SNS, trave mestra (2)
Neste país, e no mundo da saúde, acontecem coisas, muitas e variadas. Tantas que, por vezes, seremos tentados a dizer que quase todas também avariadas, até porque se fossem correctas não seriam notícia e, provavelmente, delas não saberíamos.
Impõe-se, então, uma atitude de prudência no julgamento das coisas que não devem ser vistas sem que as situemos no seu contexto. As que acontecem podem acontecer. O mais importante nem serão as coisas que acontecem, mas sim que elas possam acontecer. Donde derivam? O que as tornou possíveis de acontecer? É que, se não se actuar a este nível, não teremos legitimidade para nos surpreender com muitas coisas avariadas de que vamos continuar a saber.
Vem isto a propósito das coisas postas no ar sobre o “Encerramento das Maternidades” e no seguimento do que afirmei no Post “S.N.S., trave mestra”.
Considero difícil contestar a correcção da medida tomada de encerrar algumas maternidades. Veremos se ela se sustenta, ou se rola montanha abaixo como o pedregulho de Sízifo, tão bem lembrado pelo Dino-Sauro. Só que a condenação dos ministros é bem mais gravosa porque, de cada vez que uma medida se frustra, sofre o efeito de bola de neve e fica mais difícil levá-la de novo ao topo da montanha.
Mas, passando ao que mais importa, o que está “avariado” nos termos em que se sustenta ou se contesta o encerramento das maternidades? A meu ver, ambas as posições enfermam do mesmo pecado: são incapazes de assumir que o S.N.S. só pode manter serviços até onde seja comportável (no orçamento e nos restantes recursos existentes). Se o orçamento possível se revela insuficiente para manter os serviços existentes – e é ao Governo e à Assembleia da República que compete dizer qual o orçamento possível –, é inevitável fazer opções: ou se consegue o aumento da produtividade ou se elimina onde a análise custos/benefícios for mais desfavorável. As coisas só são quando podem ser. Pensar diferentemente é esconder a cabeça na areia até que a realidade se revele em toda a sua crueza. Afirmar que maternidades com movimento inferior a determinado número de partos são perigosas e devem, por isso, ser encerradas por razões de ordem técnica é dizer apenas a verdade menor, porventura considerada mais vendável. Não é verdade que, se houver os recursos necessários, as insuficiências técnicas podem ser superadas? E se, em Barcelos – a título de mero exemplo – houvesse 12 neonatologistas, 12 obstetras e os anestesistas bastantes, já não seria de encerrar a maternidade? É evidente que sim; seria de encerrar e de rentabilizar aqueles recursos noutro contexto e não mantê-los em sub produtividade incomportável.
E as reacções locais, sistematicamente adversas? Não questiono se são justificadas ou não, perante o modo como foi conduzido o processo, a informação distribuída à população, o timing, a prontidão de respostas alternativas e até o acerto das decisões. O que me importa relevar é quanto está assumida (desculpem-me se me cito a mim mesmo) “a ilusão de que, assim se queira, podem ser atribuídos direitos sem consideração da respectiva comportabilidade (o dinheiro sempre há-de aparecer), reduzindo a impertinências economicistas as chamadas de atenção sobre os efeitos orçamentais associados”. Ilusão tão arreigada que até os ministros evitam desmenti-la!
O que mais será preciso para entendermos que aumentar a produtividade dos recursos é inevitável? Para tomarmos a sério o risco de perdermos o pouco que temos, nós que gostamos tanto dos direitos adquiridos? Não bastam as limitações que a crise está a impor? Nem o risco de colapso do sistema da Segurança Social? Nem a perspectiva de assumirmos o último lugar no ranking da Europa dos 25? Que mais terá de nos acontecer?
Aidenós
Impõe-se, então, uma atitude de prudência no julgamento das coisas que não devem ser vistas sem que as situemos no seu contexto. As que acontecem podem acontecer. O mais importante nem serão as coisas que acontecem, mas sim que elas possam acontecer. Donde derivam? O que as tornou possíveis de acontecer? É que, se não se actuar a este nível, não teremos legitimidade para nos surpreender com muitas coisas avariadas de que vamos continuar a saber.
Vem isto a propósito das coisas postas no ar sobre o “Encerramento das Maternidades” e no seguimento do que afirmei no Post “S.N.S., trave mestra”.
Considero difícil contestar a correcção da medida tomada de encerrar algumas maternidades. Veremos se ela se sustenta, ou se rola montanha abaixo como o pedregulho de Sízifo, tão bem lembrado pelo Dino-Sauro. Só que a condenação dos ministros é bem mais gravosa porque, de cada vez que uma medida se frustra, sofre o efeito de bola de neve e fica mais difícil levá-la de novo ao topo da montanha.
Mas, passando ao que mais importa, o que está “avariado” nos termos em que se sustenta ou se contesta o encerramento das maternidades? A meu ver, ambas as posições enfermam do mesmo pecado: são incapazes de assumir que o S.N.S. só pode manter serviços até onde seja comportável (no orçamento e nos restantes recursos existentes). Se o orçamento possível se revela insuficiente para manter os serviços existentes – e é ao Governo e à Assembleia da República que compete dizer qual o orçamento possível –, é inevitável fazer opções: ou se consegue o aumento da produtividade ou se elimina onde a análise custos/benefícios for mais desfavorável. As coisas só são quando podem ser. Pensar diferentemente é esconder a cabeça na areia até que a realidade se revele em toda a sua crueza. Afirmar que maternidades com movimento inferior a determinado número de partos são perigosas e devem, por isso, ser encerradas por razões de ordem técnica é dizer apenas a verdade menor, porventura considerada mais vendável. Não é verdade que, se houver os recursos necessários, as insuficiências técnicas podem ser superadas? E se, em Barcelos – a título de mero exemplo – houvesse 12 neonatologistas, 12 obstetras e os anestesistas bastantes, já não seria de encerrar a maternidade? É evidente que sim; seria de encerrar e de rentabilizar aqueles recursos noutro contexto e não mantê-los em sub produtividade incomportável.
E as reacções locais, sistematicamente adversas? Não questiono se são justificadas ou não, perante o modo como foi conduzido o processo, a informação distribuída à população, o timing, a prontidão de respostas alternativas e até o acerto das decisões. O que me importa relevar é quanto está assumida (desculpem-me se me cito a mim mesmo) “a ilusão de que, assim se queira, podem ser atribuídos direitos sem consideração da respectiva comportabilidade (o dinheiro sempre há-de aparecer), reduzindo a impertinências economicistas as chamadas de atenção sobre os efeitos orçamentais associados”. Ilusão tão arreigada que até os ministros evitam desmenti-la!
O que mais será preciso para entendermos que aumentar a produtividade dos recursos é inevitável? Para tomarmos a sério o risco de perdermos o pouco que temos, nós que gostamos tanto dos direitos adquiridos? Não bastam as limitações que a crise está a impor? Nem o risco de colapso do sistema da Segurança Social? Nem a perspectiva de assumirmos o último lugar no ranking da Europa dos 25? Que mais terá de nos acontecer?
Aidenós
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home