Novela das PPP prossegue
Doutoramento do ministro da Saúde
defende parcerias com sector privado. Mesmo antes de entrar no Governo,
Adalberto defendeu a “combinação público-privado”.
O currículo oficial do ministro da
Saúde, Adalberto Campos Fernandes, no site do Governo, começa por o identificar
como um lisboeta nascido em 1958, para de seguida destacar que “é doutorado em
Administração da Saúde pela Universidade de Lisboa”. O tema da tese de
doutoramento, defendida a 14 de setembro de 2015, poucas semanas antes de o
autor tomar posse como ministro da Saúde, não podia ser mais atual — “A
combinação público-privado em Saúde: impacto no desempenho do sistema e nos
resultados em saúde no contexto português”.
O resumo da tese, no início do
documento, é esclarecedor sobre as vantagens do casamento público-privado: “Em
Portugal, nos últimos 30 anos, a participação do sector privado no sistema de saúde
contribuiu para a melhoria da eficiência no financiamento e na prestação de
cuidados de saúde pela competição e cooperação geradas, pela utilização mais
racional dos recursos, pela repartição de responsabilidades e pelo aumento da
produtividade, pelo incremento da equidade no acesso, através do aumento da
oferta, da maior cobertura geográfica do país, da redução de barreiras de
acesso, da redução das listas de espera e ainda pela melhor articulação entre
os sectores traduzida na melhoria global dos resultados em saúde.”
Um dos vários aspetos analisados para o
agora ministro chegar a estas conclusões são os hospitais em parceria
público-privada (PPP), que por estes dias têm merecido a oposição frontal do
PCP e do BE. Os dois partidos que apoiam o Governo estão contra um novo acordo
de PPP no Hospital de Cascais (a unidade, que já foi presidida por Campos
Fernandes, é gerida pelo grupo Lusíadas e o contrato termina no final do ano
que vem). PCP e BE e exigem igualmente a integração no Serviço Nacional de
Saúde (SNS) do hospital de Braga, cuja parceria com privados termina a meio de
2019, o que exige até ao verão uma decisão do Governo sobre o futuro da
unidade.
Há duas semanas, quando o ministro da Saúde
foi ao Parlamento, bloquistas e comunistas criticaram a possibilidade de estes
dois hospitais continuarem em PPP. “É incompreensível que, quando o SNS precisa
de mais investimento, o orçamento do SNS sirva cada vez mais para financiar
privados”, disse Moisés Ferreira, do BE. O bloquista concluiu que “não há
nenhuma vantagem para o Estado, e para o utente, com as PPP”.
Apesar de o ministro defender o
contrário na tese de doutoramento que apresentou há menos de dois anos, deu ao
BE uma resposta conciliatória. Chegou até a dizer que “sobre a questão das PPP,
no essencial, nós estamos de acordo” — não falava do facto de o BE exigir o fim
das PPP, mas à necessidade de os contratos serem mais exigentes. E resumiu tudo
a uma “única questão”: “Valerá ou não a pena perguntar, com um caderno de
encargos diferenciado, com um caderno de encargos que respeite aquilo que são
as próprias exigências que o BE tem colocado, se um operador privado faria por
aquele hospital melhor do que faria um operador público?”
Carla Cruz, do PCP, teve discurso
parecido: “Rejeitamos o modelo de PPP, só a gestão pública das unidades de
saúde garante os princípios da igualdade, universalidade e tratamento geral”.
Campos Fernandes respondeu no mesmo tom conciliador, elogiando a coerência do
PCP. Mas o seu pensamento não podia estar mais distante do dos parceiros à
esquerda.
“Melhor prossecução do interesse
público”
Sobre as PPP nos hospitais, nota que são
a forma de “renovar o parque hospitalar português através da realização de um
investimento com pagamento futuro”. Mais do que isso, “o programa de parcerias,
apesar de constituir uma nova forma de contratação de cuidados de saúde com
investimento e gestão privados, manteve o planeamento e o financiamento
públicos, salvaguardando desta forma os princípios edificadores do SNS
(carácter universal, geral e tendencialmente gratuito)”. Exatamente o contrário
do que dizem PCP e BE.
