quarta-feira, abril 22

Distraídos ou Parvos ?

Caro Xavier:
“Anda tudo distraído ou pensam que somos parvos?" (SIM, 15. 04.09)

Por mim, já não digo nada.
Esqueçamos, para já, as restantes contrapartidas na adjudicação das Farmácias – remuneração fixa e investimento inicial significativo –. Ninguém porá em dúvida a pertinência da interrogação do SIM, pois que de 18,5 não podem tirar-se 36% (“as percentagens” – que foram oferecidas – “sobre as vendas variam entre 22% e 36%”, Expresso de 19.04.2009). A questão que se põe é, portanto, saber donde vêm a parte que ali não cabe bem como a margem a que, legitimamente, as Farmácias têm direito para cobrir as suas despesas e fazer algum lucro (que parece ser significativo, a avaliar pelo valor assumido pelos trespasses).

A isto ninguém responde e tenho de conformar-me a não entender.

Antes de mais, porque não é possível não nos apercebermos de que contratos como os que estão em marcha com a adjudicação das farmácias hospitalares são a denúncia clara e assumida pelos adjudicatários da fraude sistemática sob a qual se desenvolve toda a área do medicamento – genéricos ou de marca – no nosso País, para não ir mais longe. É uma confissão que o Governo – não só o MS – não pode ignorar sem ficar cúmplice na matéria.

Depois, porque, embora saiba que, além de medicamentos, as Farmácias vendem outros produtos, supostamente com margens superiores aos tais 18,5%, (como cosméticos, suplementos alimentares, produtos de higiene, etc.), parece difícil aceitar que daí possa vir compensação bastante para o que está em causa. Assim como não será com ofertas de electrodomésticos e que tais que as Farmácias vão ser ressarcidas do aparente prejuízo.

O que resta então? A “enorme gama de bónus e descontos” concedidos às Farmácias. Mas, se assim é, o MS e o Expresso estão a ver as minudências e a fechar os olhos ao que releva (“A entrada no mercado de diversos laboratórios de genéricos (está previsto entrar mais um detido, em 49% pela ANF), fez passar a pressão da indústria para o lado das farmácias, que passaram a ser o alvo das ‘benesses’ tradicionalmente recebidas por médicos”). Ao contrário do que o Expresso afirma a pressão ficaria toda no lado da indústria, porque seria esta a conceder a “enorme gama de bónus e descontos”. Que, firmando-nos no que antecede e ainda na afirmação do Dr. Paulo Diogo (prevê a amortização do investimento no HSM – cerca de € 900.000 – em 3 anos), terão mesmo de ser muito importantes e dizem muito sobre a real margem da indústria e sobre a distorção da concorrência.

Continua o Expresso: “Governo investiga ofertas suspeitas a farmácias. Farmacêuticos acusados de receber electrodomésticos para vender genéricos. Inspecções já estão alerta. Soa estranho, mas a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde está a investigar “TVs de plasma e frigoríficos”. Quem diria?! – TVs de plasma e frigoríficos!!! E digo eu: A formação dos preços e a salvaguarda da concorrência quem as investiga? Não era por aí que deveriam andar a ERS e os serviços congéneres do Ministério da Economia? Onde estão, que ninguém os vê nem ouve deles?

Para cúmulo, é neste contexto que AJ diz que tem de preocupar-se com o preço final do medicamento e não com as margens da ANF e da Indústria: estas que se entendam! Que o preço final merece muita preocupação parece não restarem dúvidas. Bem pode empenhar-se. Quanto às margens, a guerra está aberta. Veremos se, depois de tudo, não será o doente ou o contribuinte que ficam a perder!

