Negligências que matam
Refira-se que é esta entidade que alerta para a
circunstância de vários estudos demonstrarem "que a mortalidade bruta
aumenta no decurso de uma onda de calor e que certos grupos populacionais são
particularmente vulneráveis a este fenómeno, como os idosos, os que vivem com
más condições de habitação e os que sofrem determinados tipos de doenças, como,
por exemplo, as afecções cardiovasculares, doenças respiratórias crónicas,
diabetes, alcoolismo e certas doenças mentais".
De facto, o que se verificou durante a onda de calor deste
Verão foi que 89% do excesso de óbitos incidiu sobre a população idosa, com
mais de 75 anos, precisamente aquela em que a probabilidade daqueles riscos
estarem presentes é maior. Longe de representar um acontecimento inesperado, sabe-se
que aquele fenómeno meteorológico se verifica periodicamente, estando-lhe
sempre associado excesso de mortalidade. Foi assim em 1981, 1991 e 2003. Não
existiam, portanto, razões para se considerar que o acontecimento não iria
observar-se novamente com as mesmas consequências, se, entretanto, não se
verificassem alterações nos contextos sociais e de protecção das populações
mais expostas. Dado o nível de pobreza endémica da população portuguesa,
sobretudo da população idosa, e considerando que a situação se agravou desde
que os portugueses estão obrigados a viver ao abrigo do programa de assistência
financeira imposto pelos credores externos, era esperado que, pelo menos desde
2011, tivessem sido tomado medidas reforçadas para prevenir acontecimentos evitáveis
como este. Os dados divulgados pela DGS mostram que tal não aconteceu.
Assumiu-se, por defeito, que, a acontecer, as consequências de uma onda de
calor seriam uma fatalidade lamentável, mas mesmo assim uma fatalidade da qual
as populações mais vulneráveis não poderiam fugir.
Aliás, já na vigência deste Governo, as consequências que se
verificaram com a onda de calor deste Verão já se tinham verificado com a onda
de frio associado à infecção pelo vírus A(H3N3) no Inverno de 2011/12, em que
também houve um assinalável excesso óbitos, predominante entre os idosos. Nessa
altura, o autor em artigo publicado no semanário Tempo Medicina, de 9 de Abril
de 2012, alertava para o facto de ter existido "tempo suficiente para
criar um plano de contingência que prevenisse e minimizasse os impactos destas
duas condições sobre as populações socialmente mais vulneráveis". Tudo
leva a crer que as entidades governamentais com responsabilidades na prevenção
destes acontecimentos - ministérios da Saúde, Segurança Social e Administração
Interna, através dos serviços locais da Protecção Civil - se mantêm insensíveis
aos riscos a que estas populações estão expostas nos meses críticos do Inverno
e do Verão. Embora se deva concordar com as recomendações da DGS de que "a
preparação de medidas de informação e de protecção das populações, bem como a
sua divulgação e activação em tempo útil, perante a previsão de uma onda de
calor, é da maior importância", sendo necessárias, são manifestamente
insuficientes, carecendo da criação de um dispositivo sazonal permanente,
disponível para dar os vários tipos de respostas e suportes sociais que evitem
estas fatalidades.
Os valores desta mortalidade configuram uma prática negligente das atribuições dos responsáveis governamentais mencionados. Nessa medida, deveria competir à Procuradoria-Geral da República proceder à investigação das condições em que aqueles óbitos se verificaram. Para que a impunidade não saia vencedora destas catástrofes.
Os valores desta mortalidade configuram uma prática negligente das atribuições dos responsáveis governamentais mencionados. Nessa medida, deveria competir à Procuradoria-Geral da República proceder à investigação das condições em que aqueles óbitos se verificaram. Para que a impunidade não saia vencedora destas catástrofes.
Cipriano Justo, JP 10.11.13
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