A Standard & Poor’s tem razão
A decisão da Standard & Poor’s de baixar o ‘rating’ de nove países do euro voltou a deixar os responsáveis europeus em pé de guerra.
É verdade que as agências de ‘rating' foram cúmplices da crise financeira de 2007 e depois disso têm abatido os alvos mais fáceis. Mas desta vez têm toda a razão.
O que diz a agência de notação é que detrás do novo "pacto orçamental" - ou da estratégia portuguesa de "cerrar os dentes e esperar que a tempestade passe" - não há mais e melhor emprego ou crescimento sustentável, como prometeram os líderes em Dezembro. A estratégia centrada em austeridade é descrita como sendo "auto-destrutiva" porque a inibição da procura agregada deixa as receitas a descoberto, provoca um ciclo vicioso de défices, dívida e recessão (basta pensar na Grécia). Por isso, conclui que a última cimeira foi "insuficiente para responder ao stress sistémico em curso na zona euro" - só o BCE está a fazer o seu papel dando liquidez aos bancos e segurando os juros soberanos.
A agência diz que a actual crise não resulta do descontrolo orçamental na periferia mas sim de desequilíbrios macroeconómicos entre países do euro. Lisboa, em vez de criticar, devia ter aplaudido este diagnóstico porque conforta a posição de Portugal ao demonstrar que a crise é sistémica e a responsabilidade é partilhada. Ou Vítor Gaspar já pensa em alemão ou o governo desistiu de pressionar Berlim e o resto da zona euro a procurar alternativas. O país esperava um reconhecimento do seu esforço mas a S&P - e bem - não se impressiona com cortes salariais. Querem resultados sustentáveis e Portugal cai para notação "lixo" porque estes não se vêem - antes pelo contrário. É tudo muito lógico mas, claro, o resultado é terrível: é mais um passo na senda da Grécia com os investidores sem argumentos para segurar títulos nacionais.
A Comissão ainda encontrou coragem para se queixar de que a S&P "não teve em conta as últimas decisões europeias". Quais? A flexibilidade do fundo de resgate decidida há seis meses e que continua na gaveta? A alavancagem do fundo acordado há três meses e que não produziu efeitos? O segundo "resgate" grego que não sai do papel desde Julho? Ou a nova estratégia de crescimento que está a ter tanta sorte como a agenda de Lisboa? Bruxelas diz que tem "mais e melhor informação dos Estados do que as agências", mas durante anos recebia as estatísticas gregas pelo telefone e, ainda hoje, é incapaz de detectar uma derrapagem, seja na Madeira ou nas autonomias espanholas. Por outro lado, critica a excessiva atenção dada às agências mas mantém em funcionamento um sistema de regulação financeira que é bem mais dependente dos ‘ratings' que o norte-americano.
A decisão da S&P só peca por não deixar também a Alemanha com ‘Outlook' negativo, como faz aos outros AAA da zona euro, pois a própria agência reconhece que excedentes comerciais conduzem a desequilíbrios, tal como os défices. Neste momento, nem uma agência de ‘rating' tem coragem de enfrentar a Alemanha.
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Luís Rego, Correspondente em Bruxelas
É verdade que as agências de ‘rating' foram cúmplices da crise financeira de 2007 e depois disso têm abatido os alvos mais fáceis. Mas desta vez têm toda a razão.
O que diz a agência de notação é que detrás do novo "pacto orçamental" - ou da estratégia portuguesa de "cerrar os dentes e esperar que a tempestade passe" - não há mais e melhor emprego ou crescimento sustentável, como prometeram os líderes em Dezembro. A estratégia centrada em austeridade é descrita como sendo "auto-destrutiva" porque a inibição da procura agregada deixa as receitas a descoberto, provoca um ciclo vicioso de défices, dívida e recessão (basta pensar na Grécia). Por isso, conclui que a última cimeira foi "insuficiente para responder ao stress sistémico em curso na zona euro" - só o BCE está a fazer o seu papel dando liquidez aos bancos e segurando os juros soberanos.
