terça-feira, outubro 11

Ditadura do Inglès

O multilinguismo, ameaçado por força da globalização e da hegemonia planetária do inglês.
Dos seus variados domínios de actuação, gostaria, para concluir, de destacar o das línguas. Naturalmente, porque sou português; depois, porque para parafrasear Fernando Pessoa, a língua portuguesa é a pátria dos que a falam, isto é de 200 milhões de pessoas; e, sobretudo. porque o multilinguismo, hoje ameaçado por força da globalização e da hegemonia planetária do inglês, representa uma expressão da diversidade e do respeito pela diferença. As línguas são uma das primordiais manifestações da identidade dos povos e das culturas, importa pois protegê-las.
No caso particular da defesa da língua portuguesa, gostaria de ver o papel da UNESCO reforçado. O espaço da lusofonia, constituído pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que agrega oito países membros da UNESCO (Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, S.Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Timor-Leste) reúne todas as condições para servir de terreno de ensaio a experiências inovadoras no campo da preservação do multilinguismo. Porque a lusofonia tem uma dimensão intercontinental, porque é de matriz intercultural e ainda porque é portadora de valores universais. Porque apresenta uma enorme vitalidade e dinamismo (é das poucas línguas de comunicação internacional que está em crescimento) e ainda por ser uma das línguas mais faladas no mundo, mas que não usufrui, por isso, de um estatuto de prestígio correspondente. Por todas estas razões, justificar-se-ia uma maior cooperação entre a UNESCO e a CPLP com vista ao desenvolvimento sustentado da língua portuguesa - no plano da alfabetização, do ensino com recurso às novas tecnologias, da comunicação, da informação, da conservação do riquíssimo património histórico e literário de língua portuguesa e da divulgação da sua cultura
Jorge Sampaio, 33ª Conferência-Geral da UNESCO Paris 11.10.05.

Mas o que é a língua natal para Pessoa ?
Torna o mundo expressivo, e o olhar poético. Quando a perdemos, escreve ele, “torna-se-nos impossível, até em sonho, ser amante, ser herói, ser feliz. Tudo isso está vazio, até na ideia de que é. Tudo isso está dito em outra línguagem, para nós incompreensível, menos sons de sílabas sem forma no entendimento. A vida é oca, a alma é oca, o mundo é oco. Todos os Deuses morrem de uma morte maior que a morte. Tudo está mais vazio que o vácuo. É tudo um caos de coisas nenhumas.
“Se penso isto e olho, para ver se a realidade me mata a sede, vejo casas inexpressivas, caras inexpressivas, gestos inexpressivos. Pedras, corpos, ideias – está tudo morto “.
A perda de expressividade do mundo equivale à língua natal – porque, como a língua natal, o mundo expressivo é afectivo. Se é impossível traduzir o sentido das coisas num mundo inexpressivo, é porque ele não é comunicável senão por meio do afecto, ausente de um tal mundo. A morte de um ser amado produz-se nele em língua estrangeira. As palavras dessa língua surgem sem ligação umas com as outras, como signos isolados, incompreeensíveis. Do mesmo modo, o isolamento das coisas implica a evidência do seu sentido (afectivo) e a sua inexpressividade. Como quando chegamos a uma cidade estrangeira.
Pelo contrário, o mundo expressivo é um mundo vivo. Ele diz-se na língua natal; e, se a língua natal é aquela, como escreve Pessoa, que se “possui de dentro, isto é, com os pensamentos formados organicamente nela; então o olhar poético, que capta a expressividade do mundo, liga todas as coisas percebidas, vai de uma forma a uma outra,e ainda a uma outra, num horizonte infinito.
José Gil “Sem Título”. Escritos sobre a arte .