terça-feira, outubro 20

Ainda o EHCI 2009

O Euro Health Consumer Index 2009 (EHCI 2009) link veio a público e à ribalta do Saudesa em período eleitoral, o que não terá deixado de influir na serenidade de algumas das apreciações, qualquer que tenha sido o sentido que as orientou. E a serenidade faz sempre falta, sob pena de não conseguirmos ouvir ou entender, designadamente pontos de vista dos outros, que podem ter também alguma verdade. Temos de agradecer ao Hermes dois Posts link link excelentes, imbuídos do rigor, fundamentação e profundidade de análise a que nos habituou e que, a meu ver, no saudesa ninguém consegue igualar. Não tenho qualquer ponto de discordância e, isto dito, talvez melhor fosse nada mais acrescentar; no entanto, sem pretensão de inovar, vou dizer mais alguma coisa porque, depois do ruído, haverá vantagem em mais alguma clareza.

1. O EHCI não é, assumidamente, um ranking global dos sistemas de saúde da EU. Afirmar, apenas com base na informação dele constante, que o sistema de saúde do país A é melhor do que o do país B é uma tese que excede o que nas respectivas premissas se contém. Nos seus objectivos declarados, o EHCI propõe-se apenas medir (e promover) a capacidade de o Health Consumer comparar e avaliar serviços de saúde.

2. Afirmar “Bismarck Beats Beveridge – yet again!”, ou mesmo só insinuar que a superioridade vem do modelo, é perder o pé porque está clara e inequivocamente fora do contexto; os sistemas de saúde têm outros parâmetros, para além da capacidade de avaliação facultada aos consumidores.

3. Pior ainda: sugerir que “It could well be that the Netherlands would break the 900 points barrier by relaxing the GP gatekeeping rules!” é, objectivamente, defender a irracionalidade na utilização dos recursos de saúde, de uma forma ou de outra, facultados pelos contribuintes.

4. Não havia necessidade disso …, sobretudo quando se está a esquecer que: “Normally, the HCP takes care to state that the EHCI is limited to measuring the “consumer friendliness” of healthcare systems, i.e. does not claim to measure which European state has the best healthcare system across the board”.

5. Mesmo com aquele objectivo limitado, parece fora de dúvida que o Consumidor fica com muito sério risco de ser enganado. É que, como o próprio relatório refere, na definição da estrutura do EHCI foram seleccionados não os dados desejáveis mas só aqueles que foram julgados facilmente disponíveis no vasto conjunto de países abrangidos. O que me surpreende é que, mesmo assim, os dados tenham sido tantos, levando em consideração a diversidade e debilidade dos sistemas estatísticos de cada um deles. Agora é a minha vez de insinuar: será que não houve, lá pelo meio, muita coragem das fontes em afirmar? Para dar só um exemplo, porque há muitos, da insuficiência da informação considerada, o que poderia dizer alguma coisa seria o tempo de espera para acesso directo a especialista com motivo aceitável e não de todo e qualquer acesso a especialista, como parece que o EHCI aconselha à Holanda.

6. Num contexto de escassez de recursos e como refere o Hermes, o sistema de saúde tem como objectivos a produção de resultados, a eficiência micro e macroeconómica e a equidade. A produção de resultados de saúde e a equidade são os objectivos substantivos ou fundamentais, mas a eficiência micro e macroeconómica, apesar de meramente instrumental é, em larga medida, condicionante e (mais do que no ranking do EHCI) a avaliação global dos serviços de saúde não pode ignorá-la, porque só lhe interessam objectivos e serviços de saúde sustentáveis. Por isso se reconhece tão generalizadamente a importância para qualquer país, mas muito mais para aqueles que dispõem de menores recursos, da escolha das suas opções em função dos resultados por euro investido. Isto porque, como também diz o Hermes, “alguns dos objectivos são contraditórios, isto é obter melhor desempenho num implica pior resultado noutro”. Tudo é dizer que a avaliação dos sistemas de saúde só pode fazer-se de forma integrada, ou seja, considerando todas as variáveis e não apenas a perspectiva do consumidor.

