sexta-feira, dezembro 1

Desperdício

Creio que não era bem isto o que o Saudepe queria, mas nesta fase é o melhor que se consegue arranjar...

Considerando a produção que se justifica e é eficaz (produz resultados pretendidos), produz-se desperdício por:
i) Inadequação de recursos (tempo, materiais e equipamentos, espaço, dinheiro, esforço e intelecto humano), com uso excessivo, desnecessário, combinação deficiente, por ex.;
ii) Deficiências em processos, métodos, práticas e decisões, por ex.: processos complexos, mal desenhados, antiquados e com recurso excessivo a métodos manuais, lentos e burocratizados; metodologias de análise e decisão (diagnóstico e terapêutica) não validadas,demasiado
“artesanato”/sem normalização e relação com evidência científica; práticas arriscadas, podem conduzir a acidentes, erros e omissões; não automatizar e informatizar, não usar todo o potencial das pessoas (apenas a “mão-de-obra”);
iii) Inadequação da oferta e da produção (inapropriada, duplicada, ineficaz, descoordenada com outros sectores ou entidades).

Há quem diga que o desperdício é: “Tudo o que não é necessário ou não acrescenta valor ao produto/serviço”. Esta definição centra-se numa óptica mais de gestão operacional e a noção deve ser estendida pois o desperdício na saúde existe nos diversos níveis: Sistema de saúde (SNS, restantes prestadores e entidades envolvidas); SNS; Redes de cuidados (HH, CP, …); Serviços, processos e postos de trabalho/tarefas. Acrescento ainda que muito do desperdício decorre de problemas de organização e gestão da rede de Serviços de saúde e não apenas da produção de um bem (serviço). Devemos pugnar não pelo corte de custos mas sim pela gestão de custos (cortar o desperdício, que nada acrescenta ao produto nem à segurança de doentes e profissionais).

O desperdício traduz-se em:

Custos excessivos (podia gastar-se menos OU c/ aqueles recursos obter-se mais produção e /ou melhores resultados em saúde - ou qualidade de vida ou satisfação)
Pessoas (n.º pessoas e sua qualificação, salários, HE Vs horas normais ou part-time, ...): ex.s: podia fazer trabalho com a mesma disponibilidade e segurança com 2 enfermeiros e 2 AAM temos 3 enfermeiros e 1 AAM; pagam-se muitas HE, podia reduzir-se algumas e fazer contratos a meio tempo; demasiadas faltas (ex. doenças provocadas pelo trabalho, por má organização do trabalho, inexistência de creche) daí pagam-se mais HE ou reduz-se a produção (ex. nº CE);
Materiais (medicamentos, consumo clínico, etc.) seja: i) Quantidade ou tamanho excessivo (compressa 10*10 em vez de 7,5*7,5); ii) Qualidade maior que a necessária ao acto e considerando a segurança do doente e dos profissionais; iii) Stock excessivo; iv) Materiais que se desvalorizam ou estragam (passam a validade, perdem esterilização ou ficam molhados, rasgados,...); v) Preço excessivo (ex. não há negociação, no hospital há demasiada variedade de suturas, pelo que preço é alto e as rupturas também);
Fornecimentos e serviços (MCDT, refeições, roupa lavada, transportes, limpeza,...): ex.s: pago demais por serviço (preço face à qualidade); prescrevem-se MCDT demais face padrão ou protocolo; requisitam-se muito mais refeições que doentes presente e não são devolvidas; também torneira água aberta ou ar condicionado/aquecimento que fica ligado de noite e fim-de-semana áreas sem ninguém;
Capacidade (subocupação: custo em amortizações e custo de oportunidade): ex.s TAC que funciona apenas 6 horas /dia; BOC que só trabalha de manhã ou só faz 4 operações/ dia; várias unidades de internamento com 50 ou 60% (gasto excessivo em pessoal/ doente, tendência para aumentar a demora média; melhor corrigir lotação ajustando á procura e melhorar condições de estadia/trabalho – criar serviços mais alargados com dotação global de pessoal + bolsa profissionais formados para períodos de maior procura);
Tempo perdido e trabalho (esforço) desnecessário: profissionais gastam tempo, sem proveito ou resultado para o hospital, à espera ou deslocando-se desnecessariamente; doentes e familiares á espera ou circulando pelo hospital. Perde-se: i) Tempo produtivo (trabalho) e de apoio à família (perdido enquanto desnecessariamente se desloca ao hospital ou fica "lá" à espera); ii) Tempo e demora média do tratamento (tempo demais, logo mais custos e produção menor que possível); iii) Trabalho e esforço evitável (ex. transporte ou deslocação de materiais, produtos e doentes por deficiente organização e gestão);
Cuidados desnecessários (ex. duplicados), inapropriados, ineficazes: produção excessiva e oferta desequilibrada face à procura e papel da Unidade (ex. muita no SU, pouca ambulatório programado); inapropriação de nível de cuidados (SU vs CP e internamento vs CC), de regime (ex. internamento e devia ser CA) ou de actividade (ex. dia de internamento sem qualquer acto clínico a uma doente); internar doente apenas para morrer no hospital;
Outros custos ou benefícios perdidos: i) Custos de não qualidade (derivados de defeitos, erros e omissões); ii) Resultados na saúde (piores que possível); iii) Desmotivação, desvalorização, insatisfação (doentes, pessoal, comunidade/familiares) (ex. profissionais desmotivados passam a “deixar andar”, não assumem novos papéis e responsabilidades e não se empenham devidamente em: formação e melhoria de comportamentos e atitudes; melhoria de processos e práticas; comunicar e atender melhor; doentes e familiares insatisfeitos não cooperam, conflituam facilmente, tratam mal as instalações e mobiliário, etc.); iv) Outros efeitos negativos - conflitos, ruído, poluição e danos ambientais.

