Reformar a Saúde (6)
Caro Aidenós
Em primeiro quero reconhecer o privilégio que tive ao dispor “do lado de lá” (ou nem tanto!) de um intelecto superior (provavelmente um Profe ou alguém que para lá caminha) apenas movido pela ambição de melhorar o SNS.
Aproveito para deixar duas breves notas, sublinhando o consenso e as preocupações comuns.
1ª Os privados no sistema nacional de saúde
Todos os países com Serviço Nacional de Saúde têm maior ou menor intervenção privada, no financiamento e/ou produção de cuidados, um bom “mix” é o que todos desejamos (manter equidade e sustentabilidade, mas também liberdade de escolha e qualidade das prestações). GB tem aumentado o peso do privado, mas está ainda longe dos valores já atingidos em Portugal.
O problema não será tanto o peso relativo mas a qualidade da resposta de:
Prestadores privados, autónomos, com prestações integradas e posicionamento estruturado para acrescentar valor (medido em resultados na saúde por escudo gasto), OU que vivem na “margem”, saprofitamente, assentando em comportamentos que oscilam entre “casos de polícia” e “case studies” de poder de influência desmesurado;
Estado, oscilando entre a “morte cerebral” e a incapacidade de ser motor e parceiro das mudanças, garante da melhoria de todo o sistema (SNS e restantes prestadores) e da sustentabilidade do modelo.
Todos reconhecemos os aspectos positivos da prestação privada, de haver escolha e competitividade. Convém é que estejamos em presença de entidades credíveis (requisitos, ou condições, de qualidade, solidez e boa organização) e dispostas a estabelecer relações de longo prazo com o SNS (verdadeiras parcerias). Doutro modo o que a comunidade ganha pelas virtudes da produção privada não chegará para o aumento de gastos provocado por sistema de monitorização mais exigente (ex. EUA tem custo de monitorização muito superior ao da GB) e pela multiplicação de actos de duvidosa apropriação e eficácia.
Por outro lado todos convergimos na necessidade urgente de racionalizar a rede do SNS (SU, maternidades, HH) e de reduzir o imenso desperdício nele presente. Porém como o aumento de actividade privada pode multiplicar os actos e aumentar a despesa global em saúde impõe-se cautela para evitar que os ganhos que entram pela janela (redução de desperdício em geral) saiam pela porta para prestadores que o SNS não consegue controlar.
2ª Os prestadores privados e o “monstro”
Estamos de acordo que se exige “outro desempenho da parte do MS e dos serviços que o apoiam, especificamente, outra capacidade de avaliar e controlar o SNS que chega à população”. Sem uma mudança drástica no sistema de informação, na monitorização e controlo (SNS e prestações adquiridas) o desperdício global no sistema continuará a crescer e aumentará na razão directa da maior intervenção privada.
Sabemos que o desperdício existe também nas prestações que o SNS paga. Existem sobrelucros e casos de polícia (vide declarações da ERS) e todos temos conhecimento dos elevados valores envolvidos na venda de prestadores convencionados (e hospitais) – que assentam na razão lucros significativos/risco baixo. Isto é os convencionados não têm que se queixar do “monstro” até porque dele fazem parte e dele se alimentam.
Portanto a racionalização a fazer não se deve limitar aos serviços integrados no SNS mas incluir naturalmente a regularização da relação com os outros prestadores, em moldes a que todos beneficiem (SNS, privados, doentes). Assim a reforma do SNS corresponderá a “eliminar algumas das causas que fazem do SNS um Serviço gastador e descontrolado”.
Pelo estilo das intervenções e pela ampla convergência este é nitidamente o último comentário deste profícuo diálogo. Sugeria que escalpelizasse, em sucessivos posts, algumas das propostas concretas do “Futuro da saúde em Portugal”, apontando as vantagens e desvantagens (riscos) que lhes encontrar (começar pelo Prof. Sakellarides parece boa ideia). Penso que todos os colegas do blogue vão querer participar.
Um abraço
Em primeiro quero reconhecer o privilégio que tive ao dispor “do lado de lá” (ou nem tanto!) de um intelecto superior (provavelmente um Profe ou alguém que para lá caminha) apenas movido pela ambição de melhorar o SNS.
Aproveito para deixar duas breves notas, sublinhando o consenso e as preocupações comuns.
1ª Os privados no sistema nacional de saúde
Todos os países com Serviço Nacional de Saúde têm maior ou menor intervenção privada, no financiamento e/ou produção de cuidados, um bom “mix” é o que todos desejamos (manter equidade e sustentabilidade, mas também liberdade de escolha e qualidade das prestações). GB tem aumentado o peso do privado, mas está ainda longe dos valores já atingidos em Portugal.
O problema não será tanto o peso relativo mas a qualidade da resposta de:
Prestadores privados, autónomos, com prestações integradas e posicionamento estruturado para acrescentar valor (medido em resultados na saúde por escudo gasto), OU que vivem na “margem”, saprofitamente, assentando em comportamentos que oscilam entre “casos de polícia” e “case studies” de poder de influência desmesurado;
Estado, oscilando entre a “morte cerebral” e a incapacidade de ser motor e parceiro das mudanças, garante da melhoria de todo o sistema (SNS e restantes prestadores) e da sustentabilidade do modelo.
Todos reconhecemos os aspectos positivos da prestação privada, de haver escolha e competitividade. Convém é que estejamos em presença de entidades credíveis (requisitos, ou condições, de qualidade, solidez e boa organização) e dispostas a estabelecer relações de longo prazo com o SNS (verdadeiras parcerias). Doutro modo o que a comunidade ganha pelas virtudes da produção privada não chegará para o aumento de gastos provocado por sistema de monitorização mais exigente (ex. EUA tem custo de monitorização muito superior ao da GB) e pela multiplicação de actos de duvidosa apropriação e eficácia.
