domingo, fevereiro 21

A Trapalhada

A trapalhada do modelo de financiamento link link link é mero sintoma duma disfunção que tem, a meu ver, três causas principais: Duas de natureza persistente - a vertigem da mudança e a partidarização da Administração Pública - e uma circunstancial - a cegueira do amor.

A Vertigem da mudança:

Um novo gabinete Ministerial vem sempre marcado pela febre de mudar. No discurso dos nossos políticos, quando se anuncia alguma medida, lá vem o inevitável: - Pela primeira vez…
É como se estivéssemos sempre a recomeçar. À imagem de Penélope que desfazia de noite o que tecia de dia, para entreter os pretendentes, cada novo Ministro quer fazer tudo de novo, para impressionar o Povo.
Vejamos o que aconteceu com o financiamento hospitalar. Durante anos trabalhou-se um modelo de “case-mix” para o Ambulatório (os GDA) que, como dizia a Margarida Bentes, constituiria “uma mais-valia para a clarificação da relação contratual entre pagadores e prestadores e para a produção de informação relevante para a avaliação do desempenho e da qualidade dos serviços prestados”.
A nossa saudosa Colega terminava a sua comunicação nas XI Jornadas de Administração Hospitalar, onde fui buscar a citação anterior, dizendo:
“Diagnósticos já há que cheguem, modelos e instrumentos de trabalho também. O que é necessário agora é acção sistémica, sistematizada e firme.“
Pois sim. Primeiro confecciona-se uma classificação dos Hospitais, ao arrepio de toda a evidência e sem qualquer visão sistémica, para responder às necessidades duns tantos estabelecimentos.
Depois, num proclamado esforço de racionalizar a rede, integram-se uns tantos hospitais em Centros Hospitalares e paga-se a produção dum ex-hospital concelhio aos preços de Hospital Central.
De repente, dá-se conta que os recursos financeiros são demasiado escassos e surge a luminosa ideia de forjar um novo modelo de financiamento, destinado a acomodar a despesa na verba disponível no Orçamento.

Onde vão os GDA…! O melhor é mesmo pagar as consultas pelo mesmo preço, sejam primeiras, sejam subsequentes!

A partidarização da Administração Pública:

Porque é que, inopinadamente, se decide a implementação dum modelo de financiamento sem sequer o testar, sem o discutir com os principais interessados?
Porque, para além da vertigem da mudança, intervém, nessa decisão, um outro factor: a “falta de ofício” da estrutura de apoio às decisões políticas .
O objectivo de diminuição de despesas não se alcança através de medidas de natureza administrativa e simples restrições orçamentais. O aumento de eficiência do hospital público requer mudanças estruturais e a criação de mecanismos de regulação e controlo adequados a sistemas complexos.
Para conceber e implementar as mudanças e criar esses mecanismos é necessário ter capacidade para conceptualizar o todo e compreender as ligações entre as partes, possuir conhecimentos técnico-científicos e experiência prática, capacidade de trabalho e vontade de servir.
A nomeação de “boys” com a desculpa na lealdade política é uma treta. A lealdade a um Governo, eleito democraticamente, é um dever deontológico do funcionário público. Um dever inquestionável, cujo desrespeito deveria, pura e simplesmente, justificar a demissão de funções.
Na Administração Pública existem dois níveis distintos: o nível político e o nível técnico. As mudanças de Governo implicam mudanças no primeiro nível, mas não deveriam ter a ver com o segundo. O País precisa duma Administração Pública competente e motivada.

A cegueira do amor:

Diz-se que o amor é cego e, por isso, não deixa ver os defeitos na coisa amada. Lembro-me de ter lido, já não sei onde, que cientistas britânicos defendiam, num artigo da NeuroImage, que os sentimentos amorosos podem levar à supressão da actividade nas áreas do cérebro que controlam o pensamento crítico.
Sendo assim, parafraseando o Bispo Alves Martins, bem poderíamos dizer que o amor ao SNS deve ser como o sal na comida; nem muito, nem pouco, só o necessário.
Nem tanto que impeça o reconhecimento das ineficiências do SNS, nem tão pouco que nos leve a ignorar que este é a trave-mestra da saúde em Portugal.

Brites

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8 Comments:

Blogger Hermes said...

Brilhante… e certeiro!

10:25 da manhã  
Blogger tambemquero said...

