APAH, entrevista
GH:
Como sabemos a carreira de Administração Hospitalar existe desde 1968 e ainda
hoje se discute a falta de regulamentação no acesso à profissão de
administrador hospitalar bem como respectiva carreira. Num artigo publicado este
ano, e da sua autoria, referiu ser “imperativo garantir um consenso alargado
para um quadro de qualificação da administração hospitalar/gestão em saúde,
passando pela educação especializada, processo de recrutamento transparente,
avaliação do desempenho e formação contínua”. Na sua opinião, enquanto
Presidente da APAH, quais são os principais passos a serem dados para a
existência de uma verdadeira regulamentação da profissão e da carreira de
Administrador Hospitalar?
AL: No próximo ano a carreira de
administração hospitalar completa 50 anos. É um momento marcante para a
maturidade da gestão profissional em saúde. A agenda da Associação Portuguesa
de Administradores Hospitalares tem sido muito clara. Temos feito os nossos
melhores esforços para sensibilizar os vários níveis de intervenção e decisão
para a importância da profissionalização da gestão em saúde. Temos todos os
sinais que nos permitem afirmar que esta mensagem tem sido bem-recebida e
aceite por todos os actores. Claramente existe um largo consenso que a qualidade
dos cuidados de saúde está dependente de um quadro gestionário competente. Esta
competência é assegurada por gestores com formação e experiência profissional
adequadas, recrutados e avaliados de forma transparente. Reparem que esta não é
uma matéria de administradores hospitalares. A qualidade da gestão influencia
toda a resposta do sistema de saúde. Por isso mesmo, temos procurado envolver
os vários parceiros nas actividades da APAH como o "Caminho dos Hospitais", o "Fórum do Medicamento" ou as "Conferências de Valor".
Neste percurso temos tido sensibilidade
por parte do Senhor Ministro da Saúde e da sua equipa. Os passos dados no
sentido da criação do grupo de trabalho para a revisão da carreira e a
aprovação do relatório e proposta de Decreto-Lei apresentados sinalizam a
importância dada ao tema. Contudo, importa ter a noção sobre a relevância do
momento e a responsabilidade dos administradores hospitalares. A confiança
depositada em nós é algo que nos deve honrar, mas também responsabilizar. Mais
do que administradores/ gestores devemos ser líderes da mudança do sistema de
saúde. Para isso devemos ter um desempenho exemplar. Foi com este objectivo que
lançámos a Academia APAH – um programa compreensivo e contínuo de formação em
gestão em saúde. No passado dia 31 de março, os administradores hospitalares
responderam de uma forma unânime à proposta de revisão da carreira. Nos
próximos tempos devemos dar prova de dinamismo e liderança nos locais onde desempenhamos
funções.
GH:
É do conhecimento geral que os hospitais públicos portugueses têm sentido, nos
últimos anos, diversas mudanças estruturais no modelo de gestão e
financiamento. De algumas declarações suas vindas a público denota-se alguma
preocupação nestas sucessivas alterações, que não tiveram em conta a total garantia
da qualificação e responsabilização da gestão hospitalar. Defende que o modelo
de gestão em saúde deveria garantir a qualidade dos gestores com formação
específica e idoneidade para o exercício de funções? Em que termos?
AL: O sucesso de qualquer entidade/empresa
passa pela qualidade da sua gestão. No SNS não temos sido capazes de garantir a
qualidade no recrutamento de gestores, nem de realizar uma avaliação do seu
desempenho. Por outro lado, não podem existir dúvidas de que a qualidade dos
gestores e dirigentes depende da sua formação e dos conhecimentos, capacidades
e competências que detêm. Estou em crer que nestes aspectos existe um elevado
consenso nacional. Recentemente, o Decreto-Lei 18/2017, veio reforçar o
imperativo de uma maior capacitação dos conselhos de administração e dos órgãos
de gestão intermédia, cujos membros deverão possuir formação específica
relevante em gestão em saúde e experiência profissional adequada, e uma aposta
na transparência e igualdade de oportunidades nos processos de nomeação de
directores de serviço. Contudo, a aposta do legislador foi de uma natureza
qualitativa. No nosso ponto de vista, seria desejável avançar para critérios
mensuráveis de uma forma transparente, como por exemplo um número mínimo de
anos em lugares de direcção intermédia, como critério de acesso aos lugares de
direcção de topo. De qualquer forma, será importante acompanhar o cumprimento
destas novas orientações e em particular os reais impactos da sua aplicação.
