Derrota vergonhosa
...Cavaco Silva foi derrotado de forma estrondosa. E a sua
falta de estatura moral e política é um peso insuportável para o país. A sua
decisão de não pedir a fiscalização preventiva de um orçamento que padecia,
ostensivamente, de várias inconstitucionalides, levou a que, no momento em que
estão a ser negociadas novas condições com os nossos credores, o país esteja a
discutir uma possível queda do Governo e as medidas que terão de ser tomadas
para substituir as que foram chumbadas pelo TC. A sucessão de acontecimentos,
desde a apresentação do orçamento de Estado, mostra até que ponto esta
coligação de direita está a prejudicar o país. O sonho de Sá Carneiro - uma
maioria, um Governo, um presidente - é na realidade um pesadelo do qual não
vemos maneira de acordar. Cavaco Silva ajudou Passos Coelho a chegar a
primeiro-ministro, e é refém voluntário desta decisão, será até ao fim. Ontem,
antes de se conhecer a decisão do TC, confirmou isso mesmo, ao afirmar que esta
não era a altura de haver eleições. Faça o que o Governo fizer, Cavaco não o
vai deixar cair. Podem falhar largamente todas as previsões orçamentais,
destruirem a economia, manterem uma atitude de humilhante subserviência perante
a UE e os nossos credores, podem apresentar orçamentos não só inexequíveis e
mal construídos como ilegais à luz da lei fundamental do país, que Cavaco será
o último garante deste Governo. Cavaco não preside aos destinos do país,
preside aos seus próprios interesses e aos do partido a que sempre pertenceu. A
pátria que se lixe, é um pormenor da grandiosa história pessoal de Cavaco
Silva. No nosso momento mais difícil, não temos estadistas, mas sim ratos de
porão a comandarem o barco. Triste destino, o nosso.
Sérgio Lavos 06.04.13 link
... Aliás, se se pudesse falar, a propósito de uma decisão do
TC, em vitórias e derrotas, tratar-se-ia de uma derrota clamorosa para o
Presidente da República. Porque veio tornar ainda mais claro que deveria ter
solicitado a fiscalização preventiva do OE 2013, permitindo que o assunto
ficasse resolvido desde janeiro. E porque no seu pedido o PR se concentrava
naquilo que considerava ser a grande injustiça sobre os pensionistas com
reformas mais elevadas, desvalorizando o corte dos subsídios a funcionários e
pensionistas. Outra relativa surpresa do acórdão é "chumbar" a taxa
sobre subsídios de doença e desemprego.
Jorge Reis Novais, Constitucionalista DN 06.04.13 link
O PR não existe e não tomará
qualquer iniciativa para protecção dos portugueses. O plano está traçado. Cavaco faz parte, com Passos Coelho, Gaspar e Portas, da clique de executores do plano de liquidação das conquistas de Abril.
Etiquetas: Cavaco
6 Comments:
Cavaco Silva conseguiu ontem, em poucas palavras, dizer o quão irrelevante considera ser a função de Presidente da República que ocupa. De uma assentada, afirmou que qualquer decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento é um problema exclusivo da Assembleia da República. Nunca seu, sequer do Governo. Recusou qualquer hipótese de crise política e afirmou que o Governo está relegitimado após o “chumbo” da moção de censura e tem mais de meio mandato para cumprir. E ainda considerou que o executivo depende apenas da confiança do Parlamento, não da do Presidente da República.
Foi assim que Cavaco Silva, ao fazer tábua rasa do sistema semipresidencialista português, se demitiu, ao vivo e em directo a partir de Sines. Aquele que deveria ser a válvula de escape do regime, o último reduto do nosso sistema de check-and balances, a garantia de que pode tudo correr mal que temos sempre um Presidente com quem contar, deitou por terra toda a teoria constitucional e prática política das últimas décadas, e inclusive a do seu primeiro mandato.
Como mostra a História, o Presidente é o que cada inquilino de Belém faz do cargo que ocupa em cada momento. Cavaco já nos tinha dito que, neste segundo mandato, entende que lhe basta ter umas conversas de “pé de orelha”, escrever memórias sem contraditório ou visitar empresas de sucesso para continuar a desempenhar exemplarmente as suas funções. Só ainda não tinha assumido tão explicitamente a sua própria irrelevância.
Leonete Botelho JP 06.04.13
O Tribunal Constitucional viu-se transformado no alvo de tentativas de pressão política provenientes de todos os quadrantes políticos, económicos e institucionais, mas resistiu!
O acórdão ontem lavrado constitui uma vigorosa afirmação da independência judicial, da fidelidade dos juízes à sua missão singular de defensor último da Constituição da República e, seguramente, de uma exemplar maturidade democrática.
