A ‘Contra-Reforma’ São-Joanina…
A demissão em bloco dos directores de serviço do Hospital do
Centro Hospitalar São João (Porto) tem um enorme significado político, embora
esta tomada de posição surja envolta num ambiente nebuloso acerca das razões
subjacentes que o tempo se encarregará de explicitar. link
Para já a ambígua fórmula declarativa de que “não existem
condições para continuar a tratar dos doentes de forma adequada” é, na prática,
contrariada pelas recorrentes e públicas tomadas de posição da Administração
deste Hospital que tem aparecido na praça pública a incensar bons resultados
subsidiários de uma boa gestão, considerados os ‘tempos de cólera’. link.
O facto de o Conselho de Administração do Centro Hospitalar
apoiar a acção reivindicativa e simultaneamente permanecer em funções é um dos
elementos perturbadores para a cabal compreensão desta iniciativa. Perante este
‘distanciamento solidário’ ou ‘solitário’(?), entre o CA e os órgãos dirigentes
intermédios desse Hospital, algumas questões se levantam e estão por
esclarecer.
O jogo foi longe demais e não pode deixar de ter profundos
reflexos futuros na governação clínica desta importante unidade do SNS.
Levanta-se sempre a suspeição de estarmos perante manobras de
(re)posicionamento e de diversão na ‘gestão’ de um conflito latente e aberto,
por parte do actual presidente do CA. Estas dissensões não são novas e durante
o percurso recente deste Centro Hospitalar têm aflorado com alguma
periodicidade à superfície envolvendo a figura do presidente do CA, António
Ferreira link.
E o denominador comum deste conflito, para além da
degradação dos cuidados prestados já anunciada que afecta não só este Hospital,
mas todo o sector hospitalar do SNS, é o ‘buraco’ criado por uma aguardada (e
necessária) ‘Reforma Hospitalar’ que tarda a afirmar-se como um sendo
instrumento bem elaborado, consensual e capaz de salvaguardar o SNS dos tractos
de polé a que tem sido submetido pela actual equipa ministerial. Presentemente,
a gestão hospitalar pública move-se em terrenos lodacentos e resvaladiços de ‘cortes’
seriados e sistemáticos, manifestamente à deriva de qualquer estratégia capaz
de promover a ‘sustentação’ do sector enfeudada ao cumprimento de preceitos
constitucionais (universalidade, equidade e acessibilidade).
Os resultados alcançados pelo Centro Hospitalar de S. João,
quer no domínio económico-financeiro, quer na vertente clínica (ocupa
presentemente o 2º. lugar no ranking nacional link),
levam a actual equipa dirigente a jogar forte. Não passa, todavia, de uma
‘jogada individualista’, quando muito ‘regionalista’ (da a importância do CHSJ
na região Norte) ao arrepio de qualquer estratégia nacional que tenha como
finalidade curar o SNS das mazelas que lhe foram introduzidas pelo longo
período de medidas de ‘excepcionalidade’ (austeridade). O SNS dificilmente
recuperará sem passar por cuidados intensivos.
António Ferreira quer disfrutar de maior autonomia e
flexibilização (e protagonismo) na gestão dos recursos humanos, investimentos,
manutenção e aquisição de equipamentos, etc., situações que o texto e modelo da
Reforma Hospitalar, divulgado pelo MS, está longe de assegurar ou garantir.
Ora, estas reivindicações, sendo comuns à maioria das administrações
hospitalares, não representam necessariamente um passo em frente na defesa do
SNS já que não têm o necessário suporte político nem um alicerce estratégico
centrado na defesa de um serviço público universal (SNS).
Ao surgirem isoladamente e capitaneadas pelo actual Conselho
de Administração do CHSJ produziram um enorme alarido mediático mas colocam
fundadas reservas sobre a dimensão dos objectivos propostos e os propósitos
políticos de ‘mudança’ que lhe estão inerentes.
A ‘visão’ (estratégica?) de António Ferreira para o SNS que
recentemente – Março de 2014 - foi vertida em livro (“A Reforma do SNS, a minha
visão” Ed. Verso da História link ) é, como o próprio autor confessa um documento criticável link
nomeadamente quanto às soluções referentes aos recursos humanos onde se advoga
o livre despedimento (em nome da produtividade e eficiência) sob a pretensão de
‘despedir quem não quer trabalhar’. As peregrinas ideias que aí defende
valeram-lhe ser promovido a companheiro mediático de Medina Carreira onde
conseguiu apresentar espantosas dicas sobre idas mensais de cirurgiões ao bloco
operatório. Esta ‘medinização’ e/ou ‘carreirização’ do autor do livros
esclarece muito do que está em causa.
Na verdade, face a uma Reforma Hospitalar que este Governo
se mostra incapaz de promover por motivos ideológicos, de programa e de
(in)capacidade política link
poderá ter nesta ‘insurreição’, vinda do Norte, uma ‘Contra-Reforma’ (sem que
alguma Reforma tenha ocorrido). Quando consultamos o DEO (2014-18) link
verificamos que as ‘medidas especificas no sector da saúde’ (pág. 39) dizem
respeito essencialmente a ‘acordos com a indústria farmacêutica’ passando ao
lado de reformas essenciais (a estrutura deverá ser defendida) como, por
exemplo, a ‘Reforma Hospitalar’.
Esta poderá ser uma chave importante para a compreensão da
actual situação que ‘levantou’ o Centro Hospitalar de S. João e que está longe
de ser cabalmente explicitada nas notícias vindas a público e que levou, por
exemplo, o primeiro-ministro, ontem, no Parlamento a dar razão aos 66
directores demissionários link
. Este mortífero apoio de Passos Coelho à causa de António Ferreira deverá ser
suficiente para manter incautos ou precipitados em guarda…
De facto, a única ‘saída à Porto’, logo ‘gloriosa’’, para a
actual situação criada no CHSJ-P seria a ‘devolução’ do Prof. António Ferreira
à actividade clínica e ao ensino médico donde desertou há quase uma dezena de
anos e, politicamente, se existisse honra, dignidade e sensibilidade a demissão
de Paulo Macedo.
De resto, estes ‘fogos-fátuos’ não devem impedir, deferir ou
perverter a reforma (hospitalar) como o ascetismo e a frugalidade dos
franciscanos, há séculos, não evitou que Lutero liderasse a Reforma
(protestante)…
E-Pá!
Etiquetas: E-Pá, Politica de Saúde
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