O novo modelo de financiamento dos hospitais foi suspenso, mas a avaliação de desempenho dos administradores hospitalares continua de pé. A garantia foi dada ao Diário Económico por fonte do Ministério da Saúde.
A avaliação das equipas de gestão era um dos pontos fortes das novas regras de financiamento dos hospitais, estando previstos prémios e penalizações consoante o cumprimento ou não dos objectivos de sustentabilidade financeira. Aliás, um dos pontos da proposta de actualização do modelo de financiamento dos hospitais visava “reforçar o valor de incentivos associados sustentabilidade, reforçando a responsabilização das equipas de gestão hospitalar”, pode ler-se num despacho assinado pelo secretário de Estado da Saúde, Óscar Gaspar, a 15 de Dezembro, e a que o Diário Económico teve acesso.
Mas apesar do modelo de financiamento estar ligado à avaliação dos gestores hospitalares, o Ministério da Saúde afirma que podem funcionar de forma “independente”. Aliás, segundo fonte oficial da tutela, “a avaliação dos gestores não vai ficar parada, até porque há uma semana e meia o secretário de Estado, Óscar Gaspar, determinou que fosse experimentado um modelo de avaliação em instituições da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte”. É com base nos resultados deste modelo experimental que, posteriormente, a avaliação será alargada aos restantes hospitais EPE.
O Diário Económico tentou saber junto da ARS Norte quais os hospitais onde está a ser testado o novo modelo, mas não conseguiu obter qualquer esclarecimento até à hora de fecho desta edição.
Gestores hospitalares defendem modelo de avaliação
Apontada como uma prioridade do Ministério da Saúde para 2010, a avaliação dos administradores hospitalares é há muito defendida por Pedro Lopes. Para o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, “os hospitais não podem continuar a gastar dinheiro sem prestar contas”. De acordo com Pedro Lopes, enquanto empresas, “os hospitais têm que ter bons gestores”, mas o que tem acontecido é que “as pessoas são colocadas à frente das instituições e depois não são avaliadas”.
Também Correia da Cunha, que sucedeu a Adalberto Campos Fernandes à frente do conselho de administração do hospital de Santa Maria, defende um modelo que monitorize o trabalho das equipas de gestão, que seja posto em prática “o quanto antes”. Até porque “o Santa Maria, enquanto empresa, é uma das maiores do país. E se não formos avaliados como é que podemos avaliar aqueles que coordenamos?”, defende Correia da Cunha

DE 17.02.10

11:08 da manhã  
Blogger vida nova said...

«estando previstos prémios e penalizações consoante o cumprimento ou não dos objectivos de sustentabilidade financeira. Aliás, um dos pontos da proposta de actualização do modelo de financiamento dos hospitais visava “reforçar o valor de incentivos associados sustentabilidade, reforçando a responsabilização das equipas de gestão hospitalar”.

Só depois de ler esta citação percebi porque alguns gestores fizeram tanto estardalhaço sobre o sistema de financiamento.
Perdendo mais de vinte milhões de financiamento não era só o défice que era certo mas uma má avaliação e a perda do prémio por «não cumprimento dos objectivos de sustentabilidade financeira».

Atrelado ao voluntarismo dos recém chegados estão os que têm mais olhos que barriga e que teimam em brincar com os números do seu gabinete em Lisboa... Não vêem que assim não melhoram a gestão e os resultados apenas o bolso dos
contemplados com financiamento generoso e dos especialistas em «embelezar» os resultados...

Pobre país e pobre saúde esta...

10:54 da tarde  
Blogger Tavisto said...

Não poderia estar mais de acordo com a visão aqui exposta sobre o que deverá ser a Administração Pública. Quero no entanto lembrar que os princípios enunciados foram mandados às malvas, nomeadamente na área da Saúde.
É que o problema da Administração Pública hoje não é apenas o da partidarização (uma vergonha) mas também o da desvirtuação do próprio conceito, com o delir de alguns dos princípios que lhe deveriam estar subjacentes, como sejam o primado do interesse público, a solidariedade intra e inter-institucional e a proporcionalidade salarial. É que a filosofia empresarial hospitalar, com a qual estou de acordo na área da gestão económico-financeira, estendeu-se aos recursos humanos com consequências nefastas que começam a sentir-se com intensidade crescente. Hoje não são apenas os privados a aliciar os melhores profissionais para os seus quadros, são os próprios EPE a competir entre si, levando a roturas assistenciais e a um disparar do custo de mão-de-obra, médica em especial, que ameaçam a própria sustentabilidade do SNS.
Bem pode Ana Jorge chamar mercenários aos colegas que optam por reformas antecipadas para, ao abrigo das mais rudimentares formas de organização mercantil, se constituírem em empresas de prestação de serviço, individuais ou de grupo, passando a ver o seu salário/hora majorado exponencialmente. É que, para além do permanente denegrir da imagem do funcionário público, com as regras que foram criadas e se vão consolidando na administração, como sejam o congelamento salarial, sistema irracional de quotas na progressão, aumento do tempo de serviço com redução paradoxal do valor da reforma, não discriminação salarial positiva, só mesmo quem tiver grande amor à causa ou andar distraído, é que permanece no seu posto.
A verdade é que se os “macacos” aparecem é porque alguém permitiu que a selva se instalasse. Com o actual estado de coisas muito pensarão, se temos no conselho de administração de uma empresa pública um jovem quadro a receber 11 vezes o salário mensal do Primeiro-Ministro do governo que o nomeou, por que é que o meu limite salarial, num qualquer hospital público ou privado, não há-de também ser o Céu?
É que com estas regras dificilmente teremos a desejada Administração Pública competente e motivada, que Brites reclama e o País tanto precisa.