Como evitar o desperdício:

1º. Não fazer o que não é necessário ou é ineficaz: certas intervenções cirúrgicas, certos internamentos em UCI,..;
2º. Não fazer o que outros fazem melhor que nós: SU vs. CP, internamento e cuidados continuados, subcontratação de serviços de apoio,..;
3º.Fazer de modo eficaz e eficiente: ex.s usar protocolos; H. dia e CA vs. internamento, CE vs SU, inapropriação de admissões e estadias, ajusta a oferta á produção necessária, etc.;
4º.Fazer as coisas mais rapidamente: automaticamente, informaticamente ou forma normalizada de modo a evitar a não qualidade (erros, omissões, acidentes). Ex.s: informática e menos tempo necessário para diagnóstico e tratam doente - rapidez de difusão de resultados; disponibilidade de imagem digital e não necessidade de esperar processo em papel; tratamento automático de informação s/ processo e resultados, ...; exames na CE no próprio dia - não 2 vindas do doente...;
5º.Melhorar a qualidade, global e continuamente: prevenir riscos e reduzir infecções, erros diagnóstico, perda de processos, listas de espera e tempo à espera, gasto excessivo.
6º.Romper estrangulamentos e círculos viciosos: ex.s - não fazemos admissões pela CE porque temos internamento “cheio” porque BOC tem insuficiente resposta, donde doentes mantêm-se mais tempo no internamento, também porque há desmarcações e para “guardar vez”(entope-se mais o internamento) – incentivar adequadamente a CA, mesmo fora horas normais e sábados; pagamos de forma errada pelos que os profissionais fazem mais urgências, noites e horas extra do que seria normal … mas assim não há disponibilidade para aumentar a produção do ambulatório programado, substituir internamento, etc. – criar incentivos em função dos resultados conseguidos, profissionalizar SU, incentivar ambulatório programado; insuficiente capacidade - ou má gestão - no laboratório e DM maior que necessário, mas assim teremos menor rentabilidade global e pior qualidade e tempo de resposta (em todo o hospital e para restantes serviços de saúde, doente da CE são forçados a recorrer ao privado,…) – investir laboratório, fazer contrato interno “a sério” aumentar a capacidade (automatização e equipamento, alargar horário se necessário).
7º.Investir nas pessoas: informar, formar e envolver pessoas (decisões que lhes respeitam e em esforços melhoria); dar trabalho motivador, adequado à qualificação e capacidades, com responsabilidade; melhorar as condições e ambiente de trabalho, facilitar as mudanças, estimular e dar apoio, comprometer-se e servir de exemplo (comportamentos); fixar objectivos (de serviço, individuais) e mostrar a relação com o sucesso da Organização, depois avaliar, reconhecer e recompensar; pedir sugestões de como melhorar a qualidade e reduzir desperdício e deixar que depois as apliquem, etc.
semmisericórdia

Etiquetas:

5 Comments:

Blogger tonitosa said...