Há que ler com atenção estas 200 páginas que vêm consolidar a interpretação e o alcance dos princípios do “Estado de direito” e da “igualdade”, o significado da “segurança jurídica” e o valor da “não-discriminação”, para compreender a razão do especial cuidado devido àqueles que se encontram em situação mais precária — desempregados ou pensionistas — ou mais vulneráveis às conveniências das políticas anti-sociais em voga — como os trabalhadores do Estado. Os manuais de Direito poderão agora fundamentar com jurisprudência sólida e coerente o profundo alcance da “solidariedade” inscrita na própria raiz da nossa história democrática e constitucional.
Tem agora o Presidente da República a oportunidade de se confrontar com os motivos que privilegiou na sua opção de não suscitar a apreciação preventiva da constitucionalidade do Orçamento do Estado para 2013, quando, parece, já tinha em seu poder informação que lhe oferecia fundamentos suficientes para intervir — no quadro estrito das suas atribuições — para evitar a consumação das graves violações da Constituição para que fora alertado, e assim contribuir para a prevenção de mais uma crise política, tal como lhe recomenda a Lei Fundamental que jurou “cumprir e fazer cumprir”.
A execução orçamental é uma atribuição específica e exclusiva do Governo, a quem cabe a iniciativa da Lei do Orçamento. Seria espantoso que, apesar de tantos avisos e depois desta vergonhosa condenação por violação da Lei Fundamental, em que é reincidente, viesse agora repetir que não há alternativa!
Bacelar de Vasconcelos JP 06.04.13
Passos Coelho pode dar um murro na mesa. Pode achar inconcebível, incrível, ingerível, um horror. Não tem razão. A decisão do TC limita-se a elevar o défice público para um pouco acima dos 6,3%, mais 0,8 pontos percentuais do que está negociado com a troika para este ano, talvez um pouco mais. Dramático? Nada. O ministro das Finanças está habituado a derrapagens superiores. É verdade: isto obrigará o Governo a ser ainda mais rigoroso no controlo da despesa. Talvez a ser mais ambicioso na renegociação das PPP (porque não?), a olhar para os transportes públicos e a ter cuidado com o BPN, a bomba-relógio, o nosso Chipre de estimação. Mas para Passos há um lado bom. E de repente, impulse: há um estímulo à economia. Mais de mil milhões de euros voltam à carteira dos funcionários públicos e dos reformados. É dinheiro, é consumo, é IVA, talvez seja menos recessão. E a contribuição especial sobre os pensionistas? Cavaco não ganha uma; e Gaspar lá conseguiu segurar 421 milhões. Justo? Paga quem ganha mais, os "mais ricos", haverá quem fique sem 80% da pensão. No meio do caos, é o menos injusto. Numa situação de emergência deve pagar quem tem mais, embora haja pessoas que não são carne nem peixe. Mesmo assim, um ano aceita-se, não mais. É tempo de o Governo mostrar que sabe reformar o Estado. Chega de improviso.
André Macedo DN 06.04.13 link
O ambíguo
O PR falou em Sines como se não tivesse pedido a fiscalização do OE
No dia em que o Tribunal Constitucional chumbou quatro normas do OE, Cavaco Silva foi a Sines ver uma refinaria e negar a existência de uma crise política. Frase estranha, no lugar e no tempo, através da qual Cavaco pretendia defender o Governo, do qual nem sempre tem sido lá muito amigo, do choque previsível do TC. Com o país em suspenso da decisão dos juízes, ficou no ar a ideia de um Presidente alheado da realidade. No fim de contas, até dava a ideia de que Cavaco não tinha enviado nenhum artigo do OE para fiscalização no Constitucional. Ou que parecia não estar disponível para assumir essa responsabilidade.
JP 07.04.13
Nota: "Ambíguo" para não lhe chamar outra coisa. Cavaco Silva , mais uma vez, com um comportamento indecoroso.
Afinal a Constituição não é de gelatina
A decisão de ontem do Tribunal Constitucional assume uma importância central no Direito Constitucional Português, afirmando uma “Constituição da Crise” e, simultaneamente, rejeitando a “Crise da Constituição”.
Muitos têm propugnado a obsolescência da Constituição Portuguesa. É um discurso recorrente que nos remete para muitas conceções metaconstitucionais de discutível plausibilidade. Nele abundam opções pessoais do foro ideológico, não raro pagando tributo a tendências neoliberais que campeiam na opinião pública pós-moderna, dos economistas e não só.
Como muitos também têm sido aqueles que — sem diretamente colocarem em questão o paradigma constitucional da normalidade — não têm desistido de, a pretexto da crise económico-financeira que nos assola, defender um poder legislativo com plena liberdade de ação, erigindo como único objetivo a salus publica.
