quarta-feira, janeiro 4

Encerrar Urgências e Maternidades


Li com muito agrado as diversas opiniões sobre este tema, a maioria de grande nível (destaco o excelente comentário do Avelino). Gostava de deixar aqui 3 questões para suscitar a reflexão e discussão.

1ª- Questão: Qual deve ser o comportamento do Estado?
a)- O Estado retira recursos (impostos) às pessoas e empresas que estas usariam utilmente (consumo, investimento). Daí que na s/ actuação tenha que ter: eficiência macroeconómica (não desperdiçar, tirar melhor proveito global dos recursos); protecção de rendimento e equidade (incluindo melhorar o acesso p/ quem mais precisa); eficácia (ter resultados pretendidos e esperados); qualidade (aceitabilidade p/ a população, satisfação p/ os profissionais envolvidos).
b)- Na produção de serviços verifica-se que é possível ter eficácia com ampla dispersão geográfica s/ prejudicar os restantes objectivos (eficiência, qualidade) quando os recursos não são muito especializados nem existam economias de escala. Nas restantes situações p/ ter maior equidade o Estado prejudica a eficiência, a qualidade e a eficácia (será o caso se quiser ter hospitais ou universidades em todas as cidades!). Deste modo o Estado terá que procurar centralizar/descentralizar a produção p/ chegar a um óptimo naqueles objectivos.
c)- Quando o Estado gasta muito mais do que tem (défice elevado) produzem-se as seguintes consequências: i) transfere a responsabilidade de pagar c/ juros p/ gerações futuras – legítimo quando são investimentos, talvez não tanto em despesas correntes; ii) aumenta os impostos – legítimo se a carga fiscal for baixa (face aos resultados apresentados). Em todo o caso poderá tornar o país menos atractivo p/ bons investimentos (que fomentem o desenvolvimento e não apenas o crescimento); iii) fica s/ $ p/ outros usos (ex. pagar melhores pensões e combater a pobreza, fomentar a investigação a competitividade e o desenvolvimento) e sujeita-se a: pesadas penalidades ou a sair da UEM (então o risco e os juros disparam e podemos sofrer o que sofreu a Argentina…). Impõe-se por isso que haja melhoria da receita e racionalização da despesa. No que respeita à despesa e p/ ser rigoroso importa concluir que: os responsáveis p/ crescimento não são o Ministério da Cultura ou do Ambiente (!); nem toda a despesa dos grandes Ministérios se justifica face aos resultados.

2ª- Questão: Gastamos pouco e bem em saúde?
a)- Gastamos globalmente mais que a média da EU em termos relativos (% da despesas total no PIB em paridades de poder de compra) e não oferecemos tantos serviços como os restantes países (ex. em cuidados primários, em alta tecnologia, também não há cuidados continuados e quase que não há cuidados paliativos). Há ainda a convicção de que perdemos no tempo e na qualidade da resposta. Se nada for feito esta situação tenderá a piorar por: progressivo envelhecimento da população; aumento do nível de vida e de exigência das pessoas; efeitos da tecnologia médica.
b)- Os preços praticados p/ sector privado são maiores que a média da EU (cf. OCDE) o que não permite comprovar a propalada eficiência deste sector – a segurança e qualidade clínica não estão garantidas (mormente quando se desencadeia uma situação de urgência). Aliás quase que não há verdadeiros hospitais privados (c/ quadros e formação próprios, urgência e resposta organizada nas 24 horas) antes laborando em nichos rentáveis e de risco baixo. Aqueles preços elevados são possíveis devido a: relação estabelecida c/ SNS e s/ profissionais; inexistência de grandes compradores que façam o mercado funcionar; deficiências de regulação, de funcionamento e controlo p/ Estado. As despesas c/ medicamentos são também muito elevadas. Concluiria p/ possibilidade de obter mais, c/ idêntica qualidade e menor custo global (p/ as pessoas e Estado).
c) No que respeita ao SNS importa, em primeiro, reconhecer que, desde a s/ concretização em 1979, produziu excelentes resultados (redução da mortalidade e morbilidade, maior cobertura, maior qualidade, etc.) havendo agora que continuar a melhorá-lo contendo os custos em limites aceitáveis. Os CP, que poderiam resolver 90% das situações, não apresentam resposta satisfatória – em volume e compreensividade de cuidados, em qualidade, em tempo de resposta – não se verificando também eficácia no papel de coordenação de cuidados e controlo de acesso aos meios mais sofisticados (hospitais e alta tecnologia). Daqui derivam consequências negativas p/ o SNS: recurso exagerado ao hospital, particularmente à urgência (c/ muito maior despesa e duplicação de actos); maior espera e deambulação do doente podendo prejudicar a eficácia de resposta. Os hospitais obtêm aqui justificação p/ aumentar a oferta na urgência (recorrendo inclusive aos médicos de família que deixam de atender os s/ doentes programadamente!) aumentando constantemente os s/ quadros e pagando caro em: custo de pessoal; eficiência e qualidade (pela menor programação do internamento); produção (deixa de fazer programadamente consultas, meios de diagnóstico e operações). Estudo recente que compara o Norte de Portugal c/ a Galiza mostra a inversão clara do processo de atendimento em Portugal: Norte c/ + 29,8% altas de internamento (c/ menos 31,3% operações!), mais 94,8% urgências mas menos 35,7% de consultas que Galiza.
Notas: 1ª- doentes pagam também em despesa (transportes, actos na privada), em duplicação desnecessária de actos e em angústia e sofrimento; 2ª- não é multiplicando o nº de locais de saúde que se oferecem bons cuidados à população mas racionalizando e coordenando a oferta, garantindo a qualidade e apropriação dos actos.
d)- Quando olhamos p/ os custos unitários directos da urgência geral em 2004 encontramos muitas situações estranhas (ex. pequenos hospitais c/ custos unitários superiores aos dos HH centrais; variações substanciais dentro do mesmo grupo). A pulverização de pequenas urgências abertas (SAP, verdadeiras urgências) aumenta a procura de médicos (em detrimento da actividade programada) e impede uma resposta c/ dimensão adequada e em cooperação interinstitucional – fomenta ainda a multiplicação de actos e contactos (c/ elevadas transferências das unidades s/ resposta adequada).

