terça-feira, outubro 3

Entrevista



O médico norte-americano Joseph Gonella esteve em Portugal recentemente e explicou à GH os fundamentos do sistema de classificação das doenças, que desenvolveu nos Estados Unidos, e que não segue a “mesma lógica médica” da classificação por Diagnostic Related Groups. Este é um sistema, defende, que permite uma comparação mais justa entre médicos e entre hospitais uma vez que tem em conta a gravidade da doença, classificada em três estádios. Por outro lado, permite aos administradores hospitalares avaliar correctamente os custos das suas unidades.pdf da entrevista

Gestão HospitalarDesenvolveu um sistema de classificação das doenças. Pode explicar como funciona?
JG – A primeira dimensão a ter em conta é qual é o órgão que a doença afecta. A segunda é qual a razão de tal problema. A terceira dimensão é quão sério é o problema. Se for a um médico com uma dor, este tem de descobrir rapidamente qual o órgão afectado. A segunda questão que ele tem de se colocar é qual a razão para a dor: é uma infecção, um trauma, um cancro, etc... A terceira pergunta é qual o dano feito. Uma doença é como uma família, todas têm semelhanças e diferenças. Assim, se for a um médico e ele lhe disser tem uma pneumonia, está aqui o remédio, recomendo-lhe que saia logo do gabinete. Ele é o médico errado.
GHPorquê?
JG – Dizer que tem uma pneumonia só revela que tem um problema nos pulmões, não diz porquê nem qual a gravidade. É muito importante educar o público para que não tomem medicamentos a não ser que saibam porquê e qual a gravidade do problema. Com base nestes pressupostos, o que fizemos foi classificar quatrocentas doenças. Quando começámos este projecto, em 1970, queríamos ser consistentes com a classificação do cancro.
Porque é que os oncologistas classificaram a sua doença mais cedo que nós? Porque nos primeiros tempos do tratamento do cancro, o tratamento, em si, era pior que a doença e o médico tinha de justificar o custo/benefício. Assim classificaram o cancro da mama como local, regional, sistémico. Eu queria ser consistente com esta abordagem, por isso, chamei 'Estádio Um' aos primeiros sintomas de uma doença. Complicações locais, são de 1.1 ou 1.2 ou 1.3... Complicações regionais - 'Estádio Dois'. Complicações sistémicas - 'Estádio Três' com sub-grupos. Por exemplo, se uma criança tem uma infecção do ouvido médio é uma otite, logo 'Estádio Um'. Se a infecção progride, progride, não tratada, pode afectar os ossos do crânio, é 'Estádio Dois'. E, infelizmente, se continuar a não ser tratada pode resultar numa meningite - 'Estádio Três'.
Porque é que isto é importante? Porque o tratamento depende da gravidade da doença e quando se compara um médico com outro ou mesmo quando se faz a comparação entre dois hospitais, é necessário controlar estas variáveis.
GHQuais são as implicações desta classificação?
JG – Há muitas! Uma é que o paciente não deve aceitar um tratamento ou uma recomendação para fazer um teste de diagnóstico a não ser que o médico lhe explique que está preocupado com a possibilidade de a doença passar a um Estádio Dois ou Três. Baseado nisso pode decidir se o conselho que o médico quer que siga é bom ou não. Isto é a nível individual.
Outra implicação é, por exemplo, quando se lê num jornal que a taxa de mortalidade de um hospital em Lisboa é mais alta ou mais baixa que de outro é uma informação interessante mas não tem sentido. A não ser que se saiba que o tipo de doentes observados nestes hospitais é o mesmo. O jargão que usamos é “case-mix”.
Uma terceira implicação é, dentro do próprio hospital, há muitos médicos. E alguns mantêm os seus doentes mais ou menos tempo internados. E isto é caro. Assim, quando um administrador hospitalar vai ter com um médico e lhe pergunta porque os seus doentes ficam internados mais tempo, ele responde porque são diferentes. Ao classificar os pacientes de acordo com o nosso método, o médico tem de dar outra razão.
Outra implicação ainda. Caso se viva numa pequena cidade e se venha referenciado para um hospital em Lisboa ou Porto, deve-se perguntar qual é o estádio da doença. Se vier a este hospital, pela primeira vez, com um cancro em estado avançado, Estádio Três, pneumonia bacteriana avançada, Estádio Três, ou apendicite aguda, Estádio Três, o seu Governo devia preocupar-se já que algo está mal. Idealmente, estas doenças devem ser reconhecidas o mais cedo possível. E se não o foram, podem acontecer três coisas: o doente tem mais possibilidades de morrer; se sobreviver vai estar mais doente por um período mais longo de tempo; isto vai custar muito dinheiro.
Quando o mundo começa a olhar para os custos dos cuidados de saúde, o que eu e o professor Carlos Costa (da Escola Nacional de Saúde Publica) procuramos dizer aos hospitais portugueses é que, antes de olharem para os custos ou qualidade, têm de controlar o tipo de doenças que os doentes têm.
GH, n.º 20, setembro2006
Alvos…
Maria de Belém – Inesquecível ministra da Saúde.
Correia de Campos – Um bom perito, mal aconselhado nas decisões práticas.
Manuel Delgado – Uma competência politicamente ainda não aproveitada.
João Cordeiro – Imbatível no negócio farmacêutico.
Sobrinho Simões – Investigador pragmático com sucesso
João Lobo Antunes – Um ‘scholar’ de grande qualidade.

1 Comments:

Blogger Clara said...

Mais uma oportuna entrevista da MC.

Este sistema de classificação de doentes faz mais sentido sob o ponto de vista da operacionalidade da prestação dos cuidados.

Os pontos fracos de CC já são conhecidos além fronteiras.

9:30 da manhã  

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