segunda-feira, dezembro 29

Em circulo (2)


Até à débâcle finale?

Parabéns ao Xavier. Em duas palavras, uma caracterização perfeita, carregada de objectividade, do tempo que vivemos ("Em circulo"
link). Não porque o Natal vem todos os anos a 25 de Dezembro, mas porque o nosso SNS, mesmo quando parece que avança, obedece ao mesmo ritual que o traz de volta ao ponto de partida.
Óptimos também os Comentários do Bicho e do Ta visto, antecipando os resultados de medidas inconsequentes, e a intervenção do Inimigo público ("Definição de tempos máximos de espera"
link), esta focalizada na reacção dos senhores Bastonário da OM e Presidente da APAH à portaria que garante consulta médica no prazo de 15 dias.
Repito, intervenções óptimas e todas convergentes porque derivadas de medidas que, independentemente dos propósitos que as motivaram, não se vê como poderão atingir os seus objectivos, sendo as coisas como são. A não ser que os objectivos fossem mera hipocrisia, o que eu não afirmo e até repudio.

Por uma vez, estou de acordo com o Senhor Bastonário: “este não é o caminho para resolver o problema das listas de espera”. Também penso assim, por duas razões interligadas:

- A primeira é a necessidade de consistência que só pode ser atingida pela inserção coerente das medidas numa estratégia global que lhes confira exequibilidade e permita avaliar e dar visibilidade ao custo/benefício delas esperado. Quando assim não for, as medidas serão sempre excessivamente vulneráveis: surgem naturalmente as reticências, a falta de empenho ou de motivação, com fundamentação mais ou menos explicitada, para que nada mude;

- A segunda razão é que ambas as medidas – remuneração dos tarefeiros e consultas com espera máxima de 15 dias – se opõem frontalmente aos interesses instalados dos profissionais. Dedicação exclusiva? – Sim, mas quando pagarem convenientemente aos médicos. O SNS não tem recursos para lhes pagar tanto? – Enquanto não tiver, tratem-nos com carinho, i.e., deixem-nos procurar fora do SNS o que este não pode pagar. Ora, se a espera máxima pela consulta passasse para 15 dias, e a produtividade dos blocos operatórios aumentasse não tanto, mas um pouco, em que ficava a medicina privada, de consultório ou de internamento, se não em magra dimensão de complementaridade do SNS?
A exclusividade é uma necessidade incontornável e a OM e o MS entendem-no perfeitamente. Que soluções lhes restam?
À OM defender o “status quo” que, corporativamente, não é assim tão mau, obstaculando medidas pontuais, obviamente cada uma delas insuficiente.
Ao MS, que não tem orçamento, tentar seguir por atalhos com medidas pontuais e desarmá-las de cada vez que a reacção se afigura excessiva. Dedicação exclusiva? É para daqui a 10 ou 15 anos. Tabelas para tarefeiros? Não passam de valores indicativos.

Resta saber até quando?!

Aidenos

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4 Comments:

Blogger xavier said...

A gripe obrigou-nos a abrandar ligeiramente o ritmo do saudesa.
A pedalada habitual está em vias de ser reposta, graças a doses maciças de paracetamol.

12:16 da manhã  
Blogger e-pá! said...

Caro aidenós:

A actividade privada de iniciativa médica (os pequenos consultórios) não dependem nem das remunerações de tarefeiros, nem dos 15 dias para consultas "muito prioritárias".
Pela mesma razão de que o SGIC não extinguiu, nem sequer diminuiu, as intervenções cirúgicas privadas.
Neste "nicho" a relação médico/doente está muito personalizada e o factor confiança é determinante e, de resto, a actividade é programada a longo termo.
Portanto, assenta em condições independentes da mais recente legislação.
Repito, é um nicho de mercado, pequeno, circunscrito - comparável com as pequenas empresas familiares.

No Sector Empresarial Privado da Saúde, apostado em grandes empreendimentos, estas medidas, a serem cumpridas, poderão afectar de algum modo o crescente fluxo de doentes, se a esse "cumprimento" acrescer respostas dos HH's e dos CS's do SNS, satisfatórias.
Se a diminuição do tempo de espera para as consultas acarretar, concomitantemente, diminuição da qualidade, outras questões se levantam...
Mas reconheço que esta correlação não é obrigatória.
Falta considerar outras variáveis como: invetimento, inovação, detalhes organizativos, etc.