3ª- Questão: adaptação da oferta de saúde - centralizar ou descentralizar?
a)- Oferta de saúde vs oferta hospitalar: i) Num país normal a oferta de saúde é sobretudo de cuidados de proximidade (primários, continuados) c/ bom serviço de ambulâncias/socorro urgente e havendo resposta apropriada no CS (isto é acesso imediato/quase imediato e disponibilidade do médico de família); ii) A resposta hospitalar será assim a excepção, reservada p/ situações agudas de grande diferenciação. O que é necessário, importante e urgente é começar p/ pôr a funcionar eficazmente aquela oferta, não esta.
b)- A oferta hospitalar terá que se ir adaptando ás modificações do meio ambiente, nomeadamente de: i) acessibilidade (ex. menor tempo de transporte c/ novas vias); ii) demográficas (ex. menos população, maior envelhecimento); iii) morbilidade (ex. menor necessidade de internamento de pediatria); iv) evolução da tecnologia de saúde (ex. maior possibilidade de cirurgia ambulatória e actos em consultório). Deste modo alguns hospitais perdem sentido c/ papel que vinham desempenhando havendo necessidade de efectuar as modificações que outros países (ex. Inglaterra) há muito vêm efectuando – algumas urgências e maternidades deixam de se justificar, e são mesmo perigosas, por menor tempo de acesso ao hospital de referência e menor nº de partos.
c)- Quando centralizar ou descentralizar a produção hospitalar? Justifica-se centralizar quando há significativas economias de escala e/ou de gama a recolher e não há, localmente, casuística que justifique a s/ descentralização (a urgência hospitalar e a obstetrícia são bons exemplos de como se pode obter mais eficiência e qualidade de resposta). Nos actos de menor diferenciação e grande volume a descentralização é apropriada porque garante bons resultados (equidade, eficiência, qualidade), não havendo necessidade de grande especialização (pessoas e tecnologia) nem havendo ganhos significativos de experiência (grandes equipes q trabalham e aprendem em conjunto). Substituir consultas por internamento de 2 dias quando o doente é de longe? penso que este problema deve ser assim abordado: 1º- as CE e MCDT devem ser descentralizadas; 2º- a referência p/ grande hospital deve ser rara e apenas p/ consultadoria – este hospital prepara-se e faz o que se chama consulta de alta resolução devolvendo o doente ao hospital de origem no mesmo dia; 3º- internar o doente prejudica o acesso doutros doentes e impõe à comunidade custos desnecessários (= desperdício) (pode haver excepções…).
Notas: 1ª- a centralização pressupõe quase sempre a manutenção local de algumas actividades em coordenação c/ serviços de nível superior (RRH); 2ª- a evolução nos factores atrás referidos obriga a actuação constante (fazer, refazer) porque o que é hoje verdade pode não o ser amanhã.
d)- A urgência hospitalar deve ser uma emergência como é noutros países (não banco ou SAP), o que permitia ter num hospital médio em vez de 150 mil atendimentos/ano apenas 15 mil, devendo passar a dispor das condições necessárias p/ resposta eficaz nas 24 horas, incluindo a emergência intra-hospitalar. Isso exige que se ponha a funcionar os CP e a emergência pré-hospitalar mas também que se racionalize em definitivo a rede das “urgências” (ex. nas grandes cidades o nº de urgências carece de qualquer sentido, sendo necessária a s/ concentração) e se imponham metas exigentes p/ produção programada (consultas, operações, hospital de dia). A reorganização dos hospitais deve garantir que cobrem, p/ regra, mais de 100 mil hab., c/ pessoal em regime de profissionalismo efectivo e têm todas as condições p/ funcionar boa qualidade nas especialidades em que actuam.
e)- A reorganização das urgência aparece associada à modificação da remuneração na urgência. Penso que se tem que mudar sim a forma como se faz a retribuição no hospital (remuneração mais incentivos em função da actividade e outros resultados). Deve ser no hospital e não na urgência que se situa a justificação dos profissionais.
SemMisericórdia