7. Não pode dizer-se que o EHCI Report seja insensível ao desafio da sustentabiidade dos sistemas de saúde. Refere-se-lhe expressamente (ponto 6.7 Change under pressure) quando sobre a convicção de que “the best performers are the relatively rich countries …..” afirma que “to some extent this can be true: generally speaking, good outcomes need money and continuity ”, embora afirmando também, e até certo ponto com razão, que a introdução de algumas das medidas necessárias para atingir o top do ranking têm baixo custo e realçando que “The key factor seems to be the overall responsiveness of the national system, and the capability to implement strategic changes” (o que será mais fácil de dizer do que de atingir).

8. Finalmente, e para concluir, direi que o mal maior não estará na estrutura do EHCI, nos erros ou insuficiências que lhe foram justamente apontadas; dar-me-ia satisfação que o nosso sistema de saúde tivesse pontuado Green em todos os parâmetros que o integram. Não pode é pedir-se-lhe o que nele se não comporta e os seus autores deveriam ter usado de maior cuidado para não fazerem eles próprios ou não provocarem outros a fazer erros deste tipo.

Aidenós

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7 Comments:

Blogger PhysiaTriste said...

Concordo, em absoluto, com este post, particularmente nas referências que faz ao Hermes.

Embora haja alguns pontos que merecem, na minha opinião, ser explorados no Saudesa, nomeadamente a (in) oportunidade de se questionar o nosso modelo de saúde, passados que são 30 anos da criação do SNS, gostaria de destacar a frase seguinte:

“É que, como o próprio relatório refere, na definição da estrutura do EHCI foram seleccionados não os dados desejáveis mas só aqueles que foram julgados facilmente disponíveis no vasto conjunto de países abrangidos.”

Esta constatação do Aidenós fez-me recordar o comentário feito por uma Administradora Hospitalar à Conferência do Prof. Gonella,“Avaliação do Desempenho da Actividade dos Hospitais”, no Forum Gulbenkian de Saúde, em Abril de 2004.

Em determinado ponto do seu comentário, dizia a nossa Colega:
“A medição é central ao conceito de melhoria do desempenho, pois fornece um meio de definir o que os hospitais fazem efectivamente e de fazer comparações com metas a atingir, de forma a identificar oportunidades de melhoramento.
No entanto a tentação é grande para se medir o que é imediatamente mensurável e não necessariamente o que é mais importante.”

E depois de dar alguns exemplos, continuava com uma saborosa e oportuna história:

“Talvez venha a propósito, a história do chinês que viu o seu amigo à procura de qualquer coisa no chão e perguntou-lhe.
O que procuras?
A minha chave, respondeu o outro. O amigo pôs-se de joelhos a ajudar, mas passado algum tempo, voltou a perguntar?
Onde exactamente deixaste cair a chave?
Na minha casa respondeu o outro.
Então porque é que estás a procurar aqui fora da tua casa, perguntou-lhe o amigo?
E ele respondeu-lhe: É porque aqui há mais luz do que dentro da minha casa.”

Quanta saudade, Margarida Bentes.

5:29 da tarde  
Blogger Hospitaisepe said...

Mas que excelente comentário do Brites.
O relembrar oportuno da nossa inesquecível colega Margarida Bentes.

Fartamo-nos de ver todos os dias "n" cidadãos do nosso burgo de rabo pró ar, nos sítios mais inusitados, onde lhes parece haver mais luz, à procura da chave.
Contentamo-nos com o que está a dar...

8:35 da manhã  
Blogger Orapronobis said...

A referência do Brites se nos lembra o desgosto e a tristeza pela perda da Margarida Bentes, também nos permite recordá-la e reviver o privilégio que foi tê-la como colega e amiga.