Ora, a decisão do Tribunal Constitucional responde bem a estas cogitações, reiterando a validade geral da Constituição. A Lei Fundamental, afinal, tem uma efetividade regulativa sobre a realidade constitucional. Mas, ao mesmo tempo, ela é sensível ao tempo da crise porque acomoda uma resposta jurídicoconstitucional adaptada.
Obviamente que se pode discutir a concreta calibração realizada perante o vasto conjunto de medidas que foram analisadas da perspetiva da anunciada declaração de inconstitucionalidade.
Porém, ressalta à vista a vitalidade argumentativa expendida em torno de dois princípios constitucionais, os quais acabam por ser a marca de água da “Constituição da Crise”, que não são negociáveis em sede de contas públicas: a igualdade e a proporcionalidade.
A hierarquia dos valores, que temi que ficasse em risco, foi garantida pelo Tribunal Constitucional: não vale tudo para corrigir as contas públicas. Os equilíbrios macroeconómicos têm de ser conseguidos respeitando a Constituição.
O Tribunal Constitucional reprimiu a “batota constitucional” em que têm assentado algumas decisões financeiras: a de corrigir os desequilíbrios financeiros à custa dos valores fundamentais da comunidade política, fazendo uns pagar por todos, sendo certo que esta responsabilidade é coletiva e indivisível.
Jorge Bacelar Gouveia JP 07.04.13
Inconstitucionalissimamente
1. Sabíamos já que este é um governo com uma profunda insensibilidade social e um claro alinhamento de classe, que repercute os sacrifícios sobre os trabalhadores e classes populares, corta apoios sociais, reduz ou elimina direitos laborais e ataca fortemente a progressividade fiscal. Sabíamos já que é um governo cronicamente mentiroso e desprovido de legitimidade democrática substantiva, que se tem dedicado a executar um programa radicalmente diferente, quando não mesmo diametralmente oposto, dos programas com que foi eleito e das promessas eleitorais repetidas. Sabíamos que é um governo caracterizado por uma claríssima promiscuidade com o poder económico, que deixa praticamente intocados os privilégios e rendas associados às PPP ou às rendas da electricidade, prossegue uma agenda de desmantelamento da saúde, educação e segurança social públicas para abrir espaço à rendibilidade privada e, a uma escala menor, distribui sinecuras e prebendas por entre “boys” e aliados, como os consultores para a RTP ou para as privatizações. E sabíamos ainda que é um governo que se tem dedicado a destruir a economia e a sociedade portuguesas, impondo 23,8 mil milhões de Euros em medidas de austeridade entre 2011 e 2013, fazendo o desemprego disparar para níveis nunca vistos e lançando a economia numa espiral recessiva, para uma poupança orçamental de apenas 6,6 mil milhões de Euros. Agora, temos também a confirmação de que se trata de um governo que, não fora o tribunal constitucional, governaria à margem da lei, desrespeitando de forma reiterada, em dois anos consecutivos, a constituição da república portuguesa.
2. Tão nocivo quanto um governo alheado da lei, do bem-estar da população e do interesse do país é um presidente da república incapaz. E é incapaz um presidente que não consegue estar à altura da principal responsabilidade de que está incumbido e que jurou assumir ao tomar posse: cumprir e fazer cumprir a constituição. Pois um presidente da república que, perante um orçamento de estado ferido de inconstitucionalidade em quatro aspectos essenciais, opta pela fiscalização sucessiva e não preventiva da constitucionalidade e não solicita a fiscalização de dois pontos que acabam por ser julgados inconstitucionais é, claramente, alguém incapaz de desempenhar as funções de que está incumbido.
3. Quer antes, quer depois da leitura do acórdão do tribunal constitucional, multiplicaram-se os artigos e comentários de analistas alinhados com o poder económico e político, alegando que aos juízes não devem caber decisões políticas e invocando um pretenso estado de necessidade criado por um memorando de entendimento que se sobreporia à constituição. Pois fiquem sabendo que a lei, toda a lei, bem como a sua aplicação, são sempre e intrinsecamente políticas. E fiquem também sabendo que, no ordenamento jurídico português, nada, nem a lei do orçamento, nem qualquer acordo com credores, nem sequer as directivas europeias, têm valor jurídico superior à constituição. Chama-se a isso um estado de direito constitucional – tem muitas falhas, como sabemos, mas é apesar de tudo uma barreira contra o aprofundamento da barbárie que este governo e estes comentadores gostariam de ver imposto.
Alexandre Abreu, 07.04.13
Enviar um comentário
<< Home