Etiquetas:

13 Comments:

Blogger xavier said...

Talvez acrescentar que o SemMisericórdia é AH (dos melhores).
É o Figo aqui da SaudeSA.
Posts destes, tomara-os a GH.

11:22 da tarde  
Blogger xavier said...

Volta e meia sou vergastado pelo humor implacável do Avelino.

A nota foi escrita a pensar no tonitosa que repetidamente apregoa aos quatro ventos que os AH são uma cambada de nabos.

Também em relação ao Avelino, desde o primeiro post, apesar da algarviada, não tive dúvidas de estar perante um dos mais argutos e esclarecidos comentadores da SaudeSA. Um verdadeiro Simão Sabrosa da SaudeSA.

11:55 da tarde  
Blogger tonitosa said...

Xavier,
Esta sua acusação é imperdoável! Pensava eu, na minha boa-fé, que você era uma pessoa permantemente atenta. Verifico, com pena, que afinal por vezes também se distrai.
Diga-me p.f. quando e onde viu um texto meu dizendo que "os AH são uma cambada de nabos"?!
Jamais o disse e jamais o direi.
Xavier, tenho isso sim, referido sempre que o tema se coloca, que há AH's bons e maus, tal como há outros profissionais bons e maus.
E recordo até que, já há uns bons comentários atrás, disse que eu próprio conheço excelentes AH tal como conheço outros que nem sequer seriam bons funcionários administrativos.
Deixe-me dizer-lhe também que, enquanto docente universitário, tive alunos que são hoje bons AH's e que fazem o favor de ser meus amigos, o que naturalmente retribuo. E seria injusto da minha parte não reconhecer a estes e outros as boas capacidades demonstradas.
Recordo-lhe que também já escrevi, neste blog, que também há bons e maus gestores, bons e maus engenheiros, economistas, etc. E tenho discordado, com toda a legitimidade que me assiste, da acusação feita aos "gestores SA's" (como vocês aqui lhes chamam) de incompetência ou como disse MD de "indigência intelectual".
Xavier, coloque-se no lugar de um desses gestores. Como reagiria se um MD qualquer lhe chamasse indigente intelectual?
Os meus comentários neste blog, nunca foram de crítica pessoal a ninguém e sei, pelo que leio, quais os colegas que demonstram ter melhor e mais sólida formação, capacidade de análise e conhecimentos. De um modo geral, de todos "tenho uma imagem" tal como certamente todos a terão de mim.
Termino como comecei: a acusação que me é feita é imperdoável. Mas Cristo perdoou a quem o matou.
P.S.: não percebo a "ferroada" do Vivóporto. Nem tenho pretensões de escrever nenhum Código Civil.

1:33 da manhã  
Blogger xavier said...

É correcto o que o tonitosa refere.

Foi uma tentativa desajeitada de brincar com coisas sérias para desdramatizar o que aí vem.

Hoje vou postar a entrevista da CP.
O tonitosa vai gostar por certo, pois há pontos que coincidem com o que tem defendido aqui na SaudeSA.
Um abraço.

9:36 da manhã  
Blogger tonitosa said...

