quinta-feira, abril 23

António Arnaut, pai do SNS

GHÉ possível continuar a manter um SNS para todos e tendencialmente gratuito, ou as regras do jogo vão alterar-se tão profundamente, nos próximos anos, que vai ser impossível manter esta pretensão? link
AA – É possível e desejável, desde que continuemos a considerar o direito à saúde como um verdadeiro direito de personalidade. Desta concepção humanista, perfilhada pela Constituição de República, deriva a obrigação do Estado de garantir, efectivamente, as correspondentes prestações de saúde. Porém, o SNS não é gratuito, porque é pago com os nossos impostos.
Os que mais têm, pagam para os que mais precisam. É esta cadeia de solidariedade que caracteriza e sustenta o SNS como um verdadeiro imperativo moral. Ninguém deve ser afectado por carência económica, no exercício de direito tão essencial, que respeita à própria dignidade humana. Se a igualdade é um valor ético-constitucional, é em situações de fragilidade, como a doença, que esse valor é mais imperioso e indeclinável. O SNS é a trave-mestra do Estado Social.
GHOs actores do sector da Saúde são muitos e há, em cada grupo, vontades e intenções diferentes. Acha que o corporativismo dos diferentes grupos é negativo ou positivo para o SNS?
AA – O corporativismo, entendido aqui como a defesa egoísta do interesse dos diversos grupos profissionais, é negativo para o SNS. Mas eu, sinceramente, não vejo que esses profissionais queiram prejudicar o SNS. Pelo contrário, penso que a grande maioria deseja defendê-lo e dignificá-lo. Quando a Ordem e os Sindicatos vêm a terreiro defender as carreiras profissionais eu dou-lhes razão. A recente reforma da função pública acabou, praticamente, com as carreiras, precarizando e até proletarizando médicos e enfermeiros. Ora, as carreiras são um dos pilares do SNS. Sem estabilidade, reconhecimento do mérito e remuneração condigna de todos os profissionais, o SNS corre grave perigo de degradação.
GHAo longo destes 30 anos, houve algum período em que teve medo que o SNS não fosse sobreviver? Quando e porquê?
AA – Em 1982, quando o Governo de Pinto Balsemão publicou um Decreto revogando, praticamente, a Lei 56/79. Valeu então o Tribunal Constitucional que impediu esse grave atropelo à Constituição da República.
Outra arremetida foi cometida pela Lei 48/90, do Governo de Cavaco Silva, por substituir a lei instituidora do SNS e alterar a sua filosofia. Contudo, o SNS já estava implantado tanto em todo o país, como no coração dos portugueses, e conseguiu resistir ao assédio dos seus adversários, que o queriam destruir para abrir espaço às multinacionais, aos negociantes da saúde.
GHSe lhe pedissem para reformular o actual SNS quais as principais medidas que tomava?
AA – O SNS foi pensado para uma determinada conjuntura e a Lei 56/79 limitou-se, no essencial, a corporizar o modelo consagrado na Constituição. Os tempos e as circunstâncias
são outros e o SNS tem que acompanhar e responder às novas necessidades e às novas técnicas. Eu, porém, não discuto o aspecto técnico do SNS porque não sou especialista nessa matéria. Defendo os seus princípios fundamentais, no plano ético-jurídico: o SNS deve conservar a sua marca matricial e ser universal, geral e gratuito, isto é, deve prestar a todos, sem discriminação e em tempo útil, o mesmo tipo de cuidados de saúde, sem qualquer pagamento directo do utente, salvo as taxas moderadoras para os não isentos.

Entrevista de Marina Caldas, GH n.º 42

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1 Comments:

Blogger Olho Vivo said...

A “grande farra” das PPP’s

Ao que parece já começou a “grande farra” das PPP’s. O Hospital (Público) de Cascais gerido por uma entidade privada iniciou o processo de abastecimento compulsivo (sob uma aparente capa de transparência) da sua (moribunda) unidade privada, recentemente, inaugurada em Lisboa. Desfazem-se assim, totalmente, as dúvidas sobre as reais motivações dos grupos privados em “capturar”, rapidamente, e em força, a área da prestação (e o consequente financiamento) do SNS. Sob um aparente e mal disfarçado desinteresse apregoam nos diferentes areópagos o seu desinteresse pelas PPP’s ensaiando a rábula de que estão a fazer um favor ao Estado. Ao mesmo tempo o GPS falido e nacionalizado compra unidades, economicamente, inviáveis com o desconhecimento do accionista CGD e usando a seu bel-prazer o dinheiro público. Não nos esqueçamos que é este mesmo grupo que integra a SLN do famigerado Banco dos “Irmãos Metralha”, que dá pelo nome de BPN, que ainda se encontra na corrida à PPP de Vila Franca de Xira.
Estamos pois perante o maior ataque, de sempre, ao SNS com a espantosa complacência de quem deveria responder pelo interesse público. Que importa a concorrência no seio do sector privado ou a transparência nas relações público-privado?
Para rematar só falta conceder nas 35 h semanais de trabalho para, rapidamente, voltarmos ao eldorado da parasitação do sector público pelo sector privado, isto é, custos fixos, formação, investigação, encargos e pensões no sector público (de manhã) com fillet mignon avençado sem encargos (na parte da tarde) garantindo a conveniente “referenciação e encaminhamento” para o sector convencionado.
Julgamos, que neste momento, já é claro para todos quem defende o SNS público, universal, eficiente e moderno e quem está a fazer de “cavalo de Tróia” sob a aparência fingida de defesa do sistema público.

6:24 da tarde  

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