Por outro lado, existe actualmente um modelo
proposto para a carreira de administração hospitalar por um grupo de trabalho
do Ministério da Saúde que mereceu a aprovação unânime dos administradores
hospitalares. A direcção da APAH defendeu e defende esta proposta. A proposta é
balanceada e corresponde a uma evolução do modelo. Não tenhamos ilusões, é
preciso ir bem mais além. O investimento num corpo dirigente na área da gestão
em saúde deve ser acompanhado por um programa de formação contínua e por uma
avaliação do desempenho transparente.
GH:
Considera que a falta de liderança é uma das principais causas para a
deterioração económica e financeira na área da saúde? E, se sim, em que termos
podem os Administradores Hospitalares ser responsabilizados pelo estado actual
e, em sentido contrário, vir a contribuir para uma mudança de paradigma?
AL: A falta de uma gestão profissional
do sistema de saúde é uma das principais causas para a deterioração económica, financeira e organizativa do SNS. A inexistência de um quadro transparente
de avaliação e responsabilização face aos resultados permitiu agravar esta
situação. Muitas vezes vemos maus desempenhos a serem premiados com reconduções
e bons desempenhos a merecerem a demissão. Ora, a ausência de critérios para o
exercício de funções, a ausente meritocracia e a injustiça na gestão do sector,
tornam o sistema perverso, afastando os melhores gestores. Assim, estes
permeabilizaram o SNS à possibilidade de muitos dos cargos de gestão serem
exercidos por profissionais sem conhecimentos na área da saúde. Naturalmente,
os administradores hospitalares têm um papel e uma obrigação a desempenhar na
inversão desta situação. Não através da passividade, mas através de uma activa
participação na busca de conhecimentos e soluções para o SNS.
GH:
Na sua opinião, quais os principais desafios da gestão em saúde? E, nesse
contexto, de que forma podem os Administradores Hospitalares contribuir para a
sustentabilidade do SNS e consequentemente para a melhoria dos cuidados de
saúde à população?
AL: Os desafios da gestão em saúde são
imensos. Geralmente, falamos da evolução demográfica, tecnológica e de
expectativas da população. Por outro lado, o crescimento económico anémico
dificulta a obtenção de receita para os cuidados de saúde universais. Contudo,
existem um sem-número de oportunidades únicas para melhoria e para fazer
evoluir o nosso sistema. A tecnologia, a informação e conhecimento atingiram
patamares extraordinários. Estes desenvolvimentos irão permitir desenhar
cuidados centrados nos interesses da comunidade – gestão de base populacional
–, e ao mesmo tempo, considerar a individualidade de cada cidadão e dos
resultados a alcançar. O aproveitamento de todas estas potencialidades e
realidades exige uma nova geração de líderes em saúde, com elevados níveis de
conhecimentos técnicos, mas também de natureza comportamental. Os
administradores hospitalares pela sua formação em saúde
pública/administração/gestão e experiência profissional estão posicionados para
ocupar este novo espaço, estando cientes que teremos de evoluir nos modelos de
educação, formação contínua e avaliação de desempenho. Esta nova liderança será
discutida no congresso da Associação Europeia de directores/gestores
hospitalares que a APAH organiza em Portugal no próximo ano. O congresso será subordinado ao tema: "Innovating in Public Health, Redefining the role of hospitals". Para além
de um grande momento de partilha de experiências com todos os actores será
também um momento inspirador para moldar o futuro.
Entrevista, presidente da APAH, Alexandre
Lourenço, Revista da APAH junho 2017
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