Xavier,
Também me pareceu que teria sido um desabafo pois tinha lido o seu post "fim de tarde perfeito". Mas acredite, doeu-me um pouco, talvez porque sei que a sua postura é de pessoa séria e, pelo que sei, tem elevados padrões de ética e moral.
Por isso, terminei com o meu "perdão". Certamente percebeu.
Mas acreitem todos os colegas: nada me move contra os AH's. Gstaria que neste blog todos fossem respeitados, sendo ou não AH's. Um dia certamente todas as dúvidas que têm sido colocadas a meu respeito poderão ser na maioria desfeitas. Mas sei que tenho muitos defeitos.
No exercício das minhas funções, Xavier, ainda não há muito tempo, tive o prazer de dar o meu contributo, a dois AH's, na recolha de informação para as suas teses de mestrado e doutoramento na área da saúde. E eu próprio contribui para que outros colegas dessem também a sua colaboração.
Digo isto, também como desabafo.
Quanto à entrevista da CP não será surpresa. Mas nem tudo que diz merecerá o meu acordo.
O problema, Xavier e caros AH's, é que a concorrência é grande. Neste momento, como em tempos escrevi, são os próprios docentes da ENSP a fomentar novos cursos de pós-graduação e mestrado na área da Saúde (Gestão) e têm que arranjar colocação para esses concorrentes, sob pena de não terem procura.
Mass nada há que temer, pois é de esperar que quem tem unhas toque viola (apesar de ser sempre importante o tal QI).
Um abraço Xavier.

12:34 da tarde  
Blogger xavier said...

Caro tonitosa
Tenho uma ideia clara sobre si.
É o comentador mais participativo, mais entusiasta da SaudeSA.
É sobretudo um grande apaixonado pelos temas da saúde.
Com uma posição política diametralmente oposta à minha, por exemplo,comunga dos mesmos valores porque temos tentado nortear a nossa luta aqui na SaudeSA: honestidade intelectual, capacidade de luta na defesa do que nos parece correcto e uma grande margem de evolução no sentido da tolerância e capacidade de aceitar as ideias dos outros.
É a oposição indispensável para a discussão avançar (aprofundar).

Se o magoei peço desculpa.

Como estamos em maré de analogias direi que o tonitosa é o Rui Costa da SaudeSA.

1:55 da tarde  
Blogger xavier said...

Está na altura de comentarmos a análise do SemMisericórdia.

1:56 da tarde  
Blogger tonitosa said...

Xavier,
Não me deixe "baralhado". Procurei situá-lo politicamente e não encontrei indicadores que me permitam concordar consigo quanto a termos posições diametralmente opostas. Você é de extrema esquerda? Eu não sou de extrema direita. Você é de extrema direita????? Eu não sou de extrema esquerda. Onde está o "diametralmente oposto? Mais ainda: Você é da esquerda? Eu não sou da direita. E também não sou liberal, como já deve ter notado.
Defendo acima de tudo os valores da solidariedade. E se calhar não estamos assim tão longe um do outro, sobretudo se nos abstrairmos de jogos de poder, próprios dos partidos políticos.
Mas o Saúde SA é aquilo que certamente nos aproxima, mesmo quando defendemos pontos de vista diferentes.

8:16 da tarde  
Blogger xavier said...

Caro tonitos:
isto hoje está azarado.
Cada tiro um melro. Cada cavadela uma minhoca.
Um abraço

10:57 da tarde  
Blogger Peliteiro said...

Duas questões mais ou menos relacionadas:

1- A propósito de SemMisericórdia (excelente texto, sim senhor), porque terão tantas facilidades as Misericórdias em abrir serviços convencionados?
Eu, especialista em análises, bem queria abrir um laboratório de análises mas não consigo, não há convenções abertas - as misericórdias conseguem tudo, análises, fisioterapia, RX, gastro...

2- Um dos argumentos para encerrar Maternidades Públicas é a "experiência" e a posse de meios e serviços de apoio. Razões de saúde portanto. Isto não serão razões válidas para encerrar também Maternidades Privadas que não possuam essas mesmas condições?

11:12 da tarde  
Blogger tonitosa said...

Xavier,
Acima de tudo sã camaradagem. E o Alrazi escusa de ter ciúmes. Ficará bem na equipa, mas com "todos à molhada e fé-em-Deus", ou seja, sem divisões porque todos juntos podemos fazer uma grande equipa. E nem sempre os que ficam no banco são de menor valia. Quantas vezes são eles que "resolvem os desafios"!
Por mim, fico por aqui pois estou esclarecido.
Confirmo o que já disse a seu respeito.
Abraço.
PS: Caro Alrazi...gostei da provocaçãozita.
Um abraço.