O jornal Público traz hoje a notícia abaixo.
Será esta também uma medida para combater o desperdício?
Qual vai ser a reacção dos médicos a este procedimento? Carlos Arroz já deu alguns sinais...
Outros profissionais não são tão críticos relativamente a este tipo de medidas.
Não me parece que este sistema de controlo possa ser aplicado para fazer cumprir horários de entrada e de saída. Tem que comportar flexibilidade e nesse sentido será um bom auxiliar na gestão de RH e não deixará de contribuir para a redução do "absentismo". Mas não é o registo de entrada e saída que garante produtividade; esta passa por realização efectiva de trabalho. Os médicos, geralmente, até entram nos HH cumprindo o horário de entrada mas...o que vão fazer a seguir?
É espantoso que a IGS, que tão preocupada andou com algumas medidas dos HH SA's em relação às quais talvez nem competência tinha para intervir (sobretudo competência técnica) tenha demorado tantos anos para concluir o que agora concluíu sobre registo de assiduidade precisamente num ex- SA (ULSM). Qualquer funcionário público sabia há muito o que a lei definia sobre a matéria e sabia-se, também, que nos HH sempre houve forte resistência à implementação das regras legalmente definidas.

in jornal O Público:
"Sistema começa a ser testado em Matosinhos
Hospital fiscaliza horários através de impressões digitais
...........
Inspecção da Saúde concluiu que esmagadora maioria dos serviços públicos controla assiduidade com livros de ponto
É o princípio do fim dos livros de ponto nos serviços de saúde. A partir de hoje, o cumprimento dos horários dos médicos e de todos os outros funcionários da Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM) passa a ser fiscalizado através do reconhecimento das suas impressões digitais. Ainda a título experimental, mas efectiva a partir de Janeiro, a medida adivinha-se polémica. "Se querem propor um sistema tipo apito de fábrica, a nossa recomendação é a seguinte: cumpram escrupulosamente os horários, quer à entrada, quer à saída", defende Carlos Arroz, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos.
Para avançar com o mecanismo de controlo, a administração da ULSM (que integra o Hospital de Pedro Hispano e os quatro centros de saúde de Matosinhos) refugia-se nas recomendações da Inspecção-Geral da Saúde (IGS), que concluiu estarem quase todos os estabelecimentos públicos a desrespeitar uma lei já com oito anos - por se limitarem a controlar a assiduidade dos trabalhadores através de livros de ponto (ver caixa).
No relatório da acção temática concluída em Agosto, a IGS sustenta que, apesar de o Decreto-Lei n.º 259/98, que regula esta problemática, estipular que a assiduidade e pontualidade devem ser verificadas por sistemas de registo automáticos, mecânicos ou de outra natureza, o legislador erigiu como preferenciais os dois primeiros. E referiu expressamente que nos serviços com mais de 50 trabalhadores este controlo deve ser efectuado com mecanismos mecânicos, "salvo casos excepcionais, devidamente fundamentados".
"Estranhamente, ou nem tanto, na esmagadora maioria das instituições optou-se pelo método escrito em impressos ou em livros, estando este sistema, além de ultrapassado, destituído de rigor, porventura de seriedade", acrescenta, defendendo a adopção de sistemas automáticos ou mecânicos, "especialmente naquela parte em que a prestação de trabalho é mais onerosa", como sucede com as horas extraordinárias. A IGS avisa, entretanto, que tenciona fazer com que este processo se acelere, através de "visitas inspectivas a várias instituições".

Maternidade de Alfredo da Costa
já controla o acesso
Em Matosinhos, a experiência começa hoje, com a instalação de três terminais na entrada do hospital (onde os profissionais vão digitar o respectivo número mecanográfico e pôr o dedo para validar a informação). É um mecanismo "muito mais rápido", frisa Nuno Morujão, presidente do Conselho de Administração da ULSM, lembrando que "não retira competências às chefias intermédias," que continuam a ter a última palavra no controlo da assiduidade. Mais tarde serão colocados terminais noutros pontos da ULSM.
Este é um dos primeiros hospitais a avançar com o sistema, depois de há poucos meses a Maternidade de Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, ter instituído um mecanismo de fiscalização através de cartões digitais. "Neste momento só controlamos o acesso, mas, dentro de três meses, o sistema já deve estar a funcionar em pleno", explica Jorge Branco, director da MAC.
A tradição, na função pública, é que a fiscalização do cumprimento dos horários dos funcionários superiores, como é o caso dos médicos, seja feita manualmente, contrapõe Sollari Allegro, presidente do Conselho de Administração do Hospital Geral de Santo António, que tem um sistema por marcação de dedos para todos os funcionários (incluindo os médicos) apenas na Urgência, serviço que está completamente informatizado. "Mudar esta tradição vai causar conflitos, não sei se vale a pena ter esta guerra agora", afirma, cauteloso.
O que está em questão não é a legalidade da medida, mas o facto de a administração da ULSM parecer "não confiar nos directores de serviço que nomeou", destaca Carlos Arroz. Nuno Morujão contrapõe que, das 51 chefias intermédias que responderam a um inquérito sobre esta matéria, 76,5 por cento concordaram com a medida.
Mas a questão mais complexa, segundo Carlos Arroz, é o facto de este tipo de controlo, se for interpretado à letra, poder pôr em causa, por exemplo, a realização de intervenções cirúrgicas. E exemplifica: se se souber à partida que uma operação se vai prolongar para além do horário normal de trabalho, esta poderá não começar sequer."

