Deixar de fumar
Reproduzo uma pequena parcela de um texto memorável sobre o Mundo simbólico do tabaco, que serve para um fumador, em "apropriada" queda de consumo controlada, link"filosofar", num qualquer Janeiro, a qualquer hora, com um frio de rachar, o habitual no Inverno...
"Há alguns anos, decidi parar de fumar.
O início foi duro e, na verdade, eu não me preocupava tanto por perder o gosto do tabaco quanto por perder o sentido do acto de fumar.
Produziu-se toda uma cristalização: eu fumava nas casas de espectáculo, ao trabalhar pela manhã, à noite depois do jantar, e parecia-me que, deixando de fumar, eu iria privar o espetáculo de seu interesse, o jantar de seu sabor, o trabalho matinal de seu frescura e vivacidade.
Qualquer que fosse o acontecimento inesperado que irrompesse aos meus olhos, parecia-me que, fundamentalmente, ele ficaria empobrecido a partir do momento em que não mais pudesse acolhê-lo fumando. [] Parecia-me que tal qualidade seria por mim exterminada e que, no meio desse empobrecimento universal, valia um pouco menos a pena viver. Pois bem: fumar é uma reação apropriadora destruidora. O tabaco é um símbolo do ser "apropriado", já que é destruído ao ritmo de minha respiração []. Para manter minha decisão de parar, tive de realizar uma espécie de descristalização, ou seja, sem exatamente perceber, reduzi o tabaco a si mesmo: uma erva que queima; suprimi seus vínculos simbólicos com o mundo; convenci-me de que não estaria subtraindo nada ao teatro, à paisagem, ao livro que estava lendo, se os considerasse sem o meu cachimbo; isto é, finalmente, percebi haver outras maneiras de possuir esses objetos, além dessa cerimónia de sacrifícios".
Jean-Paul Sartre in L'Être et le néant: Essai d'ontologie phénoménologique (tradução livre)
"Há alguns anos, decidi parar de fumar.
O início foi duro e, na verdade, eu não me preocupava tanto por perder o gosto do tabaco quanto por perder o sentido do acto de fumar.
Produziu-se toda uma cristalização: eu fumava nas casas de espectáculo, ao trabalhar pela manhã, à noite depois do jantar, e parecia-me que, deixando de fumar, eu iria privar o espetáculo de seu interesse, o jantar de seu sabor, o trabalho matinal de seu frescura e vivacidade.
Qualquer que fosse o acontecimento inesperado que irrompesse aos meus olhos, parecia-me que, fundamentalmente, ele ficaria empobrecido a partir do momento em que não mais pudesse acolhê-lo fumando. [] Parecia-me que tal qualidade seria por mim exterminada e que, no meio desse empobrecimento universal, valia um pouco menos a pena viver. Pois bem: fumar é uma reação apropriadora destruidora. O tabaco é um símbolo do ser "apropriado", já que é destruído ao ritmo de minha respiração []. Para manter minha decisão de parar, tive de realizar uma espécie de descristalização, ou seja, sem exatamente perceber, reduzi o tabaco a si mesmo: uma erva que queima; suprimi seus vínculos simbólicos com o mundo; convenci-me de que não estaria subtraindo nada ao teatro, à paisagem, ao livro que estava lendo, se os considerasse sem o meu cachimbo; isto é, finalmente, percebi haver outras maneiras de possuir esses objetos, além dessa cerimónia de sacrifícios".
Jean-Paul Sartre in L'Être et le néant: Essai d'ontologie phénoménologique (tradução livre)
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