quinta-feira, junho 13

O que há de especial no sistema de saúde brasileiro?


O Sistema Único de Saúde
Desde 1989, os brasileiros têm direito à atenção à saúde gratuita, em nível primário, secundário e terciário, prestada por um sistema nacional de saúde com características únicas na América Latina, financiado por impostos e contribuições sociais específicas.
 Como descrito no primeiro artigo desta Série, a implantação do SUS se fez acompanhar de importante descentralização do sistema e resultou na expansão do acesso aos serviços de saúde, especialmente à atenção básica, com a Estratégia de Saúde da Família. Essa mudança levou ao aumento expressivo de cobertura,1,2 com efeitos positivos na melhora da mortalidade infantil 15,16 e, talvez, na mortalidade das demais faixas etárias, além de reduções nas internações desnecessárias. O Brasil vem investindo num sistema universal centrado na atenção primária, ao mesmo tempo que muitos outros países optaram pela atenção seletiva e estratégias de financiamento menos equitativas. Um inquérito realizado em 2008 mostrou que 93% dos brasileiros que procuraram atenção à saúde conseguiram obtê-la e várias intervenções na atenção materno-infantil estão perto de atingir cobertura universal, sendo implementadas na estrutura básica de saúde, e não como programas verticais independentes.
Participação Social
Intensa participação social foi a “pedra fundamental” do SUS desde a sua origem, com a articulação de movimentos sociais, nos anos 1970 e 1980, que resultou na reforma do setor de saúde. A participação social na saúde foi institucionalizada pela Constituição de 1988 e, posteriormente, regulamentada pela Legislação dos anos 1990, que estabeleceu conselhos e conferências de saúde nos três níveis de governo: o Brasil possui atualmente um conselho nacional, 27 conselhos estaduais e mais de 5.500 conselhos municipais de saúde.1,20 dessas organizações são instâncias permanentes, responsáveis pela formulação de estratégias de saúde, pelo controle da prática de políticas e pela análise de planos, programas e relatórios de gestão submetidos à sua apreciação pelos respectivos níveis de governo. Há forte interação entre conselhos, gestores e formuladores de políticas, estabelecendo um processo decisório complexo e inovador.
 Todos os conselhos são compostos por representantes de usuários (50%), de trabalhadores do setor de saúde (25%), dos gestores e provedores de serviços de saúde (25%). As Conferências têm lugar a cada quatro anos, nos três níveis de governo, cada uma delas com um número expressivo de representantes, com a mesma distribuição proporcional dos conselhos. O objetivo das conferências é avaliar a situação de saúde e propor diretrizes para as políticas, contribuindo assim para a inclusão de temas importantes na agenda pública.
Entre outros mecanismos democráticos, o orçamento participativo, adotado por vários estados e municípios, é também uma inovação. Parte do orçamento de saúde de uma cidade (município) ou estado é definida com base no voto popular: a população de uma cidade pode votar, por exemplo, se uma nova unidade de cuidados intensivos ou postos de saúde devem ser construídos em determinado lugar. Apesar desses avanços, o processo de participação social deve ser continuamente aprimorado.
Diferenças sociais e educacionais entre os representantes de usuários, profissionais e gestores podem eventualmente dificultar o diálogo democrático entre as partes. Interesses corporativos estão representados (ver “Problemas associados aos interesses profissionais”) e a dominância tecnoburocrática pode restringir a habilidade dos conselhos para aprovar mudanças substantivas. Em resposta a estas limitações, a Política Nacional para o Gerenciamento Estratégico e Participação (conhecida como Participa SUS) foi aprovada em 2007, para promover e integrar ações relacionadas à participação social, ouvidoria, auditoria, monitoramento e avaliação. Mesmo com algumas dificuldades, a institucionalização da participação social em todos os níveis é uma característica particular do SUS.
Financiamento do SUS
O SUS teve menos sucesso do que originalmente esperado em relação à expansão da parte pública nos gastos totais em saúde, cuja proporção de 41%, em 2007, é desfavoravelmente comparada com outros países que possuem ou não sistemas nacionais de saúde (Reino Unido, com 82%, e México, com 47%, respectivamente).
Despesas com seguros privados e pagamentos diretos tiveram aumento sustentado ao longo do tempo, mas desde a sua criação, o SUS tem contado com orçamentos inferiores ao que seria necessário, apesar de recomendações específicas sobre seu financiamento terem sido incorporadas à Constituição de 1988. A parcela relativa ao setor de saúde no orçamento federal tem permanecido estável e o gasto total em saúde representa 8,4% do Produto Interno Bruto.44 Deficiências importantes existem no âmbito da infraestrutura, da provisão de serviços especializados e na distribuição de recursos humanos, o que tem exacerbado a dependência do SUS da compra de serviços aos prestadores privados, sobretudo para a atenção em nível secundário e terciário.
Um exemplo dessa situação é que somente um terço de todos os leitos hospitalares utilizados pelo SUS pertence a hospitais públicos. Por outro lado, os provedores privados reclamam constantemente que os valores pagos pelo SUS mal permitem cobrir seus custos. A possibilidade atual de uma crise financeira constitui ameaça adicional e uma prioridade para o debate sobre o futuro do SUS. …
“Condições de saúde e inovações nas políticas de saúde no Brasil: o caminho a percorrer”, publicado Online 9 de maio de 2011, Cesar G Victora, Mauricio L Barreto, Maria do Carmo Leal, Carlos A Monteiro, Maria Ines Schmidt, Jairnilson Paim, Francisco I Bastos, Celia Almeida, Ligia Bahia, Claudia Travassos, Michael Reichenheim, Fernando C Barros & the Lancet Brazil Series Working Group*

"O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios" link
"O sistema da saúde do Brasil conjugado no passado, no presente e no futuro" link 

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