A agência diz que a actual crise não resulta do descontrolo orçamental na periferia mas sim de desequilíbrios macroeconómicos entre países do euro. Lisboa, em vez de criticar, devia ter aplaudido este diagnóstico porque conforta a posição de Portugal ao demonstrar que a crise é sistémica e a responsabilidade é partilhada. Ou Vítor Gaspar já pensa em alemão ou o governo desistiu de pressionar Berlim e o resto da zona euro a procurar alternativas. O país esperava um reconhecimento do seu esforço mas a S&P - e bem - não se impressiona com cortes salariais. Querem resultados sustentáveis e Portugal cai para notação "lixo" porque estes não se vêem - antes pelo contrário. É tudo muito lógico mas, claro, o resultado é terrível: é mais um passo na senda da Grécia com os investidores sem argumentos para segurar títulos nacionais.
A Comissão ainda encontrou coragem para se queixar de que a S&P "não teve em conta as últimas decisões europeias". Quais? A flexibilidade do fundo de resgate decidida há seis meses e que continua na gaveta? A alavancagem do fundo acordado há três meses e que não produziu efeitos? O segundo "resgate" grego que não sai do papel desde Julho? Ou a nova estratégia de crescimento que está a ter tanta sorte como a agenda de Lisboa? Bruxelas diz que tem "mais e melhor informação dos Estados do que as agências", mas durante anos recebia as estatísticas gregas pelo telefone e, ainda hoje, é incapaz de detectar uma derrapagem, seja na Madeira ou nas autonomias espanholas. Por outro lado, critica a excessiva atenção dada às agências mas mantém em funcionamento um sistema de regulação financeira que é bem mais dependente dos ‘ratings' que o norte-americano.
A decisão da S&P só peca por não deixar também a Alemanha com ‘Outlook' negativo, como faz aos outros AAA da zona euro, pois a própria agência reconhece que excedentes comerciais conduzem a desequilíbrios, tal como os défices. Neste momento, nem uma agência de ‘rating' tem coragem de enfrentar a Alemanha.
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Luís Rego, Correspondente em Bruxelas
Etiquetas: crise euro
2 Comments:
A Standard & Poor’s fez-nos um grande favor
Sexta-feira 13 é sempre dia de azar. E a agência Standard & Poor’s, cerca das 20 horas desse dia, lançou uma bomba atómica sobre a zona euro, descendo os ratings de nove países, entre os quais o de dois (França e Áustria) que tinham o ambicionado AAA. Claro que os dirigentes do Velho Continente se incomodaram e alguns deles produziram declarações verdadeiramente surpreendentes. Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, veio dizer desvalorizar o papel das agências, afirmando que “devemos aprender a agir, independentemente dos ratings ou, pelo menos, devemos aprender a avaliar a solvabilidade com menos dependência das agências”. E o primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, acrescentou sibilinamente que a S&P’S usou o corte do rating “para fazer política, o que é perigoso”. Ora eu, que me tenha fartado de perorar contra as agências de rating, penso que, desta vez, a S&P’S nos fez um grande favor. Com efeito, pela primeira vez, uma agência coloca as coisas como elas devem ser colocadas, desmentindo as inúmeras e míopes declarações de vários dirigentes europeus, que nos andaram a embalar com a história que estávamos perante uma crise da dívida soberana dos países da periferia. Do que se trata, diz, preto no branco, a S&P’S, é de um problema da zona euro e não deste ou daquele país. E se é um problema da zona euro, então as decisões nacionais, sendo importantes, não são suficientes para desatar o nó górdio da questão. Só medidas supranacionais podem salvar o euro. O segundo favor que a S&P’S nos faz é criticar frontalmente a estratégia assente apenas no pilar de austeridade que tem vindo a ser defendida por Merkel e Sarkozy para resolver a questão. É verdade que a S&P’S e as suas duas irmãs (Moody’s e Fitch) são de uma enorme hipocrisia, porque em 2008 aplaudiram que os Estados inundassem as economias de dinheiro para salvar os bancos; mas em 2009, com a casa a salvo, exigiram draconianas medidas de austeridade para reduzir os défices orçamentais, entretanto criados por aquele efeito; e agora, como se nada se tivesse passado, vêm dizer que a austeridade só por si não conduz a lado nenhum. Como diria o Eça, é preciso topete! Mas de qualquer modo, este é o reconhecimento de que esta política de estrangulamento das economias e dos povos europeus (e com muitos a aplicar a mesma receita ao mesmo tempo) só pode conduzir àquilo que está anunciado: de um crescimento estimado de 1,9% para a zona euro em 2012 passámos num ápice para uma recessão estimada de 0,3%.