11:51 da tarde  
Blogger tonitosa said...

De acordo com o "convite" do Xavier, tentarei seguidamente comentar a análise do SemMisericordia.
Primeira questão - Comportamento do Estado.
Antes de se saber qual deve ser o comportamento do Estado, devemos interrogarmo-nos sobre: Qual deve ser o papel do Estado.
E a resposta parece de há muito ter-se consolidado em torno da ideia de aue o Estado deve fazer apenas aquilo que sabe (pode) fazer bem feito ou melhor do que os particulares. Aceita-se o princípio geral de que cabe ao Estado assegurar a provisão de bens públicos e serviços colectivos quando o Mercado não o faça ou o faça em condições (qualidade e quantidade insuficientes). Simplemente o Estado-Providência foi chamando a si, de forma sustentada e crescente, funções para as quais se veio a denmonstar, também ele, Estado, não ter apropriada capacidade.Daí que se passasse a questionar o seu papel (o de um Estado que tudo pode, tudo quer e tudo decide) com o aparecimento de teses como a do Estado Mínimo. E as discussões em torno da matéria, como sabemos, continuam.
Considerando que ao Estado cabe efectivamente assegurar o bem-estar dos cidadãos segundo padrões de dignidade, justiça social e igualdade de oportunidades, coloca-se naturalmente a questão de avaliarmos o comportamento do Estado.
Desde logo o Estado, qualquer que seja o seu papel, carece de recursos. E ou se comporta como produtor, gerando recursos próprios para canalizar para as suas actividades ou obtém os recursos de que carece pela via dos impostos e endividamento. Ora o Estado parece não dever ser "produtor" de actividades geradoras de excedentes, por ter "provado" não ser eficaz nem eficiente nessa actividade. O Estado carece de "eficiência macroeconómica".
Na protecção de rendimento e equidade o Estado move-se muitas vezes por critérios que põem em causa a protecção do rendimento, a equidade e a eficácia, porque actua em função de interesses de grupos (lobbying) gerando mais desigualdade e privilégios a favor dos "que acabam em última análise por determinar as suas políticas".
Na procura de eficácia e eficiência concordo com a análise do SemMisericórdia (como concordo genericamente com a sua análise do tema), e também aqui o Estado é levado muitas vezes a ter um comportamento irracional. Cedendo a interesses de diversa natureza nem sempre o Estado toma as melhores opções. Não avalia correctamente as oportunidades de realização de conomias de escala e nem sequer actua segundo as regras da eficiência. veja-se a título de exemplo o que se passou com os estádios de futebol. E veja-se como foram exercidas influências para a "localização" de novas faculdade de medicina.
A questão de o Estado gastar mais do que tem leva-nos mais precisamente à noção de Estado despesista. O Estado não deverá ser "condenado" por "gastar" muito. Deve sê-lo por gastar mal gasto. Ou seja: os recursos como sabemos são escassos e por isso devem ser utilizados de forma eficaz e eficiente na satisfação de necessidades alternativas. E assim os recursos que o Estado retira da riqueza produzida devem ser canalizados para criação de melhores condições de vida dos cidadãos (aqui se considerando as infraestruturas necessárias ao desenvolvimento das actividades particulares, a segurança de pessoas e bens, a educação e formação, a saúde, etc.). E não será criticável o endividamento do Estado se os recursos obtidos forem utilizados na melhoria de condições para a criação de riqueza que permita, no futuro, melhorar o nível de vida dos cidadãos. Infelizmente, também aqui, e sob o ponto de vista dos cidadãos, nem sempre o comportamento do Estado merce nota positiva.
Os cidadãos e os profissionais da Saúde referem-se frequentemente à incapacidade demosntrada do Estado (HH e C'sS) para responder satisfatoriamente às suas necessidades. Segundo a nossa prória discussão nete blog são gastos recursos volumosos com muita ineficácia e considerável desperdício. Também aqui o comportamento do Estado carece de correcção. Veja-se, a título de exemplo, que após anos e anos de discussões e promessas, não foi ainda assegurada a igualdade de acesso como o demonstra a existência das famosas lista de espera cirúrgicas e o tempo de espera nas consultas. E têm sido gastos "rios de dinheiro" em estudos e mais estudos que têm quase sempre como destino o "cesto dos papéis".
Infelizmente o "filme" parece estar em reposição.
PS: voltarei para continuar a minha análise dos pontos seguintes.

11:55 da manhã  
Blogger tonitosa said...

