Vencer a crise com Abril
Etiquetas: Comemorativos, Um país em sofrimento
Temas de Saúde. Crítica das Políticas de Saúde dos XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX e XXI Governos Constitucionais
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posted by xavier at 11:34 da manhã
2 Comments:
Um país que, depois de construir o futuro, é empurrado de regresso ao passado. Com o 25 de Abril, não foi apenas a Poesia a sair à rua, como pintou Vieira da Silva. A madrugada por que os portugueses havia muito esperavam, como escreveu Sophia, trazia consigo uma promessa de futuro que as conquistas da Revolução e uma Constituição empenhada na dignidade finalmente concretizaram nas nossas vidas. Milhões de portugueses passaram a dispor de coisas tão básicas, tão evidentes, como uma consulta médica gratuita, uma pensão de reforma, uma escola pública decente com professores condignamente formados, uma torneira de onde saía água corrente, um interruptor que ligava uma lâmpada que não mais era um luxo de cidade rica, um transporte público que vinha mitigar uma das tantas causas da exaustão quotidiana de quem trabalhava para sobreviver. As mulheres, mais do que os homens, experienciaram todas as mudanças. Como escreveu Maria Velho da Costa, “elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas”, “souberam dizer salário igual e creches e cantinas”, “sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões” e “disseram à mãe, segureme aqui nos cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é”. A Liberdade trazia o futuro, a confiança no futuro, o fim da guerra, três/quatro anos roubados a sangue e a saudade da vida de um milhão de homens de 20-30 anos. Abril trouxe voz, arrojo, a reapropriação de um país por quem nele vivia e a ele queria voltar!
39 anos depois, o medo foi regressando à fábrica, ao escritório, as bocas dos patrões e dos gestores voltaram a encher-se da arrogância do “se não gosta, ponha-se a andar!”, ao desempregado é dito que a culpa é dele (porque parece que não quer trabalhar, se não aceita o meio salário que lhe propõem), e aos jovens é explicado que o problema é não serem empreendedores e não saírem da sua área de conforto... A todos nos repetem que “não estamos em 1975!”, mesmo que a maioria nem saiba o que isso foi, a todos se quer ensinar que “não se meta em trabalhos...”, “isso dos sindicatos é coisa do passado”. Os trabalhadores passaram a ser colaboradores, e, apesar de todo o palavreado da procura da produtividade, é a obediência a disfarçar-se de reverência, a indignidade a disfarçar-se de empenho. Num país que vinha do salazarento elogio da incultura, que dizia que os filhos do povo que tinham ido à escola “nada ganharam. Perderam tudo. Felizes os que esquecem as letras e voltam à enxada” (deputada Virgínia C. Almeida, 1938), a democracia fez-nos dar um salto de gigante na qualificação, na realização pessoal através da escola, da universidade, formou os portugueses mais preparados da história. 39 anos depois de Abril, insinuase que estudar é inútil e faz-se com que seja caro; e a quem objetar que, dessa forma, se promove o maior abandono escolar da Europa e o regresso da injustiça no acesso à universidade, faz-se o discurso rançoso da necessidade de reduzir as expetativas, “nem todos podem ser doutores!”, que nunca devíamos ter abandonado a escola dual (isto é, discriminatória), que habituava os filhos do povo ao único futuro a que deveriam aspirar: o de um trabalho manual, repetitivo, de execução do que outros decidirem, consequentemente mal pago. Não gostam? Emigrem!
Manuel Loff, JP 25.04.13
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Um país forçado ao envelhecimento e à fuga.
E emigram... E Portugal envelhece. As sociedades envelhecem por bons e maus motivos. Porque vivemos mais (78,4 anos, 29º país do mundo onde mais se vive), bem mais do que há 40 anos (67,4 anos, 45º), porque construímos desde o 25 de abril um sistema público de saúde que abriu a (quase) todos a possibilidade de deixar de pensar que a doença e a morte prematuras são simplesmente um fado individual. Mas hoje, sem condições (horários de trabalho cada vez mais longos, desemprego e precariedade de longa duração) e sem ânimo para se empenharem na construção de novas vidas, os portugueses envelhecem. Quando a Revolução trouxe a liberdade e a democracia, a convicção de que se podia tomar o destino nas próprias mãos, os portugueses, confiantes, não tiveram medo de ter filhos. Porque confiavam na própria capacidade de organização de novas condições para crianças e mães, abrindo creches e consagrando direitos sociais de que se não havia disposto nunca. Nasceram 180 mil crianças em 1975, 187 mil em 1976 — e hoje, 1,5 milhões mais do que éramos então, nascem menos de metade. Claro que a extraordinária mudança no estatuto das mulheres portuguesas, as mudanças evidentes no que move os portugueses a serem pais e mães (cada vez mais vontade e menos acaso) contribuíram decisivamente para reduzir o número de filhos. Mas sabemos bem como a nova economia da austeridade e a violência e a chantagem quotidiana em que o trabalho se tem transformado adiam quaisquer planos de parentalidade para depois dos 30, ou 40, além de fazer fugir de Portugal aqueles que querem iniciar a aventura do amor transformado em família. Cínico é que sejam os que falam nos valores familiares a prescrever salários baixos e encerramento de serviços públicos. Talvez pensem que devam ser os mesmos avós a quem cortam a reforma a tomar conta dos filhos dos seus filhos.
Manuel Loff, JP 25.04.13
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