Na tese, o ministro da Saúde dá nota
positiva à combinação público/privado em todos os critérios de análise:
eficiência do sistema, equidade no acesso e resultados em saúde. As questões
que levanta são, quando muito, sobre o papel regulador do Estado. “A
participação privada no financiamento e na prestação de cuidados de saúde
contribuiu positivamente para a melhoria da eficiência do sistema de saúde” — é
uma das suas conclusões, baseada em fatores como “o aumento da cooperação e da competição
entre os sectores público e privado; a utilização mais racional e efetiva dos
recursos (financeiros, técnicos e humanos); o maior enfoque na sustentabilidade
económica e financeira do sistema de saúde; o incremento da produtividade e a
redução de custos e a compensação de falhas do SNS.”
Sobre a equidade no acesso, Adalberto
conclui igualmente que a combinação público-privado “contribuiu, de uma forma
geral, para a melhoria”. O mesmo sobre os resultados: com a participação
privada, são melhores, seja pela “melhoria global do acesso”, pelos “ganhos de
produtividade e de eficiência” ou pela “melhoria dos níveis de qualidade e de
segurança do doente”. Apesar de agora Campos Fernandes temperar o seu
entusiasmo pelo modelo público-privado, “geringonça oblige”, e puxar por um
grau de exigência mais alto, a tese de doutoramento não deixa dúvidas sobre a
sua avaliação positiva do sistema misto.
Em resposta ao BE, o ministro disse
estar ‘‘de acordo no essencial’’ com preocupações do partido A equipa que avaliou
a PPP de Cascais também deu nota positiva à parceria. Apesar de não recomendar
a revalidação do atual contrato, o relatório considera “reunidas as condições
para, no caso específico do Hospital de Cascais, se recomendar a adoção de um
modelo de PPP”. Daí que os ministérios da Saúde e das Finanças tenham concluído
pelo “lançamento de uma nova parceria como o modelo preferencial com vista à
melhor prossecução do interesse público.”
Semanário expresso 04.01.17
Em tese este trabalho jornalístico poderia
ser considerado encomenda do senhor ministro. No lo creo. O semanário expresso sempre nos
habituou ao jornalismo de qualidade e independente.
Acontece que tudo o que aqui se diz já
se sabia: ACF trabalhou nas PPP e é fã confesso do modelo. Tudo juramentado em
tese de doutoramento em Administração de Saúde. Não obstante, no cumprimento do dever, ACF decidiu
acatar a recomendação da UTAP e
lançar concurso de adjudicação de nova PPP.
Enfim, a narrativa prossegue com todos ingredientes de
dramatismo tele-novelesco sobre o ministro angustiado obrigado a decidir contra as
suas convicções mais profundas.
Quanto aos sacrificados desta história, os que
permanecem no terreno, investidores, gestores, profissionais e utentes, com
futuro incerto nos próximos dois anos, não merecem o mais leve apontamento do
senhor jornalista de serviço.
Nota: Por que razão o estudo da UTAP não
é objecto de divulgação pública?
Etiquetas: ACF
1 Comments:
Segundo notícia do Jornal Público, a Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos do Ministério das Finanças terá concluído que o Estado terá poupado 40 milhões de euros em cinco anos com a gestão PPP do Hospital de Cascais. A ser correta esta avaliação de resultados, pergunta-se: o que justifica então a não renovação do contrato de gestão clínica do Hospital de Cascais com o grupo Lusíadas Saúde da brasileira Amil?
Face à excelência dos resultados apurados, esperar-se-ia sim que o Ministério das Finanças não só aconselhasse o ministro da Saúde a renovar o contrato como a considerar a entrega da gestão dos restantes hospitais do SNS ao United Health Group.
Enviar um comentário
<< Home