domingo, junho 9

No princípio: o racionamento...



O espectro do racionamento paira sobre o SNS. São cada vez mais frequentes as denúncias e cada mais graves – em termos de saúde - os casos que atingem as situações oncológicas e muitas ‘patologias pesadas’, em que está em jogo não somente o bem-estar mas o ‘risco de vida’. 
 Na saúde qualquer tipo de racionamento - e mais grave será o ‘encapotado’ porque eminentemente discriminatório – incide essencialmente sobre o volume e a qualidade do serviço prestado. Isto é, o racionamento altera sempre o equilíbrio entre produção (qualitativa e quantitativa), o ‘esforço’ orçamental de suporte às prestações e as condicionantes técnico-profissionais disponíveis e estes factos têm (sempre) reflexos directos sobre o universo dos utentes, a motivação e empenho dos prestadores e sobre os custos globais. E quando tentamos analisar e equacionar estes parâmetros díspares - económicos, de gestão, técnicos e humanos - não estaremos a colocar unicamente a ver o binómio custos-benefícios, mas a vislumbrar uma gritante iniquidade que pode ser o racionamento aleatório, i. e., dependente – através da tal ‘lei dos compromissos’ – da situação financeira concreta da entidade prestadora. 
 Esta ignóbil situação de racionamento encapotado surge, no nosso País, num momento crucial que não pode ser escamoteado. Pretende-se ‘esterilizar’ a discussão (política) centrando a atenção sobre uma máxima – os recursos são sempre finitos - que sendo verdadeira, não pode limitar ou encerrar o debate. De facto, o problema que actualmente os cidadãos (os utentes) enfrentam em relação ao SNS é, como tem sido afirmado repetidamente, a tentativa de mudança do paradigma constitucional (enquanto serviço universal, equitativo e tendencialmente gratuito). 
 A transposição e inserção dos sectores sociais, sem observar quaisquer condicionantes ou especificidade, na economia de mercado (diferente da economia social de mercado) é desde o ‘Consenso de Washington’ um objectivo fulcral do neoliberalismo. Assim - e dentro desta encapotada filosofia neoliberal – estamos confrontados com a tentativa de levar à prática um dogma: ‘só o mercado é capaz de fornecer eficientemente serviços sociais essenciais – saúde, educação, previdência, etc.’. E a partir daí toda a discussão está inquinada. Mesmo para aqueles que, sub-repticiamente, aparecem a defender o ‘racionamento dito explícito’, ou seja, de acordo com um projecto de racionalização dos recursos disponíveis. Porque, como sabemos e aprendemos com a evolução dos últimos 30 anos, no ‘Estado mínimo’, as questões sociais são secundarizadas. Num ‘mercado’ totalmente dominado pelo sistema financeiro as opções sobre políticas sociais estão ab initio condicionadas pelo funil e a triagem da sustentabilidade financeira. E se reparamos bem este tem sido o terreiro que Paulo Macedo pisa sistematicamente para abordar e ameaçar o SNS. Assim podemos estar certos que tudo o possa ser ‘manipulado’ para ser apresentado como insustentável financeiramente é, numa primeira fase, para ‘racionar’ e de seguida ‘eliminar’ (ou destruir). 
 Esta será mais uma tentativa ‘transferência’ da despesa pública em saúde para os utentes (contribuintes) directamente ou intermediada pelo sector privado. È por isso que as tentativas de racionamento(s) são importantes e necessitam de ser consideradas. Elas são a antecâmara de liquidação do actual SNS. 
 No fim – e de acordo com a carga ideológica deste Governo - restará algo de residual e o mecanismo de ‘ajustamento’ será idêntico ao que continua a impor em todos os sectores da vida fiscal, económica e social. A despesa global em cuidados de saúde sofrerá um dramático acerto: proceder à gradual transferência dos 65% de gastos públicos em saúde (dados de 2011) para a despesa privada, i. e., para o bolso dos contribuintes. 
 Este o papel ‘instrumental’ e inicial dos relatados racionamentos. 

E-Pá! 

Sobre esta matéria:
 1. Conselho de Ética admite racionar medicamentos a doentes terminais link 2. Racionamento dos cuidados de saúde e a participação da sociedade: revisão do debate link 3. Médicos acusam Ministério de “racionamento encapotado” de medicamentos link 4. Cortes orçamentais estão a racionar cuidados de saúde link 5. Racionamento em Saúde: inevitável realidade? link 6. ARS Norte - Restrição- Racionamento de Medicamentos a Pessoas com mais de 75 anos link 7. Racionamento de medicamentos no Hospital de Guimarães link 8. BE acusa ministro de “promover auto-racionamento de medicamentos” nos hospitais link 9. Medicamentos, racionamento e o interruptor link 10. Circular Infarmed (2005) Reprocessamento e Reutilização de dispositivos médicos destinados a um “uso único”link 11. Cálculo dos custos do reprocessamento de pinças de uso único utilizadas em cirurgia video-assistida link

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5 Comments:

Blogger DrFeelGood said...

A Associação dos Enfermeiros de Sala de Operações Portugueses contesta o reaproveitamento de dispositivos médicos cirúrgicos de utilização única, aprovada pelo ministério da Saúde, que a associação considera um "atentado".
A 30 de maio, o Ministério da Saúde fez publicar em "Diário da República" um despacho sobre os dispositivos médicos de uso único reprocessados, "com o objetivo de estabelecer as condições de adequada segurança que permitam alcançar poupanças indispensáveis para continuar a disponibilizar terapias e tecnologias inovadoras", refere o documento.