Ou, a outra hipótese - a incapacidade do cumprimento das novas regulamentações.
Quanto aos tarefeiros, o Sector Privado, não têm nada a ver com isso. Aliás, consideram-nos trabalhadores da saúde "pouco qualificados", sem interesse para uma estratégia de excelência (que repetitivamente apregoam)
Quanto aos tempos máximos para as consultas, julgo que quer nos cuidados primários quer nos HH do Interior haverá dificuldade em cumprir. O Sector privado, fica à espera, e proporá - no tempo certo - contractualizações.

Relativamente aos tarefeiros a tabela proposta (valores indicativos) vem beneficiar a OM e a dos Dentistas, já punidas com pesadas multadas (em fase de recurso) pela Autoridade da Concorrência, por possuirem uma tabela com valores... indicativos.
Porque, os privilégios, neste caso, constituiem na jurisprudência um precedente e são para expurgar. E, como o povo diz, ou comem todos ou...

Mas esta história assim contada - em círculo - mais faz lembrar o "Circulo de Giz Caucasiano" brilhante peça de Bertolt Brecht, escrita no final da II Guerra Mundial, durante o seu exílio nos EUA.
O dramaturgo alemão, ao escrever este drama, questionava-se sobre a luta em que duas fazendas colectivas disputam a posse de um vale fértil, depois da retirada das forças nazis.
A grande questão que Brecht coloca é: que princípio deve ser estabelecido para resolver este caso?
Quem deve ficar com a terra?
Dois grupos de camponeses soviéticos ao discutirem a posse da terra, colocam o seguinte dilema:
- se fica para aqueles que nela trabalham;
ou,
- se regressa para os antigos donos que a abandonaram?

A solução (dramática) foi seguir-se a tradição da Georgia, recorrer a um bardo que lhe conta a história do circulo de giz caucasiano.

A pergunta que se impõe, na actual situação do SNS, é:
- quem fica com o "vale fértil"?

1:20 da manhã  
Blogger tambemquero said...

vg
Os SNSs tendem a funcionar mal ,quando os seus profissionais têm colocação mais aliciante no sector privado.O caso mais típico é o da Grã-Bretanha, que tinha o melhor sistema de saúde público,há quatro décadas e agora tem enormes problemas.Em Espanha funciona bem, porque se formaram médicos e enfermeiros em excesso,para o sistema.Entre nós os dirigentes das "corporações" respectivas, tudo fizeram para controlar a oferta.Para além de que, se formaram "administradores de saúde" que acabaram em "boys" pagos a peso de ouro e sob controle político.No fundo, para um país pobre como este, o conceito de saúde "constitucionalmente garantida"é uma utopia
DE 30.12.08

Realmente o que se está a passar com os administradores hospitalares deixa-nos deveras preocupados. Que é feito do tão propalado sentimento de dever do servidor público?

7:16 da tarde  
Blogger ochoa said...

Depois de Correia de Campos, mudou alguma coisa para tudo ficar na mesma

O ano de 2008 fica marcado pela demissão de Correia de Campos, esgotado e derrotado politicamente quer pela ampla movimentação popular contra a política de encerramento de serviços do SNS, quer pela contestação conduzida pelas forças de esquerda à estratégia privatizadora do ministro e do governo, na qual se envolveram destacados membros do PS.

A petição "Em defesa do SNS" lançada pelo Bloco de Esquerda, duas semanas antes de Sócrates demitir o ministro da saúde, e de que António Arnaut - fundador do SNS, aceitou ser o primeiro signatário, deu visibilidade e acentuou o isolamento político de Correia de Campos, nomeadamente junto dos socialistas, e a inevitabilidade da sua substituição.

Mais do que mudar e corrigir a política em curso, o que José Sócrates verdadeiramente pretendeu ao libertar-se de Correia de Campos foi retirar da agenda dos media a sua política de saúde e os casos/problema que diariamente se multiplicavam e produziam um enorme desgaste na imagem do governo. Sócrates precisava de uma borracha para apagar o desastre que foi a segunda passagem de Correia de Campos pela pasta da saúde.