11:04 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Nada a opor ao controlo electrónico da assiduidade, regulador efectivo da assiduidade mas não da produtividade.
Fugas ao controlo são sempre possíveis, ou não fossemos nós "portugueses".
E é aqui que se deve centrar o problema colocado em discussão. O da responsabilidade individual e de grupo.
Não adianta ter o registo de entrada à hora certa quando se passeia pelos corredores, se permanece nos bares das instituições, se depois de um acto médico ou cirúrgico se protela a saída (por não ter nada que fazer na clínica privada ou em casa) e se os responsáveis são coniventes com estas atitudes.
É que penalizado deve ser quem chega tarde como compensado deve ser o que prolongou o seu horário de trabalho.
Fossemos nós todos, Portugueses com letra grande e não seriam necessários os “pontómetros”

5:45 da tarde  
Blogger ricardo said...

São realmente muitas oportunidades para haver desperdício.
Os nossos HHs estão efectivamente mergulhados em desperdício.

9:39 da tarde  
Blogger Doutor Enfermeiro said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

10:12 da tarde  
Blogger Doutor Enfermeiro said...

"O desperdício traduz-se em:

 (...) podia fazer trabalho com a mesma disponibilidade e segurança com 2 enfermeiros e 2 AAM temos 3 enfermeiros e 1 AAM;(...)"


Mais não posso deixar de dizer que este tipo de raciocínio pertence à ignorância de quem de saúde nada compreende. Esta cognição opinativa é pouco lógica e paupérrima ao nível do conhecimento, reflectindo a escuridão interpretativa de muitas pessoas que gostam de alvitrar acerca do SNS (à semelhança dos "treinadores de bancada").
De facto, muitos desconhecem o que é a enfermagem, quem são os enfermeiros, ou o que fazem, e este desconhecimento acerca da maior classe profissional de saúde culmina neste tipo de comentários ignorantes.
Antes de emitir opiniões sobre algo ou alguém, é imprescendível saber sobre o que falamos, pois corremos o risco de cair neste tipo de embaraços.

A sugestão que este senhor dá, foi já há muito tempo "experimentada" e entretanto (há muito) abandonada no Reino unido, acabou por ser desastrosa.
Os níveis de mortalidade e morbilidade aumentaram de forma exponencial, a incidência e prevalência de todos os tipos de infecções aumentaram (incluíndo as nosocomiais), etc... Toda esta panóplia de acontecimentos teve repercussões a nível dos tempos médios de internamento, da quantidade de fármacos hospitalares usados (com enfoque nos antibióticos)... e por aí fora, numa lista infindável de consequências nefastas, fruto dessa simples "sugestão".
No final, voltou tudo a ser como era antes, pois todos os estudos revelaram e confirmaram o previsível aumento assustador de custos inerentes!!

Na nossa conjuntura, essa simples "sugestão" pode ser caótica e com sérias implicações a nível da qualidade dos cuidados e da segurança dos utentes. Aliás, foi a partir deste episódio (não apenas deste, mas também) que os enfermeiros ingleses começaram a prescrever fármacos, e segundo os relatórios mais recentes, com óptimos resultados. Ou sej,a houve uma aposta séria nos enfermeiros, com o intuito de rentabilizar os o NHS!

Em suma, esta aparente "poupança" com os recursos humanos por acarretar aumento de custos, insegurança, diminuição da qualidade e aumento das taxas de mortalidade e morbilidade. Além do mais, a sua proveniência é claramente de alguém alheio à realidade concreta do sector da saúde. Mais do que isso, é desconhecedor da própria saúde.

10:21 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home