De facto quanta saudade, que falta enorme que faz a nossa Margarida.

Muito obrigado Brites, bem hajas Margarida.

8:37 da manhã  
Blogger Hermes said...

Mais um excelente post do Aidenós. Por ele e por outros de calibre semelhante vale a pena vir a este blogue, lembro-me, assim de repente, do Avicena, Sillyseason, Brites, António Rodrigues, Távisto, Hospitalepe, do nosso magnífico facilitador, entre outros.

Por falar em comentadores. Que é feito de alguns "consagrados" deste blogue que andam tão arredios - Vivóporto, é-pá, Tonitosa??

8:38 da manhã  
Blogger tambemquero said...

Apparently, Democrats are getting ready to pay-off the physicians for their support of the health bills by quickly fixing the Medicare Sustainable Growth Rate (SGR) fee cut problem off-budget and ahead of the pending health care bills.

This in today's Kaiser Health News on a Congress Daily Report:


Physician lobbyists met with several key lawmakers and administration officials Wednesday to push for action. "Senate Democratic leaders made a procedural move Tuesday night that allows the chamber to bypass the usual committee process and take the $245 billion fix, proposed by Sen. Debbie Stabenow, D-Mich., straight to the floor. ... Leadership has indicated the merger will be swift. ... The fix faces three tough procedural hurdles that each will require 60 votes: a cloture vote, a budget point of order because the measure is not offset and a motion to proceed to the bill, a lobbyist source said."
How many times have you heard the President say that any health care bill must be "deficit neutral?" How many times have you heard conservative and moderate Democrats say they won't vote for a health bill that isn't paid for?

What are the Democrats about to try?

Peeling out one of the biggest components of health care and quickly spending $245 billion to bolster physician fees over the next ten years, doing it separate from the "deficit neutral" health bill, and just adding the $245 billion cost of this to the deficit!

To do it they will need 60 votes in the Senate and most of the "Blue Dogs" in the House.

We are about to see just how fiscally responsible these moderate Democratic senators are and whether or not the Blue Dogs aren't just "Yellow Dogs."

Unbelievable!

ROBERT LASZEWSKI


2. - Lynne Monds said...
We will never solve the healthcare crisis as long as we are trying to do it from the "payer" side. The problem is the high cost of healthcare "delivery". My solution to this would be the mirror image of the "public option" that is normally touted: rather than private provider/public insurer system, we should implement a public provider/private insurer system.

Why not expand the VA network to include non-military folks? We could turn it into a self-sustaining entity like the post office, and make it available as a network only to insurers that were not-for-profit with loss ratios of 85% or higher.

As the demand for this network increased, hospitals that are failing (such as King Drew of Los Angeles before it was taken over) could be added.

This system would compete well with private practices. VA doctors are on salary so there is no perverse incentive to ratchet up patient treatments to make more money.

Maintaining the current private insurer system would ensure the current scrutiny by claims adjusters of each procedure prescribed by doctors. We all resent claims adjusters because as Americans we are not accustomed to anyone telling us we cannot have everything we want. But the Atul Gawande story of McAllen, TX shows that docors and patients collaborating together--with only the government (in this case Medicare) monitoring the procedures the doctor is ordering--results in the American taxpayer footing an exorbitant bill.

So we should keep the Scrooges in the system and put the medical industry on a financial diet (through healthy competition), if we are going to keep the healthcare system sustainable into the future.

And speaking of dieting--how about offering some "wellness plans" with significant discounts for people with healthy lifestyles? That will assist in resolving the third leg of culpability in the spiral of escalating healthcare costs: those of us who think someone else should pay our medical bills when our sedentary, super-size-me-lifestyle chickens come home to roost. Wellness plans will give us an added incentive to make good choices when we are still healthy enough to benefit from them.

2:03 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Obrigado pelo seu ponto de vista. Linkei em:
http://darsaude.wordpress.com/2009/10/18/contra-a-liberdade-de-escolha/

11:15 da manhã  
Blogger PhysiaTriste said...

