Aconselhar as pessoas com diabetes a emigrar?
Portugal
é o país da Europa com maior prevalência de diabetes, 9,8%, enquanto a média
europeia é de 6,4%, segundo a OCDE. No entanto, a realidade é mais assustadora,
e, segundo o Observatório Nacional da Diabetes, a prevalência é já de 12,7%. link Embora reconhecendo
que a diabetes é extremamente consumidora de custos diretos, e indiretos,
verificamos que a despesa identificada representou, em 2011, um valor estimado
de cerca de 0,8% do PIB e 8% da despesa em saúde. No momento atual em que há
grande preocupação com os gastos em saúde, impõe-se equacionar se este gasto é
ou não excessivo. Estamos a tratar a diabetes de acordo com as boas práticas
clínicas? Têm as pessoas com diabetes em Portugal acesso idêntico aos cuidados
de prevenção e tratamento às dos restantes países europeus?
No
que se refere aos cuidados de saúde, estamos no bom caminho. No SNS, a
percentagem de utentes diabéticos com consultas registadas nos cuidados de
saúde primários e a taxa de cobertura da vigilância médica (duas e mais
consultas) rondam os 80%, sendo as consultas/ano entre 3,5 e quatro. No que
respeita aos níveis de compensação diabética, cerca de 80% estão compensados,
metade dos quais muito bem compensados.
Mas
a diabetes dá origem a múltiplas complicações e essas engrossam o custo do
tratamento, porque implicam com frequência internamento hospitalar, que
representa a maior parcela dos custos em diabetes. Verifica-se que tem havido
uma diminuição progressiva dos dias de internamento associados à descompensação
diabética, bem como a outras complicações, quando a diabetes é o motivo
principal de internamento.
Portugal
destaca-se da média europeia pelo menor índice de internamento por
descompensação. Mas os custos globais continuam a crescer, devido ao aumento do
número de pessoas com diabetes, da sua esperança de vida e da otimização do
tratamento. O que fazer para contrariar esta lógica de crescimento?
A
medida mais importante é a prevenção. Prevenção primária, para reduzir o número
de pessoas com diabetes, e prevenção secundária, para reduzir as complicações
crónicas. Como fazer? Dispomos de várias ferramentas, como o Programa Nacional
de Prevenção e Controlo da Diabetes publicado em 2008. Falta vontade política
para implementar acções de prevenção estruturada. A prevenção é no imediato
consumidora de recursos e os resultados são apenas visíveis a médio e longo
prazo. Há que reformular as equipas de saúde, centradas nos médicos,
tornando-as menos caras e mais eficientes, engrossando-as com enfermeiros
(indispensáveis para a educação terapêutica), podologistas, nutricionistas,
psicólogos e professores de Educação Física. Há que prosseguir na articulação
dos cuidados primários e secundários. Há que reduzir os gastos nos exames
complementares, racionalizando-os. Há que reavaliar a universalidade da
comparticipação da autovigilância glicémica, face ao mecanismo de ação dos
novos fármacos. Mas estes aspetos têm sido pouco encarados. Então o que se tem
feito? Mais uma vez, a redução tem vindo a ser feita através dos cortes no
custo dos medicamentos.
Todos conhecemos a
política do medicamento seguida pelo Ministério da Saúde. Cortar no preço dos
medicamentos, estimular a prescrição e o consumo de genéricos e dificultar (impedir) a introdução de
fármacos inovadores. Esta política faz-se sentir de forma muito profunda na
diabetes, até porque o custo global com medicamentos tem vindo a aumentar. No
grupo dos hipoglicemiantes (fármacos que baixam a glicemia), nem todos dispõem
de genéricos. Destes, a sua prescrição tem sido exponencial. Por exemplo, as
insulinas não têm biossimilares, por questões inerentes à própria legislação.
Quanto a novos fármacos, foi introduzido no mercado e comparticipado em 2007 um
novo grupo terapêutico. Os fármacos deste grupo são eficazes, utilizam-se em
posologias fixas e são praticamente isentos de efeitos secundários. São mais
caros, e ainda sem generificação devido às patentes. Estudos farmacoeconómicos
demonstraram serem custo/eficazes e porque não dão origem a hipoglicemia,
reduzem o número de internamentos hospitalares atribuíveis à diabetes. Mas, em
relação a este grupo, ventos contrários se fazem sentir, sob a forma de pressão
negativa quanto à sua utilização, nas Normas de Orientação Terapêutica, com
ultrapassagem dos coordenadores científicos e da Ordem dos Médicos, e de forma
direta sob a sua prescrição na Medicina Geral e Familiar.
Mas importa
questionar. Não existem desde 2007 mais medicamentos inovadores? Existem, mas nenhum
foi comparticipado em Portugal. Só o foram medicamentos genéricos ou diferentes
moléculas de grupos de fármacos já anteriormente comparticipados. O mesmo não
se passa na Europa, onde fármacos orais e insulinas inovadoras têm sido
introduzidos e comparticipados. Só um exemplo: há um grupo de fármacos
hipoglicemiantes que, além de controlarem a glicemia, diminuem o peso corporal,
que é comparticipado em praticamente todos os países da Europa e do mundo. Em
Portugal, aguarda comparticipação desde 2010.
Mas será que Portugal
gasta mais em fármacos hipoglicemiantes do que os outros países europeus? Apesar da maior
prevalência de diabetes, o consumo é semelhante à média europeia. Em Portugal,
segundo a OCDE, a dose diária definida por mil habitantes/dia é de 63 (DDD), enquanto
a média europeia é de 62, mas no Reino Unido é de 75 (prevalência 5,4%) e na
Alemanha 81 (prevalência 5,5%). Estamos numa época em que é politicamente
correto respeitar o cidadão na sua individualidade. Isso implica que o
tratamento seja centrado na pessoa com diabetes, nas suas características e nas
da sua doença.
Em
Portugal, as equipas de saúde fazem o melhor que podem. Mas como diz o povo,
“sem ovos não se podem fazer omeletes”. Resta-nos equacionar de novo a questão
inicial. Será que em Portugal devemos também aconselhar as pessoas com diabetes
a emigrar?
Nota:
O texto refere-se à diabetes tipo 2
Manuela
carvalheiro, endocrinologista, professora da Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra; consultora da DGS na área da diabetes, JP 14.11.13
Etiquetas: s.n.s
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home