esclarecimentos sobre o que foi dito por Correia de Campos na apresentação do livro que lançou na semana passada, no que respeita ao modo como são avaliados os medicamentos à venda no mercado.
«Avançou com a ideia de que havia conflitos de interesses insanáveis ao nível da avaliação dos medicamentos no Infarmed», afirmou Bernardino Soares, a propósito das declarações feitas pelo antigo ministro titular da pasta da Saúde.
«Consideramos que essa é uma matéria demasiado grave para passar em claro e que exige que se proponha na Comissão de Saúde a chamada de Correia de Campos a fim de poder esclarecer os deputados das razões que o levaram a fazer tal afirmação», considerou o líder parlamentar do Partido Comunista.
Em declarações à TSF, Bernardino Soares deixou uma pergunta a Correia de Campos: «Porque é que quando foi ministro, não tomou medidas para que não fosse assim? As pessoas que estão, neste momento, nessas comissões são as mesmas que estavam quando era ministro da Saúde».
TSF 30.09.08
Como é patente CC continua a falar demais. Para ter impacto junto dos media não se importa de dar uns tiritos nos pés.
Faz dó, ver tanto conhecimento e talento desperdiçado.
"Nunca como agora, a sobrevivência do SNS dependeu do êxito de um processo de negociação entre o governo e trabalhadores do sector."
Nunca esperei ler este tipo de argumentação para empalear um processo negocial que, os responsáveis, ao mais alto nível, consideram indispensável ao bom funcionamento dos Serviços. O temor das negociações centrado numa putativa inconsciência do Governo que eventulamente aceitaria ser colocado entre a espada e a parede e, assim, deite por água abaixo o equilíbrio orçamental, que demorou uma legislatura a construir...
Parece ficção.
O nosso equilíbrio orçamental dependente de uma negociação com um grupo profissional? Os brasileiros chamama isto:
tentar tirar leite da pedra...
Por outro lado, uma autêntica "tirada" do tipo patrão da CIP.
O Sr. Francisco van Zeller usa exactamente este argumento para conter ou congelar actualizações ou aumentos salariais.
Será que o naco de prosa faz parte de alguma "zona oculta" do relatório sobre a sustentabilidade do SNS?
Os gestores e os administradores pretendem estabelecer "balizas salariais" em nome do orçamento do SNS, para a revisão das carreiras médicas?
Porquê tanto incómodo quando as questões salariais são uma pequena parte de uma ampla negociação?
Será uma manobra de diversão?
Ou será para condicionar estas negociações à crise financeira e especulativa, dos yankees?
Primeiro, diz-se: em fim de ciclo governamental não é a melhor altura para rever. Seria melhor esperar pela eventual queda deste Governo, pós as leleições...?
Depois, discorre-se sobre o tipo de contrações de pessoal, mais convenientes, para os HH's. Para muitos será o CIT, mas ninguém parece ter reparado (os que estão fora das negociações...) que os Sindicatos batem-se por um Acordo Colectivo de Trabalho.
Agora, inventar um tecto salarial, vejam lá, ... para não pôr em risco o SNS!
É melhor dizer aquilo que andamos a esconder, a rodear, a disfarçar: tentemos boicotar!
E deixemos de falar em águas límpidas
De facto este "malabarismos retóricos", põem-me em sintonia com Goethe, quando este afirma:
"Cada um possui na sua natureza alguma coisa que, se a manifestasse em público, suscitaria reprovação."
Quantos é-pás! há neste blog?
Boa! contar e-pá's seria outro tipo de entretenimento para diferir a negociação das "carreiras médicas"...
Não comungo do optimismo do Hermes.
Basta reparar que o SIM, FNAM e OM não se entendem sobre o projecto de revisão.
O fracasso deste processo é inevitável.
E o fim do SNS como o conhecemos está à vista.
O Estado não tem dinheiro para pagar remunerações condignas aos profissionais de saúde.
Por outro lado o governo não deve ceder à reivindicação do bastonário da OM que quer mais carinhos para a classe, ou seja, a manutenção da actual situação de balda e baixa produtividade (que também custa muito dinheiro em ineficiência).
A solução que resta será a de entregar o ouro ao bandido, ou seja, trepassar esta geringonça aos privados.
É por isso, que aparece o professor Vital Moreira, ideólogo de serviço do PS, a escrever:
...SNS tem de ser competitivo com o sector privado quanto aos custos dos cuidados que presta. De outro modo, será preferível a sua contratação externa...
Fácil, não é ?
Não cabemos em nós com tanta felicidade.
Pelos vistos, o senhor Vital Moreira, no caso de um problema grave de saúde prefere um hospital privado.
Quando a propósito de um despropositado(encomendado?) "ataque" de VM à ministra, por motivos espúrios, ou seja por defender o apetrechamento do SNS, interrogei-me se este pródigo ideológo "socrático", tinha enveredado por trilhos neo-liberais
Com o ar da maior indignação, catalogou-me de pertencer à "esquerda arcaica".
Depois do seu "ciclo PS", de agora, onde acabará ?...