Como se tanto não bastasse, não menores foram a confusão e o espanto quando, nos últimos dias, ouvimos o Senhor Bastonário da OM anunciar que vai promover um referendo a todos os médicos para apurar se aceitam prescrever apenas uma ou duas marcas de genéricos, que o MS elegesse mediante concurso público e que seriam então distribuídos gratuitamente.
Primeiro: tinham-nos dito, de forma mais ou menos elaborada – inclusivamente tinha dito o Senhor Bastonário – que a segurança dos genéricos não podia ser posta em dúvida, porque todos eram avalizados pela entidade para tal competente, o Infarmed. No entanto, uns seriam mais seguros do que outros pelo que a prescrição do médico, para o seu doente, nem este poderia alterá-la, derivava de uma delegação irrevogável, a não ser pela escolha que o doente fizesse de outro médico.
Segundo: afinal essas razões, tão ciosamente invocadas, não passariam de argumentos esfarrapados, do nível da investigação de TV ou frigoríficos. Nada que um referendo não pudesse superar. Os genéricos ganhariam segurança total – entenda-se igual à de qualquer outro medicamento com o mesmo princípio activo – se os médicos assim o decidissem não para o seu doente, mas para qualquer um, nascido ou nascituro.
Terceiro: e a gratuitidade, para além da legitimidade para a decidir – que não está delegada no médico – quem explica o papel que lhe cabe no pensamento do Senhor Bastonário? Será a porta aberta para a marcha-atrás, se, nesse ponto, a sua proposta não for acolhida?

Reduzo-me à minha insignificância: há muitas, mesmo muitas coisas que não consigo entender.
Aidenos

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3 Comments:

Blogger Joaopedro said...

Excelente post.

É certo que a Procuradoria-Geral da República terá muito mais matéria para investigar nestas margens de lucro do que no receituário médico .

Portugal precisa expurgado desta imensa podridão.
Este estado de sitio corroi toda a confiança que possamos ter no futuro.

10:38 da manhã  
Blogger e-pá! said...

FARMÁCIAS DE CASINO...


Todos estes resquícios e expedientes, que remontam aos tempos de CC, com vista à aquisição de novos meios financiamento por parte dos Hospitais EPE's, vêm adensar o necessário clima de transparência, indispensáveis aos serviços públicos.

Neste particular aspecto, as Farmácias nos HH's, envolvem a sensível questão do medicamento, mas pelo que vamos sabendo - p. exº no HSJ-Porto - estarão para surgir outros modelos. São as novas parcerias, já que as velhas não convenceram...
Abriu-se as portas dos HH's - são ainda portas públicas - a um Mundo de negociatas que não resiste ao mais superficial escrutínio.
Ou, então a circunstância com se refere no post aidenós, não ser entendível as variações das margens comercialização, que não deixam de ser a expectativa das margens de lucro dos concessionários oscilando entre a legalidade (18,5 %) e a exploração (36%) estabelecesse uma décalage tão profunda quanto originadora das mais iníquas suspeições.

De facto, todo o festim que tem rodeado estas mediáticas inaugurações de farmácias em HH's (diferente de farmácias hospitalares) dá a sensação de que se transferiu para o espaço público o que não era plausível, nem tolerável no domínio privado, dentro de um quadro regulado da concorrência.

Assim, no mesmo espaço - mais uma vez chamo a atenção para o seu carácter público - existirão, lado a lado, uma farmácia hospitalar ética e com um circuito de medicamento organizado, com o sistema de monodose implementado, controlada por uma Comissão de Farmácia e Terapêutica que servirá os doentes internados, e uma farmácia de oficina, encaixada à pressão (à sorrelfa) no sistema e sucedânea de mecanismos de co-finaciamento com custos elevados que, pura e simplesmente, com os encargos assumidos as levarão rapidamente à falência, ou onde, vigorará a "lei da selva", com bonificações gigantescas e aberrantes e toda a gama de perversões do anárquico mercado de genéricos em vigor no nosso País, está em condições de escandalosamente proporcionar.

Os CA's dos HH´s, as ARS's e o MS suportarão as consequências do engano, a conivência de uma indisfarçável cumplicidade, ou ambos.

Não vamos precisar de muito tempo para perceber o embuste.

O que se está a passar sugere-me o aluguer da sacristia de um templo, para funcionar como um lupanar.

11:14 da tarde  
Blogger Clara said...

O recente recuo perante a ministra da saúde e recente ataque à OM (aos médicos do Hospital de Cascais, mais propriamente dito) marca o principio do fim de João Cordeiro que, como todas as coisas, teve a sua época.

4:18 da tarde  

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