terça-feira, novembro 26

Centro de Reabilitação do Norte:


Uma decisão, três erros

O Estado construiu e equipou o Centro de Reabilitação do Norte (CRN), consumindo mais de 32 milhões de euros de dinheiros públicos, tendo-o planeado para se integrar no SNS sob gestão pública, o que tem sentido pois há benefícios em manter o centro com esse estatuto:
- Reforça a rede de cuidados no norte, no que respeita à complementaridade e hierarquia técnica, e permite melhor coordenação de cuidados com os restantes prestadores do SNS.
- Facilita o desenvolvimento da MFR, pela normalização de práticas clínicas, o pleno cumprimento de requisitos técnicos e a maior associação do ensino e da investigação à prática clínica.
- Como a área do Porto tem boa acessibilidade a centralização não prejudica os doentes e a consolidação da MFR dos 4 ou 5 hospitais existentes liberta especialistas para o CRN e áreas para outros serviços, permitindo menor gasto global.

Não se percebe por que a decisão foi privatizar, mas a transparência e a boa gestão de dinheiros públicos exige que seja publicitada a fundamentação.

Perante uma decisão de privatização a escolha do fornecedor só podia ser por concurso para garantir o melhor prestador, um contrato desenhado para melhor servir a população e com o menor gasto para o erário público. Lembro que até para o hospital de Amadora Sintra foi aberto um concurso público!

Para os que veem a saúde com um mero negócio, a privatização sem concurso teria, no mínimo, que fazer-se escolhendo o parceiro privado por critérios que garantissem os melhores resultados ao longo do tempo, de modo a aumentar a concorrência e a facilitar o acesso ao mercado.

O que aconteceu?

Entrega do CRN ao maior prestador de MFR no Porto, já com um contrato muito vantajoso no Hospital da Prelada (HP), onde recebe o mesmo por doente que um hospital público central. Ora este tem um conjunto de responsabilidades – ensino, serviço de urgência, atender todo o tipo de doentes – que aumentam os custos dos cuidados. Por isso só pode concluir-se que pagar aos mesmos preços é beneficiar HP relativamente aos hospitais públicos.

Acresce que a Prelada recebe doentes já estudados, recusa os de maior gravidade ou que exijam cuidados mais exigentes, por ex. cuidados intensivos. Assim HP obtém uma vantagem adicional, por escolher os não urgentes, de menor gravidade e que requerem menos recursos.

Com um contrato tão generoso é possível manter lucros muito superiores aos dos restantes prestadores. Não se percebe por que este contrato tão generoso não foi corrigido até agora, porém é certo que a construção do CRN originava riscos para a posição do HP.

Percebe-se que a Misericórdia do Porto não queira um concorrente forte do lado de lá do rio, mas o interesse público não é acautelado se for entregue uma nova área ao maior prestador do Porto, aumentando-lhe o poder negocial junto do Ministério, limitando a concorrência e novas iniciativas em MFR, de misericórdias e outros prestadores.

A MFR precisa de melhorar no financiamento e no audit clínico, por ex., os doentes internados são pagos por diária, convidando um prestador pouco escrupuloso a selecionar doentes menos graves e a mantê-los para além do necessário, com isso aumentando os gastos públicos sem vantagens para os doentes.

Aqui chegados ficam três perguntas:

- O que leva o Estado a repetir outro Amadora-Sintra, isto é, construir e equipar um novo hospital para depois o entregar a um privado, destruindo o SNS e favorecendo os privados com dinheiros públicos, agora sem concurso ou garantia do melhor preço e qualidade?

- Que interesses e valores justificam essa decisão e que é feito da transparência e da responsabilidade pública pelo uso dos nossos impostos?

- Que motivos explicam o silêncio dos grupos privados de saúde?

Clara Branquinho

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3 Comments:

Blogger DrFeelGood said...

A pergunta sobre o silêncio dos grupos privados é fácil de responder.

O presidente da associação privada de hospitais enquanto era diretor do IPO do porto deu uma generosa avença ao actual provedor da Misericórdia. Este quando tomou posse como provedor correu a nomear aquele para administrador do Hospital da Prelada.
Os grupos privados estão muito interessados na revisão para melhor do contrato das PPP para se atreverem a fazer algo que indisponha o ministro da saúde.
Limpinho, Limpinho

10:39 da tarde  
Blogger DrFeelGood said...

Esta entrega sem concurso é possível pela nova lei que o Ministro fez aprovar para beneficiar as Misericórdias recorrendo ao orçamento público.Mas estas não têm nem estrutura, nem capital nem capacidade de organização para garantir uma resposta actualizada em termos tecnológicos e de gestão.
?As pessoas informadas quando têm um problema grave de saúde vão a um hospital de misericórdia??
Mesa do orçamento

10:41 da tarde  
Blogger PhysiaTriste said...

Há dias enviei um comentário que, talvez por inépcia minha, não tenha sido recebido pelo autor do blog.
Dizia, mais ou menos isto:
Agora compreendo porque é que os Médicos Fisiatras do Hospital da Prelada e até os Terapeutas ganham tanto dinheiro.
Com um vencimento base muito superior aos Chefes de Serviço dos Hospitais Públicos, duplicam esse alto vencimento com prémios de produtividade.
Para além disso podem acumular com a prática de medicina privada no próprio hospital a troco duma renda simbólica do seu consultório e prescrevendo tratamentos efectuados em instalações e equipamentos cujo custo o hospital suporta.
Só mesmo um generoso contrato com o Estado pode garantir tanta benesse.
Tenho lido na imprensa conclusões de relatórios feitos pela Inspecção dos Serviços de Saúde, Entidade Reguladora e Tribunal de Contas realizados, sobretudo nos Hospitais do Estado e raramente em privados. Relativamente à Prelada não se lê nada.
A Misericórdia do Porto sabe colocar as suas pedras em diferentes tabuleiros.
Clara Branquinho demonstra bem a falta de transparência da decisão Ministerial.
O Sr. Ministro tem medo de quem?

4:52 da tarde  

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