Por outro lado todos convergimos na necessidade urgente de racionalizar a rede do SNS (SU, maternidades, HH) e de reduzir o imenso desperdício nele presente. Porém como o aumento de actividade privada pode multiplicar os actos e aumentar a despesa global em saúde impõe-se cautela para evitar que os ganhos que entram pela janela (redução de desperdício em geral) saiam pela porta para prestadores que o SNS não consegue controlar.
2ª Os prestadores privados e o “monstro”
Estamos de acordo que se exige “outro desempenho da parte do MS e dos serviços que o apoiam, especificamente, outra capacidade de avaliar e controlar o SNS que chega à população”. Sem uma mudança drástica no sistema de informação, na monitorização e controlo (SNS e prestações adquiridas) o desperdício global no sistema continuará a crescer e aumentará na razão directa da maior intervenção privada.
Sabemos que o desperdício existe também nas prestações que o SNS paga. Existem sobrelucros e casos de polícia (vide declarações da ERS) e todos temos conhecimento dos elevados valores envolvidos na venda de prestadores convencionados (e hospitais) – que assentam na razão lucros significativos/risco baixo. Isto é os convencionados não têm que se queixar do “monstro” até porque dele fazem parte e dele se alimentam.
Portanto a racionalização a fazer não se deve limitar aos serviços integrados no SNS mas incluir naturalmente a regularização da relação com os outros prestadores, em moldes a que todos beneficiem (SNS, privados, doentes). Assim a reforma do SNS corresponderá a “eliminar algumas das causas que fazem do SNS um Serviço gastador e descontrolado”.
Pelo estilo das intervenções e pela ampla convergência este é nitidamente o último comentário deste profícuo diálogo. Sugeria que escalpelizasse, em sucessivos posts, algumas das propostas concretas do “Futuro da saúde em Portugal”, apontando as vantagens e desvantagens (riscos) que lhes encontrar (começar pelo Prof. Sakellarides parece boa ideia). Penso que todos os colegas do blogue vão querer participar.
Um abraço
Semmisericórdia
Etiquetas: Semisericórdia
6 Comments:
Cuidados hospitalares, prestação privada:
Qualidade, inovação, ensino, liberdade de escolha.
Há algum modelo de exploração privada em Portugal que evidencie prestações de superior qualidade?
O estado de arte das prestações hospitalares continua nos hospitais públicos.
Não há evidência que a exploração privada de cuidados consiga custos mais baixos que os hospitais públicos (isto quando é o Estado a pagar).
Não conhecemos o contibuto dos hospitais privados para a inovação dos cuidados em Portugal.
Se se refere ao Hospital do coquepite, logo veremos.
Ensino.
Os hospitais privados têm beneficiado do investimento público no ensino dos nossos profissionais de saúde.
Como é que as unidade de exploração privada compatibilizam os compromissos relativos ao ensino com os seus objectivos de obtenção do máximo lucro. Transferindo estes encargos para o Estado?
A liberdade de escolha funciona quano os utentes têm mais confiança nos hospitais públicos?
Os ganhos de eficiência da exploração privada não são anulados pelas margens de lucro e prejuízo da qualidade?
Agradecia que o semmisericordia nos desse uma definição capaz de desperdício.
É que toda a gente passou a falar em desperdício mas a maioria não sabe do que fala.
Recorrentemente a propósito dos hospitais privados é referido o facto de os hospitais privados beneficiarem do investimento público no ensino. Mas, não é isso que se passa de um modo geral? Os nossos licenciados nas Universidades Públicas (e é preciso não esquecer que durante muitos anos só a UCP era privada)não seguem na sua maioria para postos de trabalho em empresas? E porque não há-de uma Universidade Privada integrar o ensino médico em cooperação/complementaridade com um Hospital privado (eventualmente do mesmo grupo)?
Não temos também hoje vários AH saídos da ENSP a trabalhar no sector privado? Devemos também exigir que os Hospitais privados formem enfermeiros, técnicos de MCDT, farmacêuticos e técnicos de administração e gestão?
E quem pode impedir um trabalhador de um hospital público de se transferir para um privado e vice-versa?
Sou acérrimo defensor de um SNS mas a área não deve estar reservada apenas aos Serviços do Estado (o que aliás já se verifica) e temos um Sistema Nacional de Saúde. Há certamente diferenças entre um SNS e um SPS, precisando, entre um Serviço Nacional de Saúde e um Sistema Português de Saúde/Sistema Nacional de Saúde.
Trata-se do ensino profissional, pós universitário.
O que está em causa é o sector privado viver, permanentemente, à majedoura do estado.
Comprovadamente, falta aos nossos empresários talento e imaginação para criarem riqueza per si.
Em Portugal a tradição continuar a sero que era: actividade privada sustentada pelo Estado.
Sim, caro Saudepe.
Ensino pós universitário. Tal como o é qualquer pós-graduação, mestrado e doutoramento.
Mas em boa verdade até ao momento, penso, é sobretudo o Estado que impede cursos de medicina em Universidades privadas. Ainda que, como sabemos, os candidatos (univ privadas) sejam poucos.
E não é o Estado que fornece nuitos dos cursos de formação profissional em todas as áreas? É que, como sabemos, às empresas põe-se sempre o problema de fazer formação a trabalhadores que podem, a qualquer momento, sair para a concorrência.
E a verdade é que nenhum médico pode exercer medicina sem fazer essa formação.
Agradeço ao semmisericórdia a brilhante análise sobre o conceito de desperício.
Um abraço
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