Na próxima luta pelo poder, dentro do PSD, voltará a ser, de novo, posto em causa o nosso modelo de saúde.

Há pouco mais de um ano, finais de Maio de 2008, podia ler-se no “Futuro é agora”, blog de apoio à candidatura de Pedro Passos Coelho:
“Os resultados do relatório EuroHealth Consumer Index 2007 são claros: os sistemas bismarckianos de saúde têm melhores resultados do que os sistemas beveridgianos.
Looking at the results of the EHCI 2007, it is very hard to avoid noticing that the top five countries, which fall within 36 points on a 1000-point scale, all have dedicated Bismarckian healthcare systems. There is a gap of 30 points to the first Beveridge country in 6th place.
Em português, isto quer dizer que os sistemas de saúde baseados em seguros sociais independentes dos prestadores do serviço têm melhores resultados do que os sistemas de saúde onde o financiamento e a prestação do serviço estão reunidos numa mesma organização.
Agora trocado por miúdos: se queremos um melhor serviço de saúde, com menos espera, melhor cobertura do território, mais liberdade de escolha, e melhores resultados, não podemos manter o nosso sistema tal como está. Quando quisemos democratizar e massificar os cuidados de saúde em Portugal, olhámos para a Inglaterra e para os países do bloco socialista. Foi um erro: devíamos ter olhado para a França ou para a Alemanha. Ainda vamos a tempo de corrigir.”

O preconceito ideológico do autor do texto ressalta à vista desarmada quando afirma: “olhámos para a Inglaterra e para os países do bloco socialista”.
Não ocorreu a um militante do PSD que as social-democracias nórdicas optaram também pelo modelo de SNS, sendo que, para resultados de saúde idênticos, ou melhores, que os da França e da Alemanha, gastam uma percentagem do produto bem menor.
Em 2006, por exemplo, as despesas totais com a saúde representaram na Finlândia 8,3% do PIB, enquanto na França atingiram os 11%.

Os sistemas de seguro-doença oferecem mais liberdade e capacidade de escolha aos consumidores, mais rápido acesso aos cuidados de saúde e às inovações tecnológicas e não admira, por isso, que obtenham maiores índices de satisfação.
Mas, como o Hermes explicou muito bem, no seu primeiro post sobre o EHCI 2009, a maior escolha individual pode gerar consumismo o que em saúde não é necessariamente melhor, a satisfação dos doentes pode obter-se através da multiplicação de actos o que não corresponde necessariamente a boa prática.

As vantagens dos sistemas com SNS têm a ver com a universalidade da cobertura, a maior equidade de acesso, a maior capacidade de controlar a o crescimento dos custos. Mas apresentam, pelo contrário, maior rigidez, menos capacidade de inovação, ineficiências microeconómicas e menor atenção às preferências individuais.

Como muito bem diz o Aidenós :
“A produção de resultados de saúde e a equidade são os objectivos substantivos ou fundamentais, mas a eficiência micro e macroeconómica, apesar de meramente instrumental é, em larga medida, condicionante e (mais do que no ranking do EHCI) a avaliação global dos serviços de saúde não pode ignorá-la, porque só lhe interessam objectivos e serviços de saúde sustentáveis. Por isso se reconhece tão generalizadamente a importância para qualquer país, mas muito mais para aqueles que dispõem de menores recursos, da escolha das suas opções em função dos resultados por euro investido.”

Num país pobre e em crise, quando a maioria dos portugueses pede ao Estado que a salve, uns para suportar a miséria, outros para aguentar o desemprego, muitos para garantir trabalho e uns poucos para tapar os buracos financeiros que eles próprios criaram, surgem agora uns tantos iluminados que pretendem que o Estado recue numa das zonas mais sensíveis da sociedade.

Até a mim, que sou tão pouco revolucionário, me apetece dizer: “Não passarão”

10:27 da manhã  

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