Em defesa da ética republicana na Administração Hospitalar
Dirão:
"É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio
de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito,
ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo, mas, se a gente quiser,
vai dar pra mudar o final!
Parte final
do Poema "Só de Sacanagem", de Elisa Lucinda (1).
Desde a sua
criação, nos finais da década de 60 e princípios da década de 70 até 1988,
vigorou a ética republicana no acesso e no exercício da actividade de
administração hospitalar: 1) exercício profissional da actividade de
administração hospitalar; 2) método de carreira («o mais apto a proporcionar…a
desejável justiça nos respectivos
acessos e criterioso rigor no recrutamento»(2) ); 3) regra do concurso no recrutamento e
acesso aos lugares de administração hospitalar («permitindo a satisfação das
legítimas expectativas até pela certeza antecipada da meticulosidade das
escolhas a que dá lugar, designadamente pela imposição da observância de normas
certas e conhecidas no recrutamento e promoção» dos administradores
hospitalares»; 4) selecção pelo mérito e respeito pelos princípios da
prossecução do interesse público, da igualdade, da legalidade, da publicidade
e da transparência; 5) a exigência de
habilitações apropriadas à complexidade da natureza das funções de administração
hospitalar («a administração dos hospitais (…) tornou-se tarefa de
profissionais com preparação cuidada e estatuto adequado, visto que a
mobilização de meios financeiros e humanos nos serviços de saúde atinge enorme
volume e os prejuízos decorrentes de uma gestão pouco esclarecida podem ser
importantíssimos, tanto do ponto de vista económico como social e humano»)(3) .
Com a lei de
Gestão Hospitalar de 1988, precursora, nomeadamente no que se refere à
governação dos hospitais, da nova gestão pública (à outrance, da ideologia
neoliberal) posteriormente consagrada e ampliada pela Lei de Bases de 1990 e
pelos diplomas legais que a vieram completar (Novo Estatuto do SNS, em 1993, a
nova lei de gestão hospitalar de 2002, e a empresarialização dos hospitais em
finais de 2002), deixou de se verificar a ética republicana no preenchimento
dos lugares e no exercício da actividade hospitalar.
Os lugares de
administração (e todos os de direcção e de apoio técnico, além de outros)
passaram a ser preenchidos por livre escolha com base apenas em critérios de
natureza política. Com os Hospitais SA e EPE – dados os abusos na liberdade de
contratação – esta situação piorou.
Os hospitais
foram transformados, de alto a abaixo, em coutadas exclusivas de uma nova casta
de privilegiados, novos filhos de algo, de sangue laranja, azul ou cor-de-rosa,
regra geral, os encartados partidários, os filhos, os sobrinhos, os enteados,
os/as amantes de alguém do poder (ou com poder), os quais, por sua vez, se têm
encarregado de contratar, segundo os mesmos processos, outros encartados,
filhos, sobrinhos, enteados, ou amantes para os mais diversos cargos e
funções.
Tem-se
assistido a um assalto generalizado, a «um fartar vilanagem», por parte de uma
vasta horda de hóspedes, sem habilitações adequadas, - cujos actos de gestão carecem
dos mais básicos conhecimentos - às diversas funções que antes eram
desempenhadas por administradores hospitalares devidamente habilitados e
recrutados por mérito.
Em diversos
hospitais, os administradores hospitalares de carreira foram colocados em
prateleiras, num ou noutro caso em prateleiras douradas, todos, porém, em
situação de clara humilhação pessoal e profissional e de total falta de
respeito pela dignidade dos cargos que ocupam ou que ocuparam (caso, por
exemplo, de alguns ex directores de hospitais ou vogais de conselhos de
administração). A falta de pudor, ultimamente, tem-se agravado, no que parece
ser uma operação concertada entre os boys desses hospitais. É caso para
perguntar: de quem têm medo os boys?
Neste
período, de uma desejada mudança na gestão pública, com a necessidade de
retorno às regras da boa burocracia weberiana,(4)
os partidos políticos devem ser desafiados a assumir publicamente a sua
posição política sobre esta questão.
Para o efeito
pedimos a colaboração de todos os colegas administradores hospitalares para
que, através do blog Saúde SA, participem na elaboração de um Manifesto que irá
ser submetido à consideração da direção de todos os partidos concorrentes às
eleições para, em tempo útil, antes das eleições, os administradores
hospitalares poderem decidir quanto à sua opção de voto tendo em conta também
este considerando
As respostas
escritas, ou a falta delas, serão publicadas, para conhecimento de todos, uma
semana após o termo do prazo atrás referido.
__________________
1. Cit in
Amorim, C.A.N. (2008). Princípio
republicano, cargo em comissão de serviço e clientelismo político nos
municípios do Estado do Rio de Janeiro: reflexões sobre a profissionalização da
função pública no Brasil. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas. Escola
Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Centro de Formação Académica
e Pesquisa. Curso de Mestrado em Administração Pública.
2. As citações, diretas ou indiretas, que aqui
se fazem remetem para os preâmbulos dos dois diplomas que estiveram na base da
criação da carreira de administração hospitalar e que julgamos ainda hoje
pertinentes (D.L. 48357, de 27 de abril e D.L. 441/71, de 27 de setembro).
3. «Acontece, no entanto, que os hospitais são
entidades extremamente complexas, das mais complexas dos tempos de hoje, pelo
que, do meu ponto de vista, o amadorismo, qualquer que seja o seu fundamento,
faz correr riscos graves, de grande montante económico e de incalculáveis
afrontamentos humanos. Por certo que estes riscos podem também verificar-se em
administradores de carreira. Só que, nesse caso, há um estatuto e uma
responsabilidade profissional.» (Coriolano Ferreira, Três reflexões sobre os
administradores hospitalares em Portugal. Revista Portuguesa de Saúde Pública.
N.ºs 1-2, janeiro-junho de 1986, p. 75-76.
4. Gay, P. (2000, 2012, edição espanhola). En
elogio de la burocracia. Weber.Organización. Ética. Madrid. Siglo XXI.
Etiquetas: Gestão Hospitalar
4 Comments:
Excelente análise. Não sou AH, mas poderia ser. Conheço alguns sítios onde os(as) amantes, sobrinhos, irmãos e outro tipo de favoritismos imperam. É um fartar-vilanagem de todos os lados. Os tais gestores para além destes requisitos têm méritos científicos muito questionáveis. Estamos numa republiqueta.
Carreira dos AH em cuidados paliativos.
Pergunta-se: O que tem feito sobre esta matéria a actual direcção da APAH ?
Será muito importante participarmos na elaboração do documento sugerido no presente post.
Unidos seremos capazes de fazer a defesa da ética profissional dos AH.
Tenho vivido intensamente a carreira de administração hospitalar; apesar de estar aposentado há alguns anos, continuo interessado e ainda hoje fico indisposto com as sucessivas alterações que o documento relata com pormenor, a partir da Dra. Leonor beleza e seu acólito governamental. Mas também lamento que muitos dos meus colegas (e amigos, alguns) tenham aceitado estas alterações. O que me valeu foi ter andado com um pé em África para me sentir aliviado...Paulo Salgado, algures em África.
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