sábado, fevereiro 4

PPP da Saúde


Parcerias público-privadas em Saúde. Avivemos a memória.

A constituição de parcerias público-privadas insere-se na filosofia político-económica designada por “New Public Management”. Tendo como axioma o dogma de que o Privado faz sempre melhor que o Público, preconiza a privatização gradual das funções sociais do Estado (Educação, Saúde e Segurança Social) confinando este ao seu último reduto: assegurar as funções de Soberania, Justiça e Segurança da Ordem Pública.

De cariz neoliberal, com origem na Nova Direita Inglesa dos anos 90, este pensamento impregnou a Social-democracia Europeia através das correntes de pensamento blairistas (Tony Blair). Na área da Saúde teve especiais implicações no Reino Unido onde 101 dos 135 novos hospitais consignados entre 1997 e 2009 foram construídos sob a forma de parceria público-privada. Sobre esta experiencia Allyson Pollock, Professora e Investigadora em Saúde Pública na Universidade Queen Mary em Londres, na sessão comemorativa dos 25 anos da Associação Portuguesa de Economia da Saúde, referiu: os bancos estão a equilibrar as suas contas com o NHS devido aos grandes dividendos, até os conservadores consideraram as PFI uma inaceitável face do capitalismo.
Mais papistas que o Papa, no nosso País o modelo PPP na Saúde prevê não só a conceção, construção, financiamento e conservação do edifício (contrato a 30 anos), mas também a prestação de cuidados de saúde pela entidade privada (contrato a 10 anos). É sabido que o rigoroso cumprimento dos contratos, particularmente a área clínica, exige do supervisor público preparação específica e redobrada atenção, tendo em conta a difícil compatibilização do valor Saúde e a perspetiva de maximização do lucro inerente à atividade dos grupos económicos privados. A este propósito lembra-se a saga do hospital Amadora Sintra e as peripécias protagonizadas pela entidade gestora e os responsáveis políticos de então, num complexo e arrastado conflito jurídico, altamente lesivo para o Estado, em resultado da entrega do hospital à gestão privada do Grupo Mello.
Porém, esta dolorosa e dispendiosa experiência de gestão da coisa pública por privados, não demoveu Correia de Campos a arrancar em 2001 com o processo PPP. Para o efeito foi criada uma estrutura de missão “Parcerias.Saúde” que, liderada por Jorge Simões, teve a tarefa de conceber o modelo de parceria a ser aplicado a cinco hospitais: Cascais, Loures, Braga, Sintra e Vila Franca de Xira. Apresentado a poucos dias das eleições legislativas, que levariam Durão Barroso a render António Guterres à frente de um novo governo, Correia de Campos afirmou então que a continuidade do modelo de PPP português estaria garantida quer estivesse o PS ou o PSD no Governo uma vez que ambos contemplavam esta forma de gestão no seu programa.
A profecia mostrou-se certa pois não só foram garantidas as parecerias em curso, como Luís Filipe Pereira anunciou uma nova vaga de hospitais a lançar segundo o novo modelo: Évora, Vila Nova de Gaia, Póvoa de Varzim/Vila do Conde, Algarve e Guarda, ignorando, entre outros pareceres, a Auditoria do Tribunal de Contas. Extremamente crítico, o documento sublinhava o facto de o Estado ter optado por um modelo de parceria complexo e sem paralelo a nível internacional e por, apesar de não ter experiência nesta matéria, não ter avançado primeiro com um projecto-piloto. Este frenesim edificador de hospitais PPP e de alienação do setor público, só foi travado pela crise financeira de 2008 e o subsequente endividamento da Nação por arrasto.
A decisão política de avançar com o projeto PPP em Saúde não resultou pois das dificuldades das finanças públicas uma vez que antecedeu em largos anos a mais recente crise financeira. Foi sim uma opção ideológica, de cariz neoliberal, inspirada na corrente de pensamento blairista, com consequências nefastas para o interesse público, situação bem analisada por Tony Judt (historiador e pensador social-democrata, recentemente falecido) no seu livro “Ill Fares The Land”.
Tavisto

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