O terceiro favor que a S&P’S nos fez foi o de mostrar que afinal os mercados ignoraram o corte de rating, já que vários países da zona euro, entre os quais Portugal, emitiram dívida soberana e pagaram todos taxas mais baixas do que antes daquela decisão. Além disso, a S&P’S ao baixar o rating do Fundo Europeu de Equilíbrio Financeiro, está a forçar os dirigentes europeus a decidirem-se: ou dotam o FEEF de um enorme poder de fogo, aumentando fortemente o seu capital para €2 biliões, ou dão ao BCE o estatuto de prestador de última instância da zona euro.
Os reguladores nunca deviam ter passado para as mãos das agências de rating a função de avaliar a credibilidade das emissões de Estados soberanos. Mas paradoxalmente é agora que a S&P’S dirige o mais violento ataque à zona euro, que pode ter começado o declínio do poder das três maiores agências de rating.
Nicolau Santos, expresso 21.01.12
O discurso do métodolink
Foi com sonoras declarações de protesto e indignação que foi recebida a recente decisão da Standard and Poor’s de baixar, de uma assentada, o ‘rating’ de 9 países da zona euro - incluindo Portugal (em dois níveis, para “lixo”) - e de tirar o ‘rating’ AAA à França e à Áustria, bem como ao próprio Fundo Europeu de Estabilidade Financeira.
Um arraso. Por cá, o Ministério das Finanças não se conteve e emitiu mesmo, no próprio dia (sexta-feira 13), um comunicado fortemente crítico para aquela agência de ‘rating', argumentando contra ela e acusando-a de ter tomado uma decisão "infundada" e cheia de "inconsistências".
Pelos vistos, já lá vai o tempo em que não se podia criticar as agências de ‘rating' e muito menos "insultar" os mercados, negando a racionalidade das suas respostas e denunciando a sua manifesta captura pelos interesses da especulação financeira. Isso era dantes, noutro tempo, quando o Governo era outro. Era o tempo em que a palavra das agências de ‘rating' devia ser vista como a luz do farol na noite escura dos mercados. E era o tempo em que a maior crise internacional dos últimos oitenta anos se resumia, afinal, a um simples "abalozito de terras" ou em que a própria crise das dívidas soberanas era culpa das políticas nacionais erradas e nunca, jamais, em tempo algum, uma crise sistémica da zona euro.
Diz o povo, "não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe". Agora, subitamente, a crise passou a ser "internacional", passou até a ser "do euro" e - vejam só! - tornou-se "sistémica". Quanto às agências de ‘rating', nem é bom falar: suspeitas de uma tenebrosa conspiração contra o euro a soldo de obscuros interesses norte-americanos, passaram a distribuir "murros no estômago" a torto e a direito e a tomar - imagine-se! - decisões "inconsistentes" e "infundadas"! É extraordinário como, mudado o Governo, mudou tão subitamente para muitos a compreensão da crise que enfrentamos!
Vale a pena sublinhar, porém, o primeiro de todos os argumentos invocados pelo Ministério das Finanças para criticar a decisão da Standard and Poor's de baixar o ‘rating' de vários países da zona euro. Diz o Ministério das Finanças, logo a abrir o seu comunicado, que a decisão corresponde a uma "quebra metodológica significativa", na medida em que "a S&P parece ter substituído a sua análise individualizada por país por uma análise sistémica baseada na área do euro", o que conduz a avaliações que não reflectem adequadamente "as realidades nacionais".
Para o Governo há, portanto, um problema de "método": a S&P é criticada por baixar o "rating" de Portugal e de vários outros países em função de uma "análise sistémica" referente à "área do euro". É difícil imaginar pior razão para fundamentar a crítica. O que a S&P questiona, em primeira linha, é a insuficiência das respostas europeias à crise e a sua insistência numa austeridade que a agência considera cada vez mais "contraproducente", com consequências que atingem a "área do euro" no seu conjunto - e cujo impacto se reflecte nos ‘ratings' a atribuir. E esta é uma análise absolutamente certeira: a resposta europeia tem estado manifestamente aquém do necessário. Melhor faria o Governo em invocar esta análise em defesa de uma resposta diferente e mais equilibrada da zona euro a esta crise, em termos que melhor sirvam os interesses nacionais e os interesses do projecto europeu.
Pedro Silva Pereira, DE 20.01.12
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