Segundo pode ler-se no despacho, assinado pelo secretário de Estado da Saúde, "a decisão sobre a utilização de dispositivos médicos de uso único reprocessados deve avaliar o custo-efetividade dessa prática, quando realizada em condições adequadas de qualidade e segurança, bem como ter em conta os custos diretos e indiretos e o seu impacto ambiental".

Para a Associação dos Enfermeiros de Sala de Operações Portugueses (AESOP), o reprocessamento dos dispositivos médicos é um "verdadeiro atentado à saúde pública", exigindo por isso a divulgação dos estudos de custo/benefício que fundamentam decisão do Ministério da Saúde.

"Não existiu qualquer divulgação de estudos de custo/benefício que fundamentem esta decisão", critica, em comunicado, a AESOP para a qual "esta atividade continua envolta numa informação contraditória, sem transparência, não sendo conhecida evidência científica que assuma a segurança dos doentes".

Um verdadeiro atentado à saúde
Para o vice-presidente da associação, Manuel Valente, o "reprocessamento dos Dispositivos Médicos de Uso Único representa um verdadeiro atentado à saúde dos doentes", lembrando que "os dispositivos médicos invasivos, pelas suas características de desenho, fabrico e utilização no procedimento cirúrgico - são introduzidos no interior do corpo - são os que determinam riscos incontroláveis para os doentes".

"Ora, esta prática não está de acordo com a cultura de segurança em que nós acreditamos, nem de acordo com as instruções da Comissão Europeia", explica Manuel Valente.
O responsável teme ainda que as consequências desta prática possam ser "desastrosas" para os doentes e "com total prejuízo para o processo de cuidados", pelo que "os enfermeiros de sala de operações reservam-se o direito de preservar a segurança e de não colaborar em processos que visem o reprocessamento" dos dispositivos.

expresso 10.06.13



3:07 da tarde  
Blogger DrFeelGood said...

«Na ausência de dados quantitativos, não é possível quantificar o risco associado à utilização de dispositivos médicos de uso único reprocessados. O número de incidentes documentados é muito reduzido, embora possivelmente a notificação de incidentes seja incompleta. No que diz respeito aos eventos adversos, pode existir uma área «cinzenta» relativamente à qual seja difícil a identificação e notificação de incidentes. Além disso, os efeitos a longo prazo podem não ser identificados e atribuídos à utilização de dispositivos médicos reprocessados.
Contudo, o CCRSERI identificou três riscos principais: a contaminação remanescente, a persistência de substâncias químicas utilizadas durante o reprocessamento e as alterações no desempenho dos dispositivos médicos de uso único causadas pelo reprocessamento.
Além disso, nem todos os dispositivos médicos de uso único são passíveis de reprocessamento; tal depende das suas características (por exemplo, material utilizado e geometria), da sua complexidade e do fim a que se destinam (não crítico, semi-crítico e crítico). Para identificar e reduzir os potenciais riscos associados ao reprocessamento de um determinado dispositivo médico de uso único, torna-se necessário avaliar e validar o ciclo de reprocessamento completo, incluindo o seu desempenho funcional, desde a recolha destes dispositivos médicos de uso único após a (primeira) utilização, até à esterilização final e conclusão do processo.
O CCRSERI mostrou especial preocupação quanto à potencial contaminação com agentes transmissíveis, tais como priões, cuja eliminação e inactivação não são possíveis, dado que o procedimento não é compatível com os materiais habitualmente utilizados para um dispositivo médico de uso único.
É inquestionável que o reprocessamento de dispositivos médicos de uso único tem o benefício de permitir a redução, até certo ponto, da gestão de resíduos e oferece a possibilidade de dividir os custos de aquisição por vários doentes. Contudo, até à data, não existe nenhum estudo exaustivo que demonstre que o reprocessamento de dispositivos médicos de uso único é, em termos globais, uma prática amiga do ambiente e eficaz em termos de custos quando realizada com elevados padrões de qualidade.
Atendendo ao acima exposto, e tendo em conta os potenciais riscos identificados pelo CCRSERI em termos de contaminação remanescente, persistência de resíduos químicos e alteração da funcionalidade, a Comissão avaliará que medidas deverão ser propostas no contexto da Revisão das Directivas Dispositivos Médicos no que diz respeito ao reprocessamento de dispositivos médicos de uso único, de forma a garantir um elevado nível de protecção dos doentes. A avaliação também terá em conta potenciais consequências económicas, sociais e ambientais das medidas preconizadas.»

Relatório sobre a questão do reprocessamento de dispositivos médicos na União Europeia, de acordo com o artigo 12.º A da Directiva 93/42/CEE

4:22 da tarde  
Blogger Jorge Santos said...

Como dizia um para um outro, foi "porreiro pá".
Contra o racionamento, mas claro que sim.
Mas onde se vai buscar a massa?
Mais impostos???

10:43 da tarde  
Blogger Clara said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

11:03 da tarde  
Blogger Clara said...

«5. A reutilização de dispositivos médicos descartáveis apresenta riscos para os doentes e o pessoal hospitalar. Devem ser tomadas medidas para fomentar a realização de estudos e a investigação neste domínio. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para impedir a reutilização de dispositivos descartáveis.» link

A reutilização de material de uso clínico é prática corrente no nosso país há muitos anos.
O que o governo pretende agora dinamizar às três pancadas é a reutilização de material clínico de uso único.
Esta reutilização requer cuidados especiais que não se compadecem com a pressa do governo em realizar poupanças de muitos milhões num exercício.
Depois de bem feitas as contas a poupança não deverá valer a perda de qualidade e aumento do risco.
Fossem os reportes dos casos de infecção adquirida por uso deste material fiáveis.

11:03 PM

11:11 da tarde  

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