O perfil da sucessora de Correia de Campos é parte essencial dessa estratégia de controlo e redução de danos. A escolhida, Ana Jorge, era à data uma desconhecida da opinião pública, uma cidadã sem "história" política mas conhecida e reconhecida pelos profissionais do SNS - onde sempre trabalhou, como uma pediatra de elevada craveira e uma defensora dos serviços públicos de saúde. Ana Jorge projectava uma imagem exactamente inversa do que tinha sido o exercício de Correia de Campos enquanto ministro. O consenso versus o conflito, o diálogo versus a arrogância, os serviços versus os resultados financeiros, a médica versus o gestor.

Entretanto, passou o tempo suficiente para confirmarmos que alguma coisa mudou para que o essencial se mantivesse na mesma. Mais no estilo do que na essência da política. Com Correia de Campos havia ministro a mais, hoje temos ministra a menos. Antes, era um frenesim de medidas e catadupas de decisões, agora sobram as preocupações da ministra mas, também, uma inegável paralisia do ministério.

A linha privatizadora não se alterou. É certo que Ana Jorge acabou com a gestão privada do Amadora Sintra. A situação era escandalosa e incontrolável, o governo não tinha alternativa. Não resultou de qualquer reviravolta nas concepções neoliberais do governo: logo de seguida, a construção e gestão dos novos hospitais públicos (!) de Cascais e Braga foram entregues a dois grandes grupos privados.

O orçamento para 2009 - já da responsabilidade da nova ministra, não se distingue dos anteriores: redução do financiamento do SNS, cuja dotação cresce abaixo da inflação prevista, asfixiando hospitais e centros de saúde e impedindo investimentos inadiáveis para fazer face ao envelhecimento da rede de serviços públicos, instalar efectivamente a nova rede de urgências que continua no papel e ultrapassar o atraso tecnológico do SNS em diversas áreas da medicina.

Com Ana Jorge, permanece o sub-financiamento do SNS, velha praga dos governos do PS e do PSD, que uma descomunal dívida não permite nem negar nem esconder: mais de mil milhões de euros, a medida exacta dos cortes que o governo PS tem feito nos orçamentos do SNS e do dinheiro que falta no SNS. Compreende-se que, até por vergonha, a ministra diga que não conhece estes números....

E, no mais, tudo continuou como estava. Os profissionais continuam sem carreiras nem contratação colectiva, impera a precariedade, a instabilidade e o recurso ao aluguer de profissionais à hora, sobretudo nas urgências. Os medicamentos continuam a sobrecarregar o bolso dos portugueses, agora obrigados a suportar a poupança que o governo resolveu fazer nas comparticipações. A instalação da tão propagandeada rede de urgências mal saiu do papel e a reforma dos cuidados primários prossegue a passo de caracol: 150 USFs das 200 prometidas até final de 2007 (!), centenas de milhar de cidadãos continuam sem médicos de família. As listas de espera continuam a crescer, principalmente para primeiras consultas hospitalares. As urgências, como bem ficou demonstrado no recente surto de gripe, não respondem à crescente procura de que são alvo. Os hospitais empresa conduzem-se por ganhos financeiros e não por ganhos em saúde. A PMA, apesar da aprovação da lei e das sucessivas promessas do governo, não beneficiou ainda um só casal. O PNS (plano nacional de saúde) não se desenvolve, não se impõe como elemento estruturante da política de saúde.

Correia de Campos achava tudo isto natural e necessário. Era a limpeza das gorduras a mais do SNS. Ana Jorge declara-se preocupada e promete soluções. Que tardam em surgir. O SNS está cada vez mais no osso. Assim o deixou a governação do PS.

Dois últimos registos sobre o ano que agora acaba.

Um, para recordar os projectos de lei que o Bloco de Esquerda fez aprovar no Parlamento na área da saúde: o direito de acompanhamento dos utentes nos serviços de urgência e as medidas de apoio aos doentes com Alzheimer e Parkinson.

Um outro, para sublinhar a importância da entrada em vigor da Carta de Direitos de Acesso dos Utentes do SNS e dos tempos máximos de espera (e de resposta) que ela consagra e agora o governo fez publicar, regulamentando a lei aprovada pela Assembleia da República, por proposta do Bloco de Esquerda.

Respeitar e fazer baixar estes tempos de espera é o passo seguinte na aplicação de uma lei que pode contribuir para uma profunda mudança no modelo organizativo e funcional quer dos hospitais quer dos centros de saúde: colocar o doente e a satisfação das suas necessidades e direitos no centro da sua actividade.

João Semedo , 30.12.08

12:47 da manhã  

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