A infecção é má em Àfrica
Para António Sarmento, director de serviço de infecciologia
no Hospital de S. João, “esta infecção por vírus ébola é má no sítio onde
existe [África], mas aqui não vai dar pandemia”.
António Sarmento, director do serviço de doenças infecciosas
do Hospital de S. João, no Porto, uma das três unidades escolhidas para receber
casos suspeitos de infecção por vírus de ébola em Portugal, diz que os
hospitais têm todos os dias de lidar com apendicites, pneumonias e
traumatizados e que não se pode hipertrofiar "uns problemas e esquecer
outros".
À frente de um serviço de doenças infecciosas com a responsabilidade do
Hospital de S. João, está muito preocupado com actual situação?
É evidente que qualquer doença contagiosa e que mata em
qualquer parte do mundo nos preocupa. Agora, uma coisa é preocupar, outra é
entrar em pânico. O pânico é péssimo, faz vítimas. Por outro lado, as pessoas
têm de perceber que os recursos são finitos e limitados e que continua a haver
todos os dias em Portugal apendicites, pneumonias, meningites, traumatizados e
não podemos hipertrofiar uns problemas e esquecer outros.
Acha que é isso que está a acontecer?
Não, o que acho é que tudo aquilo que é sensacional, que
mata gente, vende. O perigo é que, se se
hipertrofia muito isto, um dia há uma emergência realmente emergente e as
pessoas ficam dessensibilizadas em relação às notícias. Dizem: lá vêm mais umas
parangonas…
Acredita que se pode estabelecer um paralelo com o que aconteceu com a
gripe A?
Não, de modo nenhum. Primeiro, a gripe A era muito menos grave, matava pouco.
Por outro lado, a gripe A tem a capacidade de conduzir a pandemia a nível mundial, embora menos grave, e esta
não. Esta [infecção por vírus ébola] é má no sítio onde existe [África], mas
aqui não vai dar pandemia. Pode vir alguém, expatriado, que chegue infectado.
Nesses casos, os hospitais que os recebem têm de tomar medidas de precaução
para evitar que alguém contacte com os seus
fluidos corporais, não há contágio através do ar.
Os hospitais estão preparados para lidar com esta eventualidade? Há
vários hospitais que não estão incluídos no plano de contingência definido pela
Direcção-Geral de Saúde (DGS) que decidiram avançar para dar formação aos seus
profissionais por sua iniciativa.
O que acontece é que há normas da Direcção-Geral da Saúde
que os hospitais estão a cumprir. O que está preconizado é que se deve formar as
pessoas que podem vir a contactar com estes doentes.
Mas isso não significa, em teoria, que seria necessário formar todos os
profissionais de saúde?
Não, há que estabelecer prioridades. Significa para já
formar os que estão no circuito de tratamento de possíveis doentes, o que faz
mais sentido para infecciologistas, intensivistas e internistas do que, por
exemplo, para oftalmologistas.
Em que consiste essa formação?
Basicamente, o que se pretende é que as pessoas tenham a
certeza de que a sua pele não contacta com fluidos do doente. É o chamado
"isolamento de contacto".
O S. João é um dos hospitais de referência para receber casos
suspeitos. Já tinham o circuito montado?
Já tínhamos o circuito muito oleado, porque já houve outros
alarmes que depois felizmente não se concretizaram, como o SARS [síndrome
respiratória aguda grave]. Agora, a grande diferença em relação à gripe é que
[o ébola] mata mais, mas eu não acredito, a não ser que haja uma mutação do
vírus, que haja uma epidemia na Europa ou na América. O grande esforço que
temos de fazer é lá [em África]. É preciso que se vá para lá, que se montem
hospitais com tratamento de suporte adequado para estes doentes, até porque já
se consegue reduzir bastante a mortalidade. Há três medidas fundamentais: diagnosticar
os casos, tratá-los e isolá-los.
Mas isso não está a ser conseguido…
Está a ser difícil, porque estes são países pobres,
desordenados, com pouca legislação. Mas é aí que se deve investir.
Como se explica, então, o que está a acontecer em Espanha, onde uma
auxiliar de enfermagem ficou infectada ao cuidar de um doente, apesar de usar
um fato de protecção e de no seu hospital haver todo um circuito de segurança
montado?
Não há nada nesta vida que tenha risco zero. Há uns anos,
houve um caso de ébola num hospital sul-africano e, dos cerca de 300
profissionais que contactaram com o doente, só um ou dois foram contagiados.
Isto aconteceu porque eles, que nem sequer sabiam que o doente tinha ébola,
seguiram as medidas-padrão, as que se devem seguir em todos os casos. Quanto ao
facto de ter acontecido agora um caso [de infecção secundária] em Espanha,
penso que foi um descuido, tanto quanto sei pelos jornais. Se as medidas forem
cumpridas, estamos seguros.
JP 10.10.14, entrevista alexandra campos link
Global
Alert and Response (GAR) link
Ebola Facts: How Many Patients Are
Being Treated Outside of West Africa? link
CDC ebola link
Outbreak of Ebola Virus Disease in
Western Africa link
Outbreak of Ebola virus disease in West Africa link
Expertos europeos señalan que el Carlos III no es un centro
“adecuado” link
Etiquetas: diário da pandemia
1 Comments:
O surto de ébola para além de todos os dramas humanitários que lhe estão inerentes poderá encerrar, na sua devastadora virulência, duas enormes qualidades:
1.) evidenciar a miséria que grassa no continente africano em termos de rede sanitária básica;
2.) pôr à prova os sistemas de saúde do 1º. mundo numa situação que exige elevado rigor, adequado planeamento e muito treino.
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