Voltando à análise feita pelo SemMisericordia

Segunda questão - Gastamos pouco e bem em saúde?

Pelos dados disponíveis sabe-se que efectivamente Potugal gasta mais que a média da UE e mesmo da OCDE em saúde. Mas não estaremos, apesar de tudo, tão longe quanto se tem feito crer, em comparação com países que adoptam um sistema semelhante ao nosso.
Daí que muitas vezes, aqueles que procuram com objectivos diversos, dizer mal do nosso sistema (governantes incluídos) acabem por dizer coisas do género: não gastamos muito em saúde; a qualidade da resposta é que é má?!
E ate´existe alguma verdade nisso. Uma explicação para este facto encontra-se em grande parte na estrutura/organização do nosso sistema de saúde. São causas associadas ao que o próprio SemMisericórdia refere: não oferecemos tantos serviços como os restantes países e oferecemos "serviços diferentes", acrescento eu. Na verdade a falta de adequada tecnologia (alta tecnologia), de cuidados primários, continuados e paliativos obriga a maior recurso aos HH, com maior permanência e consequente aumento dos custos em saúde.
Depois os nossos índices de desenvolvimento social pesam também nos custos em saúde. Portugal, a diversos níveis, está ainda bastantae aquém dos níveis de desenvolvimento da média dos países da UE e OCDE e esses dados não deixam de ter consequências sobre a saúde e recurso a cuidados.
Ao envelhecimento demográfico associa-se a perdade de apoios baseados em relações de família e vizinhança, sendo inúmeros os casos em que aos "velhos e abandonados" o único apoio que resta é o internamento hospitalar.
Isto é a constatação de que gastamos mais que a média da UE em despesas de saúde deve ser relativizada face a outros indicadores sociais, com clara incidência nos custos da saúde. Ao nosso sistema de saúde não podem ser imputados de forma directa todas as sua ineficiências.
É uma evidência o elevado custo de actos médicos em unidades de saúde particulares. E não apenas em hospitais mas também em consultórios e clínicas particulares. Para este facto contribui a falta de "concorrência" e a quase total ausência de estabelecimentos hospitalares particulares sem fins lucrativos. A limitação que se tem verificado no acesso a cursos de medicina e a especialidades médicas (a que não é estranha a defesa de interesses corporativos) é outra das razões para que os honorários médicos em instituições particulares sejam elevados (muito elevados).
Nas despesas de saúde tem elevado peso os custos com medicamentos. Também aqui algo está mal. Sabemos como são deitados ao lixo medicamentos no valor de milhões de euros porque ainda não se enveredou pelo sistema da unidose. E também aqui se impõe a revisão do sistema mesmo que isso ponha em causa interesses da indúsrtria farmacêutica.

Questão da adaptação da oferta de sáude
Mais uma boa reflexão nos é oferecida pelo colega SemMisericórdia.
Diria mesmo que nada ou quase nada há a acrescentar.
Há um pequeno (?) pormenor que no entanto me parece merecer destaque: a melhoria da acessibilidade e novas vias permitindo melhorar os tempos de acesso a hospitais, podendo ser uma das razões para justificar o encerramento de determinados serviços (urgências e maternidades, por exemplo). Portugal, apesar das melhorias introduzidas, está ainda longe de possuir adequadas vias de acesso numa grande parte do seu território. E para as dificuldades de circulação rodoviária contribuem as características orográficas do território e a falta de melhoria de muitas das nossas estradas, permitindo deslocações rápidas em condições de segurança.
Pensamos que estes, são também factores a considerar numa reorganização da rede de cuidados a par de todos os que são citados pelo SemMisericórdia.
A análise do SemMisericórdia termina com uma referência à remuneração nos hospitais. Nela se defendendo uma remuneração complementada por incentivos associados à actividade e outros resultados.
A verdade é que a classe médica é hoje de um modo geral uma das que mais exibem sinais exteriores de riqueza. Casas, carros, barcos, viagens, etc.. Mais ainda, uma análise das publicações da CGA relativas às reformas torna por demais evidente que são os médicos, também, os detentores das mais elevadas reformas.
Teremos que pagar mais para que os mesmos e outro trabalhadores da saúde cumpram os seus deveres profissionais? Deve a saúde continuar a ser um negócio de altos rendimentos para alguns?
A haver incentivos na Saúde, o Estado deve reflectir sobre o que hoje diz combater: as situações de privilégio de algumas classes profissionais; para não estar a criar outros e novos privilégios.

2:47 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home