O que há de especial no sistema de saúde brasileiro?
Desde 1989, os brasileiros têm direito à atenção à saúde gratuita,
em nível primário, secundário e terciário, prestada por um sistema nacional de
saúde com características únicas na América Latina, financiado por impostos e
contribuições sociais específicas.
Como descrito no
primeiro artigo desta Série, a implantação do SUS se fez acompanhar de
importante descentralização do sistema e resultou na expansão do acesso aos
serviços de saúde, especialmente à atenção básica, com a Estratégia de Saúde da
Família. Essa mudança levou ao aumento expressivo de cobertura,1,2 com efeitos
positivos na melhora da mortalidade infantil 15,16 e, talvez, na mortalidade das
demais faixas etárias, além de reduções nas internações desnecessárias. O
Brasil vem investindo num sistema universal centrado na atenção primária, ao mesmo
tempo que muitos outros países optaram pela atenção seletiva e estratégias de
financiamento menos equitativas. Um inquérito realizado em 2008 mostrou que
93% dos brasileiros que procuraram atenção à saúde conseguiram obtê-la e várias
intervenções na atenção materno-infantil estão perto de atingir cobertura universal,
sendo implementadas na estrutura básica de saúde, e não como programas
verticais independentes.
Participação Social
Intensa participação social foi a “pedra fundamental” do SUS
desde a sua origem, com a articulação de movimentos sociais, nos anos 1970 e
1980, que resultou na reforma do setor de saúde. A participação social na saúde
foi institucionalizada pela Constituição de 1988 e, posteriormente, regulamentada
pela Legislação dos anos 1990, que estabeleceu conselhos e conferências de
saúde nos três níveis de governo: o Brasil possui atualmente um conselho
nacional, 27 conselhos estaduais e mais de 5.500 conselhos municipais de
saúde.1,20 dessas organizações são instâncias permanentes, responsáveis pela
formulação de estratégias de saúde, pelo controle da prática de políticas e
pela análise de planos, programas e relatórios de gestão submetidos à sua
apreciação pelos respectivos níveis de governo. Há forte interação entre conselhos,
gestores e formuladores de políticas, estabelecendo um processo decisório
complexo e inovador.
Todos os conselhos
são compostos por representantes de usuários (50%), de trabalhadores do setor
de saúde (25%), dos gestores e provedores de serviços de saúde (25%). As
Conferências têm lugar a cada quatro anos, nos três níveis de governo, cada uma
delas com um número expressivo de representantes, com a mesma distribuição
proporcional dos conselhos. O objetivo das conferências é avaliar a situação de
saúde e propor diretrizes para as políticas, contribuindo assim para a inclusão
de temas importantes na agenda pública.
Entre outros mecanismos democráticos, o orçamento participativo,
adotado por vários estados e municípios, é também uma inovação. Parte do
orçamento de saúde de uma cidade (município) ou estado é definida com base no
voto popular: a população de uma cidade pode votar, por exemplo, se uma nova unidade
de cuidados intensivos ou postos de saúde devem ser construídos em determinado
lugar. Apesar desses avanços, o processo de participação social deve ser
continuamente aprimorado.
Diferenças sociais e educacionais entre os representantes de
usuários, profissionais e gestores podem eventualmente dificultar o diálogo
democrático entre as partes. Interesses corporativos estão representados (ver “Problemas
associados aos interesses profissionais”) e a dominância tecnoburocrática pode
restringir a habilidade dos conselhos para aprovar mudanças substantivas. Em resposta
a estas limitações, a Política Nacional para o Gerenciamento Estratégico e
Participação (conhecida como Participa SUS) foi aprovada em 2007, para promover e
integrar ações relacionadas à participação social, ouvidoria, auditoria, monitoramento
e avaliação. Mesmo com algumas dificuldades, a institucionalização da participação
social em todos os níveis é uma característica particular do SUS.
Financiamento do SUS
O SUS teve menos sucesso do que originalmente esperado em
relação à expansão da parte pública nos gastos totais em saúde, cuja proporção
de 41%, em 2007, é desfavoravelmente comparada com outros países que possuem ou
não sistemas nacionais de saúde (Reino Unido, com 82%, e México, com 47%,
respectivamente).
Despesas com seguros privados e pagamentos diretos tiveram
aumento sustentado ao longo do tempo, mas desde a sua criação, o SUS tem
contado com orçamentos inferiores ao que seria necessário, apesar de
recomendações específicas sobre seu financiamento terem sido incorporadas à Constituição
de 1988. A parcela relativa ao setor de saúde no orçamento federal tem
permanecido estável e o gasto total em saúde representa 8,4% do Produto Interno
Bruto.44 Deficiências importantes existem no âmbito da infraestrutura, da
provisão de serviços especializados e na distribuição de recursos humanos, o
que tem exacerbado a dependência do SUS da compra de serviços aos prestadores
privados, sobretudo para a atenção em nível secundário e terciário.
Um exemplo dessa situação é que somente um terço de todos os
leitos hospitalares utilizados pelo SUS pertence a hospitais públicos. Por
outro lado, os provedores privados reclamam constantemente que os valores pagos
pelo SUS mal permitem cobrir seus custos. A possibilidade atual de uma crise
financeira constitui ameaça adicional e uma prioridade para o debate sobre o futuro
do SUS. …
“Condições de
saúde e inovações nas políticas de saúde no Brasil: o caminho a percorrer”, publicado Online 9 de maio de
2011, Cesar G
Victora, Mauricio L Barreto, Maria do Carmo Leal, Carlos A Monteiro, Maria Ines
Schmidt, Jairnilson Paim, Francisco I Bastos, Celia Almeida, Ligia Bahia,
Claudia Travassos, Michael Reichenheim, Fernando C Barros & the Lancet
Brazil Series Working Group*
"O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e
desafios" link
"O sistema da saúde do Brasil conjugado no passado, no
presente e no futuro" link
Etiquetas: SUS
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