sábado, junho 21

A ‘Contra-Reforma’ São-Joanina…


A demissão em bloco dos directores de serviço do Hospital do Centro Hospitalar São João (Porto) tem um enorme significado político, embora esta tomada de posição surja envolta num ambiente nebuloso acerca das razões subjacentes que o tempo se encarregará de explicitar. link
Para já a ambígua fórmula declarativa de que “não existem condições para continuar a tratar dos doentes de forma adequada” é, na prática, contrariada pelas recorrentes e públicas tomadas de posição da Administração deste Hospital que tem aparecido na praça pública a incensar bons resultados subsidiários de uma boa gestão, considerados os ‘tempos de cólera’. link.
O facto de o Conselho de Administração do Centro Hospitalar apoiar a acção reivindicativa e simultaneamente permanecer em funções é um dos elementos perturbadores para a cabal compreensão desta iniciativa. Perante este ‘distanciamento solidário’ ou ‘solitário’(?), entre o CA e os órgãos dirigentes intermédios desse Hospital, algumas questões se levantam e estão por esclarecer.
O jogo foi longe demais e não pode deixar de ter profundos reflexos futuros na governação clínica desta importante unidade do SNS. Levanta-se sempre a suspeição de estarmos perante manobras de (re)posicionamento e de diversão na ‘gestão’ de um conflito latente e aberto, por parte do actual presidente do CA. Estas dissensões não são novas e durante o percurso recente deste Centro Hospitalar têm aflorado com alguma periodicidade à superfície envolvendo a figura do presidente do CA, António Ferreira link.
E o denominador comum deste conflito, para além da degradação dos cuidados prestados já anunciada que afecta não só este Hospital, mas todo o sector hospitalar do SNS, é o ‘buraco’ criado por uma aguardada (e necessária) ‘Reforma Hospitalar’ que tarda a afirmar-se como um sendo instrumento bem elaborado, consensual e capaz de salvaguardar o SNS dos tractos de polé a que tem sido submetido pela actual equipa ministerial. Presentemente, a gestão hospitalar pública move-se em terrenos lodacentos e resvaladiços de ‘cortes’ seriados e sistemáticos, manifestamente à deriva de qualquer estratégia capaz de promover a ‘sustentação’ do sector enfeudada ao cumprimento de preceitos constitucionais (universalidade, equidade e acessibilidade).
Os resultados alcançados pelo Centro Hospitalar de S. João, quer no domínio económico-financeiro, quer na vertente clínica (ocupa presentemente o 2º. lugar no ranking nacional link), levam a actual equipa dirigente a jogar forte. Não passa, todavia, de uma ‘jogada individualista’, quando muito ‘regionalista’ (da a importância do CHSJ na região Norte) ao arrepio de qualquer estratégia nacional que tenha como finalidade curar o SNS das mazelas que lhe foram introduzidas pelo longo período de medidas de ‘excepcionalidade’ (austeridade). O SNS dificilmente recuperará sem passar por cuidados intensivos.
António Ferreira quer disfrutar de maior autonomia e flexibilização (e protagonismo) na gestão dos recursos humanos, investimentos, manutenção e aquisição de equipamentos, etc., situações que o texto e modelo da Reforma Hospitalar, divulgado pelo MS, está longe de assegurar ou garantir. Ora, estas reivindicações, sendo comuns à maioria das administrações hospitalares, não representam necessariamente um passo em frente na defesa do SNS já que não têm o necessário suporte político nem um alicerce estratégico centrado na defesa de um serviço público universal (SNS).
Ao surgirem isoladamente e capitaneadas pelo actual Conselho de Administração do CHSJ produziram um enorme alarido mediático mas colocam fundadas reservas sobre a dimensão dos objectivos propostos e os propósitos políticos de ‘mudança’ que lhe estão inerentes.
A ‘visão’ (estratégica?) de António Ferreira para o SNS que recentemente – Março de 2014 - foi vertida em livro (“A Reforma do SNS, a minha visão” Ed. Verso da História link ) é, como o próprio autor confessa um documento criticável link nomeadamente quanto às soluções referentes aos recursos humanos onde se advoga o livre despedimento (em nome da produtividade e eficiência) sob a pretensão de ‘despedir quem não quer trabalhar’. As peregrinas ideias que aí defende valeram-lhe ser promovido a companheiro mediático de Medina Carreira onde conseguiu apresentar espantosas dicas sobre idas mensais de cirurgiões ao bloco operatório. Esta ‘medinização’ e/ou ‘carreirização’ do autor do livros esclarece muito do que está em causa.
Na verdade, face a uma Reforma Hospitalar que este Governo se mostra incapaz de promover por motivos ideológicos, de programa e de (in)capacidade política link poderá ter nesta ‘insurreição’, vinda do Norte, uma ‘Contra-Reforma’ (sem que alguma Reforma tenha ocorrido). Quando consultamos o DEO (2014-18) link verificamos que as ‘medidas especificas no sector da saúde’ (pág. 39) dizem respeito essencialmente a ‘acordos com a indústria farmacêutica’ passando ao lado de reformas essenciais (a estrutura deverá ser defendida) como, por exemplo, a ‘Reforma Hospitalar’.
Esta poderá ser uma chave importante para a compreensão da actual situação que ‘levantou’ o Centro Hospitalar de S. João e que está longe de ser cabalmente explicitada nas notícias vindas a público e que levou, por exemplo, o primeiro-ministro, ontem, no Parlamento a dar razão aos 66 directores demissionários link . Este mortífero apoio de Passos Coelho à causa de António Ferreira deverá ser suficiente para manter incautos ou precipitados em guarda…
De facto, a única ‘saída à Porto’, logo ‘gloriosa’’, para a actual situação criada no CHSJ-P seria a ‘devolução’ do Prof. António Ferreira à actividade clínica e ao ensino médico donde desertou há quase uma dezena de anos e, politicamente, se existisse honra, dignidade e sensibilidade a demissão de Paulo Macedo.
De resto, estes ‘fogos-fátuos’ não devem impedir, deferir ou perverter a reforma (hospitalar) como o ascetismo e a frugalidade dos franciscanos, há séculos, não evitou que Lutero liderasse a Reforma (protestante)…

E-Pá!

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