Privatize-se!
Os funcionários públicos vão ser prejudicados com o fim do acordo entre ADSE e privados?
A resposta é “não” porque mesmo que a ameaça se concretizasse, e eu espero que não, os cinco grandes grupos de saúde representam apenas 0,003% dos 1500 prestadores privados com que a ADSE tem convenções. E há ainda muitas centenas de pequenos e médios prestadores de saúde que nos últimos anos têm procurado assinar convenções com a ADSE, e esta nem resposta tem dado.
Eu próprio desde que entrei para o Conselho Diretivo da ADSE tenho procurado que sejam assinadas convenções com novos prestadores para que os beneficiários da ADSE tenham acesso mais fácil a cuidados de saúde e para diminuir a concentração na prestação de cuidados de saúde à ADSE, mas todo o meu esforço até a esta data tem sido em vão.
A resposta é também “não” porque penso que, com serenidade e sensatez, esta situação de conflito com alguns grandes prestadores poderá ser resolvida, os 38 milhões pagos a mais pela ADSE com os descontos dos trabalhadores recuperados, e a ADSE não ser prejudicada.
A ADSE prevê apresentar em março uma proposta de preços máximos para os códigos abertos onde os prestadores, até aqui, podem faturar o preço que querem com margens de lucro que atingem 400% e mesmo muito mais, acabar com as “regularizações”, e eliminar a imprevisibilidade que tanto os grandes grupos de saúde e a ADSE se queixam e que é motivo de conflito. Penso que com esta solução a razão mais importante do conflito desaparecerá e a ADSE não será prejudicada.
Tudo isto prova que é urgente mudar a gestão que dominou a ADSE durante anos, que se caracterizava pelo descontrolo da despesa, pela marginalização dos pequenos e médios prestadores de saúde em claro favorecimento dos grandes grupos de saúde, que promoveu, com a conivência dos sucessivos governos, a concentração no sector privado da saúde, e a eliminação de centenas de pequenos e médios prestadores.
Os grandes grupos de saúde adquiriram um enorme poder de mercado com o qual agora ameaçam a ADSE e os beneficiários. Os grandes grupos de saúde são necessários à ADSE mas com uma relação equilibrada. É urgente assinar convenções com os pequenos e médios prestadores que as esperam há anos. Sem isto, e sem uma gestão rigorosa, e sem controlo da despesa não será possível garantir a sustentabilidade e a continuidade da ADSE para os beneficiários. É tudo isto que estou empenhado como representante dos beneficiários no Conselho Diretivo da ADSE.
Eugénio Rosa, expresso 16.02.19
O presente cartel dos privados contra a ADSE é a demonstração do que se passará num futuro muito próximo caso o papel dos privados não seja devidamente balizado.
Habituados a jogar com a fraqueza do Estado, na sequência da surpresa da PPP de Braga, os privados decidiram ensaiar uma posição de força.
Mas as coisas parecem não estar a correr de feição.
Depois do desabafo em direto da ministra link é a vez de Francisco Ramos tentar pôr cobro à chantagem: “A ADSE ainda é uma entidade pública e tem de prosseguir o interesse público. Se quiser seguir o interesse privado dos seus beneficiários, então privatize-se.”
Crítico do que diz ser um “inaceitável clima de chantagem sobre os poderes públicos e sobre as pessoas”, criando “uma situação de captura do interesse público por um conjunto de hospitais e clínicas privadas”, Francisco Ramos alerta que a ADSE não pode ceder se quiser continuar como parte do Estado. “Quem financia, praticamente por inteiro, a ADSE são os seus beneficiários, mas esta ainda é uma entidade pública. Se serve apenas para financiar as clínicas privadas, independentemente do interesse que tem pela saúde dos seus beneficiários, é uma lógica completamente contrária àquela que o Ministério da Saúde deve prosseguir e que se traduz no Serviço Nacional de Saúde.”
“É altamente questionável que a tutela deva ser da Saúde, neste caso delegada em mim, porque se é um serviço público, a sua missão tem de ser o interesse público”. Contudo, “paga coisas que não têm o mais pequeníssimo interesse para a saúde dos seus beneficiários mas apenas para aumentar os lucros dos prestadores privados, como exames de diagnóstico que se multiplicam, cirurgias e exames desnecessários...”
Portanto, “o ponto deve ser: a ADSE existe para dar conforto e ocupar os tempos livres dos seus beneficiários ou para ajudar a melhorar a saúde das pessoas?”
Como todos sabemos para que serve a ADSE: Privatize-se!
1 Comments:
A suspensão dos acordos com a ADSE pelos grandes grupos económicos mostra a fragilidade do modelo face a um mercado da saúde cada vez mais agressivo e cartelizado. Não sabemos como esta crise vai acabar, mas é bem possível que “em águas de bacalhau” dada a importância atual da ADSE no financiamento dos hospitais privados.
Há que reconhecer que o fim da inscrição obrigatória, deixando a ADSE financeiramente mais débil, a par do aumento crescente do recurso ao privado para atos médicos complexos (antes só realizáveis nos hospitais do SNS) e a incipiência de mecanismos de controlo da despesa, estão a levar este e outros subsistemas públicos à insolvência.
Pode pois este diferendo dar em nada mas, a prazo, se nada de profundo se alterar, é o que hoje se anuncia que irá acontecer. Facto que realça a importância de afirmar o SNS como pilar do sistema de saúde.
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