Tristíssima governação
O último prego no caixão do SNS
Caro/a leitor/a, se nos últimos anos recorreu a uma urgência
hospitalar ou centro de saúde, com toda a certeza foi atendido por um médico
especialista ou um médico interno, ou seja, em formação para obter o grau de
especialista. Até agora, esta tem sido a norma.
No entanto, isto poderá vir a mudar: este mês entrou em vigor o
Decreto-Lei que atribui carácter de “exceção” à entrada na especialidade. Como
foi isto possível?
O diploma modifica as condições em que cessam os contratos entre o
Estado e os médicos recémformados que iniciam funções no Serviço Nacional de
Saúde (SNS). Até agora, o contrato terminava no final da especialidade. Agora,
o ministério pretende que o contrato termine muito antes: quando termina o 1º
ano de “formação geral”, também chamado “ano comum”, que antecede a formação
especializada. Por outras palavras, e como refere a Federação Nacional dos
Médicos (FNAM), este diploma “desagrega em definitivo o Internato Médico”,
cortando quatro a seis anos da formação que estava anteriormente assegurada a
todos os médicos internos e encarando como “exceção” a continuidade dos seus
contratos com o SNS.
Também o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) já se declarou contra
esta alteração, realçando que o diploma estabelece a “divisão entre formação
geral e específica, confirmando-se a intenção da criação de médicos
indiferenciados pelo Governo”.
Esta reformulação da lei pode parecer apenas teórica para alguns. Na
realidade, já desde 2015 que centenas de médicos têm ficado de fora da formação
especializada: este ano calcula-se que fiquem de fora cerca de 800 médicos.
Além disso, segundo cálculos da Associação de Médicos pela Formação
Especializada (AMPFE), prevê-se que o número de médicos sem especialidade possa
chegar a 4000 dentro de três anos.
No entanto, esta revisão revela bem as verdadeiras intenções do atual
Ministério da Saúde que, até agora, permaneciam algo obscuras. Fica agora claro
como a água que este Ministério não está minimamente empenhado em inverter o
rumo que o Governo anterior (PSD-CDS) trilhou.
Continua a ignorar a necessidade de um planeamento da formação e a
negar a urgência de um investimento estrutural no sector da Saúde e na
contratação de mais profissionais. Continua a empurrar os médicos para fora do
SNS, para a emigração e para o setor privado, colocando em risco a saúde de
todos.
O atual ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, faz assim o que
o seu antecessor, Paulo Macedo, sempre quis fazer, mas nunca tinha conseguido:
criar as condições perfeitas para instalar a total precariedade no sector da
Saúde, deixando estes profissionais e a população à mercê dos interesses das
empresas de recrutamento e dos grandes grupos económicos com negócio instalado
no sector da Saúde.
Há cerca de um ano, deixámos o desafio: “O Parlamento e o Governo têm
que se pronunciar e decidir sobre o futuro que querem para a Saúde em Portugal:
será o SNS uma mera despesa, ou será, por outro lado, um investimento na
qualidade de vida das pessoas?”
Esta semana, tivemos a resposta: este ministério e este ministro
desistiram da formação médica de qualidade e da garantia de um bom atendimento
de saúde às populações, decidindo apostar na precarização dos médicos.
Sejamos claros: caso o ministro Adalberto Campos Fernandes insista em
levar o país por este caminho, ficará na história como o médico que matou o
SNS.
Afonso Moreira, médico interno e representante do movimento Médicos
indiferenciados, Não!, expresso 24.03.18
Por diversas vezes, ACF tem demonstrado preocupação em deixar marca na sua passagem à frente dos destinos da Saúde. Tristíssima marca,
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