A desumanização da medicina
Os seres humanos e as máquinas
Felizmente que o Ministro da Saúde tem tido a sabedoria de não tomar os médicos como o inimigo principal e de ter virado as baterias para outras zonas bem mais perigosas. Felizmente também que os médicos não embarcaram em lutas corporativas, embora alguns comentadores gostem sempre de os meter no pacote. Felizmente ainda que a nova administração do hospital onde trabalho, o Hospital de Santa Maria, tenha atacado alguns problemas importantes. Já não estamos confrontados com as sessões de "aprendizagem" a que fomos submetidos nos anos anteriores em que nos ensinavam "gestão" comparando-nos com instituições bancárias e mostrando-nos acetatos em que o hospital era representado por uma fábrica com chaminé a deitar fumo.
No entanto... o perigo está aí. O risco de se acabar com as carreiras médicas, que foram a grande valorização da medicina portuguesa (aqui diagnostica-se e trata-se como "lá fora"), o risco de se acabar com o Serviço Nacional de Saúde (é antipático e tem má cara, mas existe). O risco da invasão pela apoteose de máquinas, informática, siglas de decifração obscura e sobretudo correr, correr e fazer do doente um objecto que só empata, está aí.
Ora o ser humano só pode sobreviver em colectivo e em interacção pessoal. Na doença, esta interacção é imprescindível. O espaço de comunicação e de confiança é "meia-cura". Xamanes, bruxos, Mesmer, cientistas médicos, foram sempre para além do remédio.
Acredito que na hora da dôr todos necessitam desse espaço de relação, sejam eles modernos, pós-modernos ou arcaicos. Mas sei que este espaço humano está seriamente em risco. Pretendo com isto lançar um alerta (link)
Isabel do Carmo, JPúblico 20.03.06
Felizmente que o Ministro da Saúde tem tido a sabedoria de não tomar os médicos como o inimigo principal e de ter virado as baterias para outras zonas bem mais perigosas. Felizmente também que os médicos não embarcaram em lutas corporativas, embora alguns comentadores gostem sempre de os meter no pacote. Felizmente ainda que a nova administração do hospital onde trabalho, o Hospital de Santa Maria, tenha atacado alguns problemas importantes. Já não estamos confrontados com as sessões de "aprendizagem" a que fomos submetidos nos anos anteriores em que nos ensinavam "gestão" comparando-nos com instituições bancárias e mostrando-nos acetatos em que o hospital era representado por uma fábrica com chaminé a deitar fumo.
No entanto... o perigo está aí. O risco de se acabar com as carreiras médicas, que foram a grande valorização da medicina portuguesa (aqui diagnostica-se e trata-se como "lá fora"), o risco de se acabar com o Serviço Nacional de Saúde (é antipático e tem má cara, mas existe). O risco da invasão pela apoteose de máquinas, informática, siglas de decifração obscura e sobretudo correr, correr e fazer do doente um objecto que só empata, está aí.
Ora o ser humano só pode sobreviver em colectivo e em interacção pessoal. Na doença, esta interacção é imprescindível. O espaço de comunicação e de confiança é "meia-cura". Xamanes, bruxos, Mesmer, cientistas médicos, foram sempre para além do remédio.
Acredito que na hora da dôr todos necessitam desse espaço de relação, sejam eles modernos, pós-modernos ou arcaicos. Mas sei que este espaço humano está seriamente em risco. Pretendo com isto lançar um alerta (link)
5 Comments:
De acordo com o aspecto humano da doença, sobretudo no que se realciona com a relação médico-doente.
Isabel do Carmo confirma, numa breve passagem aquilo que já aqui dissemos afirmando: "felizmente que o Ministro da Saúde tem tido a sabedoria de não tomar os médicos como o inimigo principal e de ter virado as baterias para outras zonas bem mais perigosas".
Não se trata em meu entender de tomar os médicos como inimigo. O que é verdade é que CC foge dos problemas com os médicos como o diabo da Cruz.
Ele sabe, no entanto, que a reforma da Saúde não dispensa a alteração dos privilégios da classe médica.
Ainda agora a CGA veio divulgar que as pensões acima dos 4000 euros tem vindo a aumentar significativamente e nesse movimento tem elevado peso os aposentados da Saúde e da Justiça.
Quanto à Saúde, são os efeitos da exclusividade e horário de 42 horas e ainda a consideração da remuneração do trabalho extraordinário que pesam no cálculo das chorudas reformas.
Em que é que esta mulherzinha se destacou para falar em nome dos médicos ou, sobretudo, para ter voz num jornal nacional?
Só se for pelo passado nas FP25...