7:08 da tarde  
Blogger saude.epe said...

alguém conhece o modelo de financiamento hospitalar que entretanto foi suspenso?

10:16 da tarde  
Blogger Unknown said...

Política de “tricot” (Parte II)

Depois da “medida de fundo” de alargamento das isenções de pagamento de taxas moderadoras a dadores vivos de órgãos ou de células e a militares e ex-militares, medida que se estima abranger um universo de 20 mil pessoas” o MS anunciou que o Orçamento de Estado prevê a atribuição de uma bolsa mensal, de 750 euros, a médicos internos que aceitem fazer a especialidade em zonas mais carentes referindo AJ: …”Temos feito uma aposta muito séria no combate à carência de médicos, nomeadamente em algumas zonas do Interior do país”…
Ficamos então à espera de ver se algum Interno vai mudar de opção de formação por 750 euros / mês.
É claro que daqui por uns meses já ninguém se vai lembrar disto e nessa altura se alguém perguntar as assessorias mandarão dizer que os internos que para lá foram (por questões de vagas) o fizeram pela bolsa.
Finalmente o PCP questionou sobre a situação contratual de quatro médicas de patologia clínica do Hospital de Cascais. As profissionais recusam assinar contrato com a empresa privada que garantirá o serviço na nova unidade. AJ explicou, de acordo com a mesma rádio, que o que está contemplado nas parcerias público-privadas é que «todos os profissionais de saúde passam para a nova entidade». A ministra garantiu que as quatro médicas continuarão no Serviço Nacional de Saúde, embora não tenha adiantado a solução encontrada.
Não terão sido “despachadas” para o back-office público do Dr Boquinhas? (CHLO)

9:48 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Equipa que perde não paga prémios aos craques.

E as equipas do HEPE estão a perder e muito, por conta do contribuinte, para variar.

10:09 da tarde  
Blogger tambemquero said...

A dívida das seguradoras ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) ascende já aos 70 milhões de euros, revelou ontem a ministra Ana Jorge, na audição na especialidade do Orçamento do Estado (OE) para 2010. Por isso, um dos objectivos da tutela é aumentar a "eficácia de cobrança", através de um norma que visa simplificar os litígios.

A governante explicou que anualmente são facturados às seguradoras cerca de 40 milhões de euros, mas como o prazo médio de cobrança tem sido de 21 meses essa dívida chega já aos 70 milhões. Para a social-democrata Rosário Águas, no entanto, esta medida revela apenas a incapacidade do Estado em cobrar dívidas. O DN tentou contactar a Associação Portuguesa de Seguradores, mas foi impossível conseguir uma reacção até ao fecho desta edição.

Esta foi uma das poucas novidades da discussão do OE para a Saúde, muito criticado pela oposição: PSD e CDS falaram num documento com boas intenções mas sem instrumentos de concretização; enquanto BE e PCP criticaram a falta de investimento no sector.

Aliás, o bloquista João Semedo insistiu que o Governo esconde as verdadeiras contas do SNS ao recusar dizer o valor da dívida acumulada - um "tabu e uma face oculta" do Orçamento, referiu. E para o comunista Bernardino Soares a subida de 0,6% em relação à dotação do ano passado - um "esforço orçamental de 8150 milhões de euros", segundo a tutela - não é suficiente. "O orçamento da saúde diminui este ano em percentagem do produto interno bruto", confirmado o "subfinanciamento" do sector, acusou o comunista.

A ministra Ana Jorge reafirmou ainda a intenção de diminuir em 1% a despesa com medicamentos, o que corresponderá a uma poupança de 16 milhões, através do aumento da prescrição electrónica e de genéricos, da revisão do sistema de comparticipações e do avanço da venda em unidose. Isto no mesmo dia em que se soube que a despesa do Estado com os medicamentos nas farmácias cresceu 6,3% no ano passado, para os 1,5 mil milhões de euros - um aumento de 80% face ao previsto no Orçamento de 2009.

Teresa Caeiro, do CDS, criticou a demora no avanço com a prescrição por princípio activo e da venda em unidose, salientando que o Governo assumiu esses compromissos há anos, mas tem falhado a sua concretização. Para Ana Jorge, no entanto, esta é uma matéria que depende da mudança de atitude de médicos e farmácias, o que não acontece por decreto. Já Bernardino Soares diz que a revisão do regime de comparticipação servirá apenas para fazer os utentes pagarem mais .

João Semedo considerou que este "é um mau orçamento" porque "incentiva" os profissionais a abandonar o SNS. Por um lado, porque não permite aumentos salariais; por outro, porque a mudança das regras da aposentação vai levar a que os médicos se reformem o quanto antes, diz.

Ana Jorge referiu ainda que o seu ministério vai reforçar a aposta na contratualização de cuidados de saúde, quer nos cuidados primários quer nos hospitais, para que as unidades "façam aquilo que é necessário para a população e não aquilo que querem fazer".

DN 20.02.10

6:54 da tarde  

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