domingo, novembro 17

Aconselhar as pessoas com diabetes a emigrar?


Portugal é o país da Europa com maior prevalência de diabetes, 9,8%, enquanto a média europeia é de 6,4%, segundo a OCDE. No entanto, a realidade é mais assustadora, e, segundo o Observatório Nacional da Diabetes, a prevalência é já de 12,7%. link Embora reconhecendo que a diabetes é extremamente consumidora de custos diretos, e indiretos, verificamos que a despesa identificada representou, em 2011, um valor estimado de cerca de 0,8% do PIB e 8% da despesa em saúde. No momento atual em que há grande preocupação com os gastos em saúde, impõe-se equacionar se este gasto é ou não excessivo. Estamos a tratar a diabetes de acordo com as boas práticas clínicas? Têm as pessoas com diabetes em Portugal acesso idêntico aos cuidados de prevenção e tratamento às dos restantes países europeus?
No que se refere aos cuidados de saúde, estamos no bom caminho. No SNS, a percentagem de utentes diabéticos com consultas registadas nos cuidados de saúde primários e a taxa de cobertura da vigilância médica (duas e mais consultas) rondam os 80%, sendo as consultas/ano entre 3,5 e quatro. No que respeita aos níveis de compensação diabética, cerca de 80% estão compensados, metade dos quais muito bem compensados.
Mas a diabetes dá origem a múltiplas complicações e essas engrossam o custo do tratamento, porque implicam com frequência internamento hospitalar, que representa a maior parcela dos custos em diabetes. Verifica-se que tem havido uma diminuição progressiva dos dias de internamento associados à descompensação diabética, bem como a outras complicações, quando a diabetes é o motivo principal de internamento.
Portugal destaca-se da média europeia pelo menor índice de internamento por descompensação. Mas os custos globais continuam a crescer, devido ao aumento do número de pessoas com diabetes, da sua esperança de vida e da otimização do tratamento. O que fazer para contrariar esta lógica de crescimento?
A medida mais importante é a prevenção. Prevenção primária, para reduzir o número de pessoas com diabetes, e prevenção secundária, para reduzir as complicações crónicas. Como fazer? Dispomos de várias ferramentas, como o Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Diabetes publicado em 2008. Falta vontade política para implementar acções de prevenção estruturada. A prevenção é no imediato consumidora de recursos e os resultados são apenas visíveis a médio e longo prazo. Há que reformular as equipas de saúde, centradas nos médicos, tornando-as menos caras e mais eficientes, engrossando-as com enfermeiros (indispensáveis para a educação terapêutica), podologistas, nutricionistas, psicólogos e professores de Educação Física. Há que prosseguir na articulação dos cuidados primários e secundários. Há que reduzir os gastos nos exames complementares, racionalizando-os. Há que reavaliar a universalidade da comparticipação da autovigilância glicémica, face ao mecanismo de ação dos novos fármacos. Mas estes aspetos têm sido pouco encarados. Então o que se tem feito? Mais uma vez, a redução tem vindo a ser feita através dos cortes no custo dos medicamentos.
Todos conhecemos a política do medicamento seguida pelo Ministério da Saúde. Cortar no preço dos medicamentos, estimular a prescrição e o consumo de genéricos e dificultar (impedir) a introdução de fármacos inovadores. Esta política faz-se sentir de forma muito profunda na diabetes, até porque o custo global com medicamentos tem vindo a aumentar. No grupo dos hipoglicemiantes (fármacos que baixam a glicemia), nem todos dispõem de genéricos. Destes, a sua prescrição tem sido exponencial. Por exemplo, as insulinas não têm biossimilares, por questões inerentes à própria legislação. Quanto a novos fármacos, foi introduzido no mercado e comparticipado em 2007 um novo grupo terapêutico. Os fármacos deste grupo são eficazes, utilizam-se em posologias fixas e são praticamente isentos de efeitos secundários. São mais caros, e ainda sem generificação devido às patentes. Estudos farmacoeconómicos demonstraram serem custo/eficazes e porque não dão origem a hipoglicemia, reduzem o número de internamentos hospitalares atribuíveis à diabetes. Mas, em relação a este grupo, ventos contrários se fazem sentir, sob a forma de pressão negativa quanto à sua utilização, nas Normas de Orientação Terapêutica, com ultrapassagem dos coordenadores científicos e da Ordem dos Médicos, e de forma direta sob a sua prescrição na Medicina Geral e Familiar.
Mas importa questionar. Não existem desde 2007 mais medicamentos inovadores? Existem, mas nenhum foi comparticipado em Portugal. Só o foram medicamentos genéricos ou diferentes moléculas de grupos de fármacos já anteriormente comparticipados. O mesmo não se passa na Europa, onde fármacos orais e insulinas inovadoras têm sido introduzidos e comparticipados. Só um exemplo: há um grupo de fármacos hipoglicemiantes que, além de controlarem a glicemia, diminuem o peso corporal, que é comparticipado em praticamente todos os países da Europa e do mundo. Em Portugal, aguarda comparticipação desde 2010.
Mas será que Portugal gasta mais em fármacos hipoglicemiantes do que os outros países europeus? Apesar da maior prevalência de diabetes, o consumo é semelhante à média europeia. Em Portugal, segundo a OCDE, a dose diária definida por mil habitantes/dia é de 63 (DDD), enquanto a média europeia é de 62, mas no Reino Unido é de 75 (prevalência 5,4%) e na Alemanha 81 (prevalência 5,5%). Estamos numa época em que é politicamente correto respeitar o cidadão na sua individualidade. Isso implica que o tratamento seja centrado na pessoa com diabetes, nas suas características e nas da sua doença.
Em Portugal, as equipas de saúde fazem o melhor que podem. Mas como diz o povo, “sem ovos não se podem fazer omeletes”. Resta-nos equacionar de novo a questão inicial. Será que em Portugal devemos também aconselhar as pessoas com diabetes a emigrar?
Nota: O texto refere-se à diabetes tipo 2
Manuela carvalheiro, endocrinologista, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra; consultora da DGS na área da diabetes, JP 14.11.13

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