Caríssimo alen-tejano,
Tanto quanto sei os descontos para a CGA incidem sobre os salários recebidos pelos médicos, neles se incluindo a remuneração por serviços prestados em urgência para além do seu horário semanal de trabalho, que como sabe, é todo o prestado além das doze horas semanais.
Você sabe, por exemplo, que no cálculo do subsídio de baixa, a remuneração considerada tem em conta os valores recebidos (média) incluindo trabalho extraordinário em SU's?
Então não sabe o que siginifica horário de 42 horas em regime de exclusividade?
Eu explico: significa que os médicos recebem proporcionalmente mais do que os colegas que trabalham 35 horas semanais (e, mais ainda, muitas vezes sem correspondência em trabalho executado).
Quanto aos horários dos médicos, deve saber, como eu sei, que a opção pelo regime de exclusividade depende apenas da vontade do trabalhador (caso que julgo ser único no mercado de trabalho) e o "pedido" para tal nem sequer pode ser "recusado".
E são muitos os que, aproximando-se da idade da reforma, optam por aquele regime para melhorar as pensões.
Descontam, claro, mas essa prorrogativa não existe noutros grupos profissionais. E optam pela melhor oportunidade para melhorar as respectivas reformas.
De resto, deixe-me que lhe diga que eu, no lugar deles, faria o mesmo. Se algo está mal (e até pode não estar?) a culpa não é dos médicos...mas do SISTEMA.
Mas o Senhor MS sabe que mexer nesta situação sai caro aos políticos.
Caríssimo tonitosa
Perdoar-me-á chamar-lhe a atenção para a manifestação de ignorância crassa na sua msg anterior. É que no caso dos médicos os descontos para a CGA apenas incidem sobre o vencimento base, nunca para efeito de aposentação sendo considerados os ganhos em horas extraordinárias. Que tal acontecesse é um antiga reivindicação, pois se trata de trabalho efectivo e programado. Aliás é a única classe profissional - e não só na saúde ( salvo melhor opinião )- para a qual as horas extraordinárias são obrigatórias.
As doze horas que refere e prestadas em serviço de urgência são trabalho normal e não extraordinário.
De igual modo, em caso de doença, o cálculo é feito apenas sobre o vencimento base. E nem de outro modo poderia ser.
Quanto ao regime de trabalho que aponta, não explicita duas coisas distintas: uma é a duração do trabalho semanal ( 42 horas ) e outra é a situação de exclusividade, que nada tem a ver com a duração semanal ( implica apenas que abdica de auferir rendimentos da sua actividade profissional noutros locais e como tal tem uma compensação). Legítimo que com o avançar dos anos e o desgaste inerente a uma profissão ( que por certo não porá em causa )se tenda a diminuir a disponibilidade e diversidade de actividade, optando em final de carreira por trabalhar apenas num único local
O seu a seu dono
Errei na questão do cômputo do trabalho extraordinário para efeitos de reforma. Julgo mesmo que houve, não há muito tempo, uma decisão desfavorável de um tribunal (TV?) ao processo de reivindicação de um médico.
Mas não me parece que a ideia de que, "mais velhos" os profissionais devam pode optar pela exclusividade e horário de 42 horas por estarem "desgastados". Acho até que é contraditória. Na verdade passam para 42 horas semanais e por isso trabalham mais horas no hospital. Mas não perdem o contacto com a actividade privada onde regressam uma vez reformados.
O objectivo é claro e os casos concretos, em mais de 90% comprovam-no: chegar à reforma com maior pensão.
A questão da exclusividade é ilusória. E até me apetece perguntar: é verificada? Por quem?
O salário de 42 horas e exclusividade não tem salvo honrosas excepções, correspondência com a produtividade.
Bem, apesar da minha ignorância, como disse, é considerado trabalho extrordinário o prestado em SU's para além de 12 horas semanais, porque essas são consideradas normais e integradas nas 35 ou 42 horas de trabalho semanal.
A situação é delicada e carece de revisão. Concordo com o que diz o Dino_Sauro e acho que é, sob o ponto de vista da "gestão", inaceitável que seja o trabalhador, em seu livre arbítrio, a dizer: agora quero passar a ganhar mais e por isso opto pelo regime de exclusividade.
E se, em teoria (ou talvez não) o Hospital não tiver recursos financeiros para lhe pagar? E se não tiver necessidade de mais horas de trabahho naquela especialidade. E se entender que a "produtividade" do trabalhador desaconselha a exclusividade?
São situações com que, como sabemos, os Ministros da Saúde posteriores a LB têm tido absoluta dificuldade em lidar.
Estas e outras onde a OM e os Sindicatos possam ver perda de privilégios.
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