Carta aberta aos médicos
Artigo de Francisco Ramos*
O Governo decidiu uma redução de 30% dos preços máximos de venda ao público dos medicamentos genéricos a partir de 1 de Outubro. Em Portugal, ao contrário de outros países, os genéricos têm ainda preços geralmente elevados e são prescritos ainda apenas a 1/8 dos doentes, apesar de representarem já quase 1/5 dos custos. A sua quota de mercado em valor é muito superior à sua quota em número de embalagens vendidas.
Com esta medida pretende-se conter o ritmo de crescimento da despesa com medicamentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que, nos primeiros sete meses deste ano, aumentou 5,6%, e, ao mesmo tempo, abrir espaço para novos medicamentos, geralmente mais eficazes e sempre mais dispendiosos.
Em termos de qualidade, eficácia e segurança, o medicamento genérico oferece as mesmas garantias que o medicamento de marca. É um medicamento com a mesma substância activa, a mesma forma farmacêutica e dosagem, e com a mesma indicação terapêutica do que o medicamento original, de marca, que serviu de referência ao seu fabrico.
Para entrar no mercado, os medicamentos genéricos têm de provar que são bioequivalentes ao medicamento de referência, e que têm a mesma segurança, que é permanentemente avaliada pelo Infarmed.
Os medicamentos genéricos têm qualidade, eficácia e segurança comprovadas, podendo ser prescritos em grande número de doenças. Uma vez que as substâncias activas são prescritas há vários anos, o seu perfil de segurança é hoje bem conhecido.
Com esta redução do preço dos genéricos, não apenas o SNS, mas sobretudo os cidadãos conseguirão poupanças significativas nos seus gastos com os medicamentos, com total garantia de segurança terapêutica e de qualidade.
Nos últimos 10 anos, a utilização de genéricos em Portugal tem crescido a ritmos ímpares na Europa. Sendo verdade que o ponto de partida era muito baixo, este sucesso fica a dever-se à crescente adesão dos médicos à prescrição de medicamentos genéricos.
Para aprofundar este movimento, é crucial reforçar a informação disponível aos médicos sobre as vantagens da prescrição de genéricos sempre que, do ponto de vista terapêutico, essa seja a decisão correcta.
O preço dos medicamentos genéricos é, no mínimo, 20% ou 35% mais barato que o medicamento de marca de referência, atingindo, a partir de 1 de Outubro próximo, 50% do preço do medicamento de marca. Os genéricos permitem atingir os objectivos terapêuticos com menos custos, para o utente, para o SNS e para todos nós.
A eficiente utilização dos recursos públicos dedicados à Saúde é, para todos nós, um imperativo ético, pois determina a capacidade de investimento do SNS na promoção da saúde e no diagnóstico e tratamento das doenças, de forma eficaz, eficiente, equitativa e com qualidade crescente.
É indispensável que evoluamos no caminho da utilização racional do medicamento e da sua prescrição criteriosa que, Governo e profissionais, reconhecem ser aquele que traz mais vantagens sociais. E nesse percurso tem sido inquestionável o papel dos médicos no aumento da utilização destes medicamentos.
Sempre que a avaliação clínica recomende a prescrição de medicamentos, e no quadro indiscutível e inquestionável de liberdade de decisão terapêutica por parte do médico, a opção pelos genéricos traz, assim, vários benefícios para o utente, para o SNS e para a sociedade.
A opção pelos medicamentos genéricos é uma opção responsável que permite libertar recursos para o tratamento de mais doentes, de novas doenças e para novos medicamentos.
*Secretário de Estado Adjunto e da Saúde
TEMPO MEDICINA ONLINE de 2008.09.30
Quando de repente vi o título pensei que o tema da carta do SE era a negociação das Carreiras.
A sensibilização dos médicos para o problema da prescrição de medicamentos é importantíssima.
Nas unidades privadas a situação é bem mais confortável. Basta fazer um Formulário à maneira.
Vital Moreira quererá dizer o quê com: "SNS tem de ser competitivo com o sector privado quanto aos custos dos cuidados que presta. De outro modo, será preferível a sua contratação externa...Padronizou a comparação? Analisou a experiência internacional? Aprofundou a questão da patologia da combinação público-privado em Portugal? Foi exaustivo na análise ou embarcou na onda dos sound-bytes e dos powerpoints? Conhece a realidade prática do sistema de saúde? Custa muito ver um grande especialista em Direito Constitucional enveredar por áreas externas à sua especialização e experiência. Maltratar o conhecimento emitindo opiniões é aceitável no cidadão comum mas entristece-nos quando é feita pelos nossos melhores intelectuais. O risco é sempre o de, directamente, ou por interpostas pessoas servirmos não a Nossa Causa mas outras causas menos enobrecidas.
O rezingão tocou no ponto certo.
É confrangedora a ligeireza deste texto de Vital Moreira, tipico exemplar de desonestidade intelectual,com ameaças de "take over" dos privados caso o SNS não se transfome num serviço bem comportado. Num bom menino.
VM, há uns tempos a esta parte, tem tentado dar passos maiores que a perna. Aventurar-se muito acima da chinela.
O remendado das suas crónicas não é contudo inocente.Esta pareceu-me encomendada em função do processo de negociação das carreiras médicas em curso.
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