domingo, maio 20

Santa Maria não aguenta

Tutela quer tirar €90 milhões. Hospital, faculdade e instituto de investigação unem-se para estancar o golpe

O cardiologista Correia da Cunha, o cirurgião Fernandes e Fernandes e o neurocirurgião Lobo Antunes estão a unir esforços numa operação complexa para salvar o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, de um golpe profundo no orçamento. Os especialistas garantem que o corte previsto irá ‘amputar’ também a Faculdade de Medicina e o Instituto de Medicina Molecular.
A Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa quer, ainda este ano, tirar 135 mil utentes e €90 milhões ao Santa Maria para compensar a abertura do novo Hospital de Loures, uma parceria do Estado com o grupo Espírito Santo Saúde. Mas o presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) — Santa Maria e Pulido Valente —, garante que os cortes propostos são “impossíveis”.
Para cumprir as pretensões da ARS, Correia da Cunha afirma que teria de despedir funcionários e reduzir a assistência à população, recusando os medicamentos e os tratamentos mais caros, por exemplo. “Estruturalmente sou médico. Sei que estamos em crise, percebo-a, mas não esqueço a nossa dimensão: somos um hospital de fim de linha, que trata doentes simples e complexos e que tem uma enormíssima responsabilidade na formação” de novos profissionais.

Ensino e investigação atingidas
Tirar dinheiro ao Santa Maria acaba, assim, por alarmar também o diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), Fernandes e Fernandes. “Temo que a redução do financiamento tenha um efeito negativo sobre a qualidade do serviço prestado no hospital, afetando a faculdade”. O cirurgião explica que “no Santa Maria ocorrem situações clínicas graves que é necessário que os alunos vejam e aprendam e se o hospital começa a ter dificuldades em prover os serviços o ensino também vai sofrer”.
A preocupação é extensível ao presidente do Instituto de Medicina Molecular, Lobo Antunes: “Se há asfixia financeira no hospital é óbvio que o instituto vai sofrer, porque estamos interessados em ter ‘estetoscópios’ no laboratório”. E alerta: “A aritmética ‘menos doentes igual a menos financiamento’ está errada porque não reconhece as particularidades do Santa Maria”. Entre elas, ser “o maior produtor de médicos do país”.
Lobo Antunes está certo de que não reconhecer o papel formador e social do hospital é um erro e que o ministro Paulo Macedo, a quem cabe a última palavra sobre a verba a transferir, não vai enganar-se nos cálculos. “O ministro é um homem de extremo bom senso”, diz.
O hospital, a faculdade e o instituto estão reunidos no Centro Académico de Medicina de Lisboa (CAML) e o seu funcionamento está, também assim, ameaçado. O receio já justificou um simpósio no final do mês, na Aula Magna da FMUL, moderado pelo ex-administrador do Santa Maria, Adalberto Campos. Afinal, “o hospital é o coração de um organismo saudável”, ilustra Fernandes e Fernandes.
Ainda assim, a contenção imposta pelo Governo não desagrada a estes responsáveis, desde que a poupança não sacrifique a qualidade dos cuidados. “É óbvio que têm de existir algumas reformas, mas não podem ser feitas à custa da paragem de serviços. É preciso tempo para que a instituição faça as reformas necessárias e articule os serviços”, alerta o diretor da FMUL.

460 profissionais de saída
E é esse tempo que o presidente do Santa Maria precisa que lhe seja concedido. No plano de reestruturação entregue à ARS no início do ano, a administração do CHLN propõe-se a fazer ajustamentos, mas de forma progressiva. Esse plano passa pela redução de 300 camas, 460 efetivos (160 já saíram, 100 deles para o novo Hospital de Loures), €37 milhões no financiamento a receber da tutela (e €54 milhões nos custos de funcionamento do hospital).
O administrador admite ainda uma redução na população servida pelo hospital, mas não tão drástica como quer a ARS de Lisboa. Correia da Cunha explica que o Santa Maria só não sentirá grandes desequilíbrios na atividade assistencial (e no financiamento) se perder 65 mil utentes (de 365 mil para 300) e não 135 mil. A ARS diz apenas que a acesa negociação vai continuar. “Tenho de ter o contrato-programa fechado até ao final do mês, mas ainda estamos em negociações. Apenas posso dizer que este ano houve uma redução de €150 milhões no budget para os hospitais e o CHLN é um dos mais afetados”, adianta o presidente da ARS, Cunha Ribeiro.

Notas sobre o orçamento
90 milhões de euros a menos face ao financiamento do ano passado (de ¤346 milhões) é a proposta da ARS de Lisboa. O Santa Maria ficará, assim, com ¤245 milhões para gerir
81 das 1300 camas do Santa Maria foram já retiradas no âmbito da reestruturação forçada pela abertura do novo Hospital de Loures. No total, até ao final deste ano deverão ser ‘fechadas’ mais 219
37 milhões de euros é a redução no orçamento para 2012 que os gestores do CHLN (inclui o Santa Maria e o Pulido Valente) consideram aceitável
54 milhões de euros é a poupança que a administração do Hospital de Santa Maria propõe nos custos de exploração do hospital este ano reduindo a factura de 436 milhões em 2011 para 382 milhões em 2012
semanário expresso 19.05.12

Aqui temos o exemplo de como se tenta fazer o downsizing de um grande hospital à custa de cortes no orçamento. É a reforma à socapa da rede hospital em todo o seu explendor.
Interessantes as declarações recentes do secretário de estado, Leal da Costa sobre a prometida Carta Hospitalar:
«Não vale a pena criar grandes expectativas sobre a carta hospitalar, porque para nós muito mais importante do que saber onde é que estão os equipamentos, embora isso também seja relevante, é saber como é que as pessoas circulam dentro do sistema», disse ao «TM» o secretário de Estado Adjunto, preferindo que haja «várias cartas» com as diversas realidades hospitalares. Até porque «temos um problema que é preciso resolver e que envolve a mobilidade de pessoas: há circunstâncias em que existem recursos técnicos mas não há pessoas», e vice-versa.
Ainda o secretário de estado da saúde: «Não estamos dispostos a abdicar do SNS, porque precisamos dele». Certamente, para o entregar aos "investidores privados".

Coisa fácil, segundo outro "profundo" pensador da legião de liberais de pacotilha do nosso burgo: «Por outro lado , mesmo nestas áreas sociais, o Estado poderá também criar condições para que a sua acção seja substituída pela iniciativa privada e /ou social. Não se trata aqui de contratualizar serviços mas de retirar o Estado do papel de prestador desses "bens sociais" que podem ser prestados com vantagem por aquelas iniciativas. O meio mais poderoso para concretizar esta solução passa por uma política diferente do Estado quanto ao financiamento (pagamento) das despesas com as funções sociais. Em vez de suportar os custos da "oferta" ou seja os custos em que incorre para prestar serviços à população (por exemplo custos com as escolas) o Estado financiaria a "procura" ou seja pagaria aos cidadãos um valor que estes aplicariam de acordo com a sua liberdade de escolha (no caso da educação escolheriam as escolas